Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Responsabilidade social


Não se deve deixar sós os cidadãos e as pequenas empresas, ao sabor dos interesses do mercado de obtenção apenas de lucros

Por Miguel Reale Júnior

Relatório do Banco Mundial de dezembro passado assinala que, se 2022 foi o ano de incertezas por causa da covid-19, 2023 foi o ano do aumento das desigualdades: 700 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$ 10,50 por dia, número 45% maior que o constatado em 2010.

Durante recente Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a organização Oxfam apresentou dados assustadores da desigualdade, bastando lembrar que as maiores empresas do mundo lucraram 52% a mais do que a média dos últimos três anos. No Brasil, quatro bilionários tiveram aumento de 51% de sua riqueza, enquanto 129 milhões ficaram mais pobres. Diante deste quadro, duas posições no fórum se fizeram fortemente contrastantes: a do novel presidente da Argentina, Javier Milei, e a do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

Milei, histrionicamente, lançou o diagnóstico apocalíptico de estar o mundo “em mãos do socialismo”, com o Ocidente correndo perigo. Os líderes mundiais teriam abandonado a liberdade pelo coletivismo, sendo o capitalismo a “única ferramenta” para acabar com a fome e a pobreza. A justiça social é, a seu ver, mero “tema de moda” e injusto, porque os impostos são cobrados de modo coativo: se uma empresa vai bem, o Estado castiga o capitalista por seu êxito.

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Segundo Milei, portanto, o capitalista é um “benfeitor social, um herói”. Para ele, a defesa da vida, da propriedade e da liberdade contesta a adoção do aborto, o feminismo radical, o controle climático, a proposta de igualdade por instituições internacionais. Aos capitalistas, louva o desejo de ganhar dinheiro e os convoca a “não ceder” ante o Estado que só promoverá pobreza, sendo certo que o mercado “não erra”. Na linha dos extremistas de direita, Milei mistura temas políticos e econômicos com questões de costume, em demagogia reacionária.

Logo em seguida falou o primeiro-ministro da Espanha. Para Sánchez, os empresários não devem esquecer suas obrigações sociais e promover a elevação do poder aquisitivo da classe trabalhadora, defender a democracia e frear a crise climática. Alerta o empresariado a não se seduzir pela falácia de que o Estado, sem gerar valor, apenas arrebanha valores de quem produz.

Conforme Sánchez, ao contrário, deve haver uma colaboração público-privada, devendo Estado, setor privado e sociedade civil juntos construírem prosperidade que aumente o bem-estar e a igualdade, com sustentabilidade ambiental. Para Sánchez, não existe a tal mão invisível do mercado, que acomoda naturalmente as demandas sociais. Deve-se, nos tempos da inteligência artificial, ao lado de promover inovação, olhar os interesses da classe trabalhadora, bem como cuidar da democracia em face das fake news. Em suma, não se deve deixar sós os cidadãos e as pequenas empresas, ao sabor dos interesses do mercado de obtenção apenas de lucros.

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Três significativos pontos convergem para a visão social-democrata: o Pacto Global patrocinado pela ONU; a ordem econômica de nossa Constituição; e o milagre asiático.

Cada vez mais se consolida, em âmbito mundial, a noção da responsabilidade social das empresas. Muitas aderem à implementação dos fatores ESG (environmental, social, governance) lançados pelo secretário-geral da ONU Kofi Annan, por via do Pacto Global, comprometendo-se a adotar princípios nas áreas de direitos humanos e trabalhistas, de meio ambiente e combate à corrupção. Os grandes fundos de investimento hoje avaliam se a empresa implementa os fatores ESG, o que aumenta o seu valor. As questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão sobre o setor empresarial.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) especificam os fins almejados por via dos fatores ESG, dos quais destaco: erradicação da pobreza; fome zero; desenvolvimento econômico; trabalho decente; redução da desigualdade; igualdade de gênero; respeito ao meio ambiente.

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A ONU patrocinou a integração dos Estados com o setor privado e a sociedade civil em busca de justiça social, integridade e proteção ao meio ambiente, pois sem essa sinergia a injustiça social, a corrupção e a destruição ambiental terão curso livre.

Por outro lado, a nossa Constituição coloca em idêntico patamar trabalho e livre iniciativa, estatuídos no mesmo inciso do artigo 1.º, como fundamentos do Estado de Direito. A ordem econômica, pelo artigo 170, tem por princípios regentes: propriedade privada; sua função social; livre concorrência; pleno emprego; redução das desigualdades; defesa do meio ambiente. Nessa estrutura, livre iniciativa e responsabilidade social se conjugam.

Países da Ásia, mediante medidas governamentais e do setor privado, promoveram desenvolvimento com ênfase em educação, reduzindo enormemente a desigualdade.

