A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a licitude da retomada extrajudicial de imóveis dados em garantia a financiamentos bancários em caso de inadimplência nada mais é do que a ratificação do respeito aos contratos. É o mínimo a esperar entre as partes que celebram o fechamento de uma negociação. O STF apenas avalizou o que está previsto em lei há 26 anos, quando foi criado o instrumento de alienação fiduciária de imóveis para incentivar o avanço do crédito habitacional.
Por 8 votos a 2, a Corte decidiu não a favor dos bancos ou contra os mutuários do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), mas a favor da lei e da segurança jurídica dos contratos. A Lei 9.514/97 prevê a livre pactuação do financiamento de imóveis entre instituições financeiras e seus clientes e permite que o próprio bem seja utilizado como garantia de pagamento da dívida. Ao minimizar o risco da operação para os credores, também visa a reduzir juros e tornar economicamente mais vantajoso o financiamento para os devedores.
Quando propuseram o projeto, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, os então ministros da Fazenda, Pedro Malan, e do Planejamento, Antonio Kandir, destacaram que a experiência de crescimento habitacional em diversos países estava intimamente ligada à existência de garantias firmes de retorno dos recursos investidos. A alienação fiduciária surgiu para suprir esta lacuna no mercado brasileiro. Até a dívida ser totalmente quitada, o imóvel dado em garantia é propriedade do banco, mas pode ser usado pelo mutuário.
Ao tornar incontestáveis acordos firmados, forma-se no País uma orientação para abolir a cultura de quebra de contratos, que tantas vezes torna mais difíceis, incertas e onerosas decisões de crédito e de investimento. A lei prevê, sim, recursos judiciais para mutuários que se sintam prejudicados, mas em casos de ilegalidade ou quaisquer abusos por parte do agente financiador, não para contestações sobre taxas, prazos e garantias que ambas as partes julgaram convenientes quando assinaram o contrato.
Assim, prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Luiz Fux, que observou justamente não estar afastada a possibilidade de controle judicial caso se verifique alguma irregularidade. A Justiça pode e deve ser acionada se for necessário proteger os direitos do devedor em procedimentos que não tiveram seu consentimento. Foram votos divergentes os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Fachin justificou seu voto alegando que a execução extrajudicial da garantia não é compatível com a proteção do direito de moradia. Mas o respeito ao contrato também é um direito que, por ter sido acordado de forma consensual, num acerto legalmente válido, deve se sobrepor aos demais.
O julgamento no STF ocorreu em atendimento ao questionamento de um devedor que fez financiamento imobiliário pelo SFI, um regime alternativo ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A principal diferença é que, enquanto o SFH utiliza recursos da poupança e do FGTS, o capital usado no SFI provém das próprias instituições financeiras, embora recentemente tenha sido liberado o uso do FGTS para contratos a partir de junho de 2021.
Outro ponto que distingue os dois modelos é que o SFH limita o valor dos imóveis a R$ 1,5 milhão, enquanto no SFI pode ser concedido crédito para imóveis acima desse valor. De qualquer forma, os ministros do Supremo também já haviam declarado a constitucionalidade da retomada de imóveis inadimplentes do SFH.
De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), 99% dos financiamentos bancários para aquisição de imóveis preveem alienação fiduciária. Espera-se que a jurisprudência firmada pelo STF, que não deixa dúvidas sobre a legalidade da execução em cartório, sem necessidade de processo judicial, tenha reflexo também sobre as taxas de juros cobradas atualmente, que variam de acordo com cada instituição, entre 9,6% e 12,3% ao ano. Afinal, além do risco reduzido na concessão do empréstimo, a dispensa de execução judicial também torna os custos menores.