Ao indicar o advogado André Mendonça, de 48 anos, para ocupar a vaga aberta pelo ministro Marco Aurélio no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro adotou o mesmo critério que usou na indicação do juiz Kássio Nunes, de 49 anos, para a vaga do ministro Celso de Mello. Além de não serem conhecidos por sua sólida formação jurídica, como prevê a Constituição, Kássio e Mendonça são alinhados com suas aspirações políticas e prometeram ser fiéis a ele. E, por serem jovens, poderão ficar por pelo menos 25 anos na Corte.
Temendo que o aparelhamento do STF comprometa sua independência, as lideranças partidárias no Senado estão discutindo a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que estabeleça idade mínima de 50 anos para os indicados e um mandato de 10 anos para o exercício do cargo. A ideia é evitar que Bolsonaro não apenas tenha influência prolongada no STF, mas, também, que seus sucessores não possam indicar novos ministros, o que impediria a renovação da Corte e a modernização da jurisprudência.
A imposição de idade mínima e um mandato por tempo determinado numa corte suprema existe em vários países desenvolvidos, com democracias maduras, como é o caso da Alemanha, Itália e Espanha. No Senado, medidas como essas vêm sendo discutidas há tempos. Em 2015, por exemplo, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) propôs que a idade mínima para o STF fosse de 55 anos, o que, a seu ver, possibilitaria a renovação da Corte. Ainda em 2015, os senadores Lasier Martins (Podemos-RS), Machado Reguffe (Podemos-DF), Plínio Valerio (PSDB-AM) e Marta Suplicy (PT-SP) apresentaram PECs que previam a fixação de mandato e alteravam o processo de indicação dos ministros. Após ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma dessas PECs chegou a ser debatida em primeiro turno no plenário.
Em 2019, os senadores Ângelo Coronel (PSD-BA) e Plínio Valério apresentaram duas novas PECs. Uma estabelecia em oito anos o mandato de um ministro do STF e outra retirava do presidente da República a exclusividade da indicação. Entre o fim de 2019 e o início de 2020, quando todas essas PECs tramitavam na CCJ, o relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentou um substitutivo, condensando algumas delas. Segundo ele, o mandato de dez anos seria o período mais adequado, “até porque é até maior do que o que geralmente têm durado os mandatos dos ministros, hoje vitalícios”. Em relação ao processo de escolha dos ministros, Anastasia manteve a exigência de lista tríplice prevista por uma das PECs, mas reduziu para apenas três as instituições que poderiam indicar candidatos – o Judiciário indicaria um magistrado; a Procuradoria-Geral da República indicaria um procurador; e a Ordem dos Advogados do Brasil indicaria um jurista.
Reagindo a essas propostas, entre 2015 e 2020 assessores dos inquilinos do Palácio do Planalto alegaram que, por ser uma cláusula pétrea da Constituição, a indicação de ministros para o STF é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República que não poderia ser revogada. Anastasia, que é professor de direito público, refutou esse argumento. Em primeiro lugar, a lista tríplice é usada para todos os demais tribunais superiores. E, em segundo lugar, as corporações jurídicas sempre defenderam pluralismo e equilíbrio na escolha dos membros do STF. O processo de depuração de nomes para a escolha de um ministro de uma corte suprema “tem de ser feito às claras” e da “forma mais republicana possível”, concluiu.
É com base nessas PECs e no substitutivo de Anastasia que as lideranças do Senado pretendem recorrer para tentar evitar o aparelhamento do STF por Bolsonaro. Pela importância da Corte, que tem de ser isenta e independente por princípio, a iniciativa dessas lideranças deve ser debatida com seriedade. Ela pode evitar que um presidente que afronta a Constituição consiga corroer, por meio de suas indicações, a Corte cuja principal missão é controlar a constitucionalidade das leis. É isso o que está em jogo.