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Neste ano, com mais de 70 eleições no mundo, é necessário não só denunciar a leviandade dos populistas de extrema direita, mas apresentar respostas concretas ao povo descrente da democracia e passível de desaguar suas frustrações no discurso antissistema.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Relatório do Banco Mundial de dezembro passado assinala que, se 2022 foi o ano de incertezas por causa da covid-19, 2023 foi o ano do aumento das desigualdades: 700 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$ 10,50 por dia, número 45% maior que o constatado em 2010.

Durante recente Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a organização Oxfam apresentou dados assustadores da desigualdade, bastando lembrar que as maiores empresas do mundo lucraram 52% a mais do que a média dos últimos três anos. No Brasil, quatro bilionários tiveram aumento de 51% de sua riqueza, enquanto 129 milhões ficaram mais pobres. Diante deste quadro, duas posições no fórum se fizeram fortemente contrastantes: a do novel presidente da Argentina, Javier Milei, e a do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

Milei, histrionicamente, lançou o diagnóstico apocalíptico de estar o mundo “em mãos do socialismo”, com o Ocidente correndo perigo. Os líderes mundiais teriam abandonado a liberdade pelo coletivismo, sendo o capitalismo a “única ferramenta” para acabar com a fome e a pobreza. A justiça social é, a seu ver, mero “tema de moda” e injusto, porque os impostos são cobrados de modo coativo: se uma empresa vai bem, o Estado castiga o capitalista por seu êxito.

Segundo Milei, portanto, o capitalista é um “benfeitor social, um herói”. Para ele, a defesa da vida, da propriedade e da liberdade contesta a adoção do aborto, o feminismo radical, o controle climático, a proposta de igualdade por instituições internacionais. Aos capitalistas, louva o desejo de ganhar dinheiro e os convoca a “não ceder” ante o Estado que só promoverá pobreza, sendo certo que o mercado “não erra”. Na linha dos extremistas de direita, Milei mistura temas políticos e econômicos com questões de costume, em demagogia reacionária.

Logo em seguida falou o primeiro-ministro da Espanha. Para Sánchez, os empresários não devem esquecer suas obrigações sociais e promover a elevação do poder aquisitivo da classe trabalhadora, defender a democracia e frear a crise climática. Alerta o empresariado a não se seduzir pela falácia de que o Estado, sem gerar valor, apenas arrebanha valores de quem produz.

Conforme Sánchez, ao contrário, deve haver uma colaboração público-privada, devendo Estado, setor privado e sociedade civil juntos construírem prosperidade que aumente o bem-estar e a igualdade, com sustentabilidade ambiental. Para Sánchez, não existe a tal mão invisível do mercado, que acomoda naturalmente as demandas sociais. Deve-se, nos tempos da inteligência artificial, ao lado de promover inovação, olhar os interesses da classe trabalhadora, bem como cuidar da democracia em face das fake news. Em suma, não se deve deixar sós os cidadãos e as pequenas empresas, ao sabor dos interesses do mercado de obtenção apenas de lucros.

Três significativos pontos convergem para a visão social-democrata: o Pacto Global patrocinado pela ONU; a ordem econômica de nossa Constituição; e o milagre asiático.

Cada vez mais se consolida, em âmbito mundial, a noção da responsabilidade social das empresas. Muitas aderem à implementação dos fatores ESG (environmental, social, governance) lançados pelo secretário-geral da ONU Kofi Annan, por via do Pacto Global, comprometendo-se a adotar princípios nas áreas de direitos humanos e trabalhistas, de meio ambiente e combate à corrupção. Os grandes fundos de investimento hoje avaliam se a empresa implementa os fatores ESG, o que aumenta o seu valor. As questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão sobre o setor empresarial.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) especificam os fins almejados por via dos fatores ESG, dos quais destaco: erradicação da pobreza; fome zero; desenvolvimento econômico; trabalho decente; redução da desigualdade; igualdade de gênero; respeito ao meio ambiente.

A ONU patrocinou a integração dos Estados com o setor privado e a sociedade civil em busca de justiça social, integridade e proteção ao meio ambiente, pois sem essa sinergia a injustiça social, a corrupção e a destruição ambiental terão curso livre.

Por outro lado, a nossa Constituição coloca em idêntico patamar trabalho e livre iniciativa, estatuídos no mesmo inciso do artigo 1.º, como fundamentos do Estado de Direito. A ordem econômica, pelo artigo 170, tem por princípios regentes: propriedade privada; sua função social; livre concorrência; pleno emprego; redução das desigualdades; defesa do meio ambiente. Nessa estrutura, livre iniciativa e responsabilidade social se conjugam.

Países da Ásia, mediante medidas governamentais e do setor privado, promoveram desenvolvimento com ênfase em educação, reduzindo enormemente a desigualdade.

Neste ano, com mais de 70 eleições no mundo, é necessário não só denunciar a leviandade dos populistas de extrema direita, mas apresentar respostas concretas ao povo descrente da democracia e passível de desaguar suas frustrações no discurso antissistema.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Relatório do Banco Mundial de dezembro passado assinala que, se 2022 foi o ano de incertezas por causa da covid-19, 2023 foi o ano do aumento das desigualdades: 700 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$ 10,50 por dia, número 45% maior que o constatado em 2010.

Durante recente Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a organização Oxfam apresentou dados assustadores da desigualdade, bastando lembrar que as maiores empresas do mundo lucraram 52% a mais do que a média dos últimos três anos. No Brasil, quatro bilionários tiveram aumento de 51% de sua riqueza, enquanto 129 milhões ficaram mais pobres. Diante deste quadro, duas posições no fórum se fizeram fortemente contrastantes: a do novel presidente da Argentina, Javier Milei, e a do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

Milei, histrionicamente, lançou o diagnóstico apocalíptico de estar o mundo “em mãos do socialismo”, com o Ocidente correndo perigo. Os líderes mundiais teriam abandonado a liberdade pelo coletivismo, sendo o capitalismo a “única ferramenta” para acabar com a fome e a pobreza. A justiça social é, a seu ver, mero “tema de moda” e injusto, porque os impostos são cobrados de modo coativo: se uma empresa vai bem, o Estado castiga o capitalista por seu êxito.

Segundo Milei, portanto, o capitalista é um “benfeitor social, um herói”. Para ele, a defesa da vida, da propriedade e da liberdade contesta a adoção do aborto, o feminismo radical, o controle climático, a proposta de igualdade por instituições internacionais. Aos capitalistas, louva o desejo de ganhar dinheiro e os convoca a “não ceder” ante o Estado que só promoverá pobreza, sendo certo que o mercado “não erra”. Na linha dos extremistas de direita, Milei mistura temas políticos e econômicos com questões de costume, em demagogia reacionária.

Logo em seguida falou o primeiro-ministro da Espanha. Para Sánchez, os empresários não devem esquecer suas obrigações sociais e promover a elevação do poder aquisitivo da classe trabalhadora, defender a democracia e frear a crise climática. Alerta o empresariado a não se seduzir pela falácia de que o Estado, sem gerar valor, apenas arrebanha valores de quem produz.

Conforme Sánchez, ao contrário, deve haver uma colaboração público-privada, devendo Estado, setor privado e sociedade civil juntos construírem prosperidade que aumente o bem-estar e a igualdade, com sustentabilidade ambiental. Para Sánchez, não existe a tal mão invisível do mercado, que acomoda naturalmente as demandas sociais. Deve-se, nos tempos da inteligência artificial, ao lado de promover inovação, olhar os interesses da classe trabalhadora, bem como cuidar da democracia em face das fake news. Em suma, não se deve deixar sós os cidadãos e as pequenas empresas, ao sabor dos interesses do mercado de obtenção apenas de lucros.

Três significativos pontos convergem para a visão social-democrata: o Pacto Global patrocinado pela ONU; a ordem econômica de nossa Constituição; e o milagre asiático.

Cada vez mais se consolida, em âmbito mundial, a noção da responsabilidade social das empresas. Muitas aderem à implementação dos fatores ESG (environmental, social, governance) lançados pelo secretário-geral da ONU Kofi Annan, por via do Pacto Global, comprometendo-se a adotar princípios nas áreas de direitos humanos e trabalhistas, de meio ambiente e combate à corrupção. Os grandes fundos de investimento hoje avaliam se a empresa implementa os fatores ESG, o que aumenta o seu valor. As questões ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão sobre o setor empresarial.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) especificam os fins almejados por via dos fatores ESG, dos quais destaco: erradicação da pobreza; fome zero; desenvolvimento econômico; trabalho decente; redução da desigualdade; igualdade de gênero; respeito ao meio ambiente.

A ONU patrocinou a integração dos Estados com o setor privado e a sociedade civil em busca de justiça social, integridade e proteção ao meio ambiente, pois sem essa sinergia a injustiça social, a corrupção e a destruição ambiental terão curso livre.

Por outro lado, a nossa Constituição coloca em idêntico patamar trabalho e livre iniciativa, estatuídos no mesmo inciso do artigo 1.º, como fundamentos do Estado de Direito. A ordem econômica, pelo artigo 170, tem por princípios regentes: propriedade privada; sua função social; livre concorrência; pleno emprego; redução das desigualdades; defesa do meio ambiente. Nessa estrutura, livre iniciativa e responsabilidade social se conjugam.

Países da Ásia, mediante medidas governamentais e do setor privado, promoveram desenvolvimento com ênfase em educação, reduzindo enormemente a desigualdade.

Neste ano, com mais de 70 eleições no mundo, é necessário não só denunciar a leviandade dos populistas de extrema direita, mas apresentar respostas concretas ao povo descrente da democracia e passível de desaguar suas frustrações no discurso antissistema.

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ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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