Advogado e Jornalista

Opinião|A nossa matriz católica


A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão do tempo, do mundo e das pessoas

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Conhecemos – muito se fala deles – os males que teriam sido causados pelo catolicismo em nossa sociedade: a interferência da religião na política, o moralismo (uma percepção de prevalência do dever sobre a liberdade), o clericalismo (que contribui para o não exercício da cidadania, à espera de que outros o façam) e assim por diante. Aqui, quero falar – pois temos mais dificuldade de ver – dos benefícios da religião católica na cultura nacional.

O tema é amplíssimo e, naturalmente, disputado. Há quem considere que o catolicismo só provocou males em nossa história. Entendo, entretanto, que há muitas evidências em sentido contrário, a começar pelo tópico central das preocupações contemporâneas: o clima. A religião católica sempre cultivou um olhar de longo prazo. Nunca aderiu à tese, defendida por outras igrejas, de que o apocalipse é iminente. Se o mundo irá acabar em breve, o cuidado com o futuro perde sentido.

Mas a causa ambiental não é corroída apenas pela pregação do apocalipse iminente. A rigor, o materialismo, em suas diversas variantes, também não oferece razões consistentes para zelar hoje pela situação do planeta daqui a cem anos. O cuidado com o outro, especialmente com os que ainda não nasceram, demanda mais do que simples instinto de sobrevivência. Isso revela que, muitas vezes, mesmo quem se considera ateu adota atitudes cujo significado expressa uma transcendência imaterial; por exemplo, a solidariedade com as futuras gerações.

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A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão – indiferente às modas de cada época – do tempo, do mundo e das pessoas.

Na religião católica, o tempo não é dinheiro. Os dias não são essencialmente uma ocasião para ficar rico. O tempo é visto como um dom. Seu uso demanda responsabilidade. Ensina-se no catolicismo que, no final da vida de cada pessoa, Deus lhe pedirá contas a respeito de como aproveitou seu tempo. A liberdade importa.

Na visão do tempo como um dom, há um efeito muito bonito, bastante perceptível na história brasileira: o tempo não é item pessoal. O bom uso do tempo nunca é algo estritamente egoísta. É serviço, é preocupação com os demais. Pensemos, por exemplo, na cidade de São Paulo. Sua fundação não foi decorrência de objetivos comerciais, mas está ligada à criação de uma escola, ao zelo de religiosos com as futuras gerações. O mesmo se pode dizer de muitas instituições beneficentes católicas que, ao cuidarem especialmente de crianças, idosos e doentes, configuram nossa cultura.

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O fato de haver tantas pessoas dispostas a dedicar a vida aos outros – a quem é frequentemente desvalorizado e desprezado pela sociedade – não é fruto do acaso, mas deriva, de forma muito concreta, de um sentido da vida forjado nas palavras de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, encontra-la-á” (Mt 16,25).

Há muita gente que serve generosamente aos outros e ao meio ambiente por motivos não religiosos. E isso é um enorme bem social. Mas não sejamos ingênuos: qual é o porcentual no Brasil de instituições sociais, educativas e de saúde sem fins lucrativos cuja fundação e manutenção não estão relacionadas a um motivo religioso?

Na visão católica, o mundo foi criado por Deus, que, para tanto, pode ter se servido da evolução das espécies, do Big Bang, etc. O catolicismo não faz uma leitura literal, fundamentalista, da Bíblia. Mas a crença na criação por amor do mundo tem um efeito muito concreto: a vida ganha uma notável suavidade. Não é um mundo hostil. Não é a lógica de um contra todos. Há uma dimensão de fraternidade. É a antítese da visão dura e fria da vida.

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No olhar sobre o outro talvez resida um dos grandes diferenciais da proposta cristã. A ideia de que todos somos filhos de Deus é disruptiva. Não há uma relação de medo, mas de filiação. Deus vê em cada ser humano um filho. O catolicismo ensina que, se houvesse apenas uma única pessoa na terra, Jesus também teria entregado sua vida na cruz – e é essa realidade que se recorda na Sexta-feira Santa.

Tudo isso tem profundas consequências sociais. Por exemplo, a convicção sobre o valor inegociável do ser humano contribuiu para que criássemos, como sociedade, o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários países mais desenvolvidos, com culturas mais individualistas, não tiveram essa ousadia.

Não há nenhuma idealização, seja do País, seja dos católicos. Toleramos, enquanto sociedade, graves problemas humanos e sociais, que ferem radicalmente os princípios cristãos. De toda forma, o catolicismo não nos deu apenas o carnaval. Ele forneceu perspectivas que nos ajudam a ver o mundo e o ser humano de forma menos rasteira e menos imediatista, em sua complexidade, em sua transcendência, em sua beleza.

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P.S.: Além de ferir as liberdades cívicas, a crescente instrumentalização da religião para fins políticos é anticatólica. Viola a autonomia das realidades temporais, cuja defesa inaugural foi feita por Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

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Conhecemos – muito se fala deles – os males que teriam sido causados pelo catolicismo em nossa sociedade: a interferência da religião na política, o moralismo (uma percepção de prevalência do dever sobre a liberdade), o clericalismo (que contribui para o não exercício da cidadania, à espera de que outros o façam) e assim por diante. Aqui, quero falar – pois temos mais dificuldade de ver – dos benefícios da religião católica na cultura nacional.

O tema é amplíssimo e, naturalmente, disputado. Há quem considere que o catolicismo só provocou males em nossa história. Entendo, entretanto, que há muitas evidências em sentido contrário, a começar pelo tópico central das preocupações contemporâneas: o clima. A religião católica sempre cultivou um olhar de longo prazo. Nunca aderiu à tese, defendida por outras igrejas, de que o apocalipse é iminente. Se o mundo irá acabar em breve, o cuidado com o futuro perde sentido.

Mas a causa ambiental não é corroída apenas pela pregação do apocalipse iminente. A rigor, o materialismo, em suas diversas variantes, também não oferece razões consistentes para zelar hoje pela situação do planeta daqui a cem anos. O cuidado com o outro, especialmente com os que ainda não nasceram, demanda mais do que simples instinto de sobrevivência. Isso revela que, muitas vezes, mesmo quem se considera ateu adota atitudes cujo significado expressa uma transcendência imaterial; por exemplo, a solidariedade com as futuras gerações.

A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão – indiferente às modas de cada época – do tempo, do mundo e das pessoas.

Na religião católica, o tempo não é dinheiro. Os dias não são essencialmente uma ocasião para ficar rico. O tempo é visto como um dom. Seu uso demanda responsabilidade. Ensina-se no catolicismo que, no final da vida de cada pessoa, Deus lhe pedirá contas a respeito de como aproveitou seu tempo. A liberdade importa.

Na visão do tempo como um dom, há um efeito muito bonito, bastante perceptível na história brasileira: o tempo não é item pessoal. O bom uso do tempo nunca é algo estritamente egoísta. É serviço, é preocupação com os demais. Pensemos, por exemplo, na cidade de São Paulo. Sua fundação não foi decorrência de objetivos comerciais, mas está ligada à criação de uma escola, ao zelo de religiosos com as futuras gerações. O mesmo se pode dizer de muitas instituições beneficentes católicas que, ao cuidarem especialmente de crianças, idosos e doentes, configuram nossa cultura.

O fato de haver tantas pessoas dispostas a dedicar a vida aos outros – a quem é frequentemente desvalorizado e desprezado pela sociedade – não é fruto do acaso, mas deriva, de forma muito concreta, de um sentido da vida forjado nas palavras de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, encontra-la-á” (Mt 16,25).

Há muita gente que serve generosamente aos outros e ao meio ambiente por motivos não religiosos. E isso é um enorme bem social. Mas não sejamos ingênuos: qual é o porcentual no Brasil de instituições sociais, educativas e de saúde sem fins lucrativos cuja fundação e manutenção não estão relacionadas a um motivo religioso?

Na visão católica, o mundo foi criado por Deus, que, para tanto, pode ter se servido da evolução das espécies, do Big Bang, etc. O catolicismo não faz uma leitura literal, fundamentalista, da Bíblia. Mas a crença na criação por amor do mundo tem um efeito muito concreto: a vida ganha uma notável suavidade. Não é um mundo hostil. Não é a lógica de um contra todos. Há uma dimensão de fraternidade. É a antítese da visão dura e fria da vida.

No olhar sobre o outro talvez resida um dos grandes diferenciais da proposta cristã. A ideia de que todos somos filhos de Deus é disruptiva. Não há uma relação de medo, mas de filiação. Deus vê em cada ser humano um filho. O catolicismo ensina que, se houvesse apenas uma única pessoa na terra, Jesus também teria entregado sua vida na cruz – e é essa realidade que se recorda na Sexta-feira Santa.

Tudo isso tem profundas consequências sociais. Por exemplo, a convicção sobre o valor inegociável do ser humano contribuiu para que criássemos, como sociedade, o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários países mais desenvolvidos, com culturas mais individualistas, não tiveram essa ousadia.

Não há nenhuma idealização, seja do País, seja dos católicos. Toleramos, enquanto sociedade, graves problemas humanos e sociais, que ferem radicalmente os princípios cristãos. De toda forma, o catolicismo não nos deu apenas o carnaval. Ele forneceu perspectivas que nos ajudam a ver o mundo e o ser humano de forma menos rasteira e menos imediatista, em sua complexidade, em sua transcendência, em sua beleza.

P.S.: Além de ferir as liberdades cívicas, a crescente instrumentalização da religião para fins políticos é anticatólica. Viola a autonomia das realidades temporais, cuja defesa inaugural foi feita por Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

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Conhecemos – muito se fala deles – os males que teriam sido causados pelo catolicismo em nossa sociedade: a interferência da religião na política, o moralismo (uma percepção de prevalência do dever sobre a liberdade), o clericalismo (que contribui para o não exercício da cidadania, à espera de que outros o façam) e assim por diante. Aqui, quero falar – pois temos mais dificuldade de ver – dos benefícios da religião católica na cultura nacional.

O tema é amplíssimo e, naturalmente, disputado. Há quem considere que o catolicismo só provocou males em nossa história. Entendo, entretanto, que há muitas evidências em sentido contrário, a começar pelo tópico central das preocupações contemporâneas: o clima. A religião católica sempre cultivou um olhar de longo prazo. Nunca aderiu à tese, defendida por outras igrejas, de que o apocalipse é iminente. Se o mundo irá acabar em breve, o cuidado com o futuro perde sentido.

Mas a causa ambiental não é corroída apenas pela pregação do apocalipse iminente. A rigor, o materialismo, em suas diversas variantes, também não oferece razões consistentes para zelar hoje pela situação do planeta daqui a cem anos. O cuidado com o outro, especialmente com os que ainda não nasceram, demanda mais do que simples instinto de sobrevivência. Isso revela que, muitas vezes, mesmo quem se considera ateu adota atitudes cujo significado expressa uma transcendência imaterial; por exemplo, a solidariedade com as futuras gerações.

A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão – indiferente às modas de cada época – do tempo, do mundo e das pessoas.

Na religião católica, o tempo não é dinheiro. Os dias não são essencialmente uma ocasião para ficar rico. O tempo é visto como um dom. Seu uso demanda responsabilidade. Ensina-se no catolicismo que, no final da vida de cada pessoa, Deus lhe pedirá contas a respeito de como aproveitou seu tempo. A liberdade importa.

Na visão do tempo como um dom, há um efeito muito bonito, bastante perceptível na história brasileira: o tempo não é item pessoal. O bom uso do tempo nunca é algo estritamente egoísta. É serviço, é preocupação com os demais. Pensemos, por exemplo, na cidade de São Paulo. Sua fundação não foi decorrência de objetivos comerciais, mas está ligada à criação de uma escola, ao zelo de religiosos com as futuras gerações. O mesmo se pode dizer de muitas instituições beneficentes católicas que, ao cuidarem especialmente de crianças, idosos e doentes, configuram nossa cultura.

O fato de haver tantas pessoas dispostas a dedicar a vida aos outros – a quem é frequentemente desvalorizado e desprezado pela sociedade – não é fruto do acaso, mas deriva, de forma muito concreta, de um sentido da vida forjado nas palavras de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, encontra-la-á” (Mt 16,25).

Há muita gente que serve generosamente aos outros e ao meio ambiente por motivos não religiosos. E isso é um enorme bem social. Mas não sejamos ingênuos: qual é o porcentual no Brasil de instituições sociais, educativas e de saúde sem fins lucrativos cuja fundação e manutenção não estão relacionadas a um motivo religioso?

Na visão católica, o mundo foi criado por Deus, que, para tanto, pode ter se servido da evolução das espécies, do Big Bang, etc. O catolicismo não faz uma leitura literal, fundamentalista, da Bíblia. Mas a crença na criação por amor do mundo tem um efeito muito concreto: a vida ganha uma notável suavidade. Não é um mundo hostil. Não é a lógica de um contra todos. Há uma dimensão de fraternidade. É a antítese da visão dura e fria da vida.

No olhar sobre o outro talvez resida um dos grandes diferenciais da proposta cristã. A ideia de que todos somos filhos de Deus é disruptiva. Não há uma relação de medo, mas de filiação. Deus vê em cada ser humano um filho. O catolicismo ensina que, se houvesse apenas uma única pessoa na terra, Jesus também teria entregado sua vida na cruz – e é essa realidade que se recorda na Sexta-feira Santa.

Tudo isso tem profundas consequências sociais. Por exemplo, a convicção sobre o valor inegociável do ser humano contribuiu para que criássemos, como sociedade, o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários países mais desenvolvidos, com culturas mais individualistas, não tiveram essa ousadia.

Não há nenhuma idealização, seja do País, seja dos católicos. Toleramos, enquanto sociedade, graves problemas humanos e sociais, que ferem radicalmente os princípios cristãos. De toda forma, o catolicismo não nos deu apenas o carnaval. Ele forneceu perspectivas que nos ajudam a ver o mundo e o ser humano de forma menos rasteira e menos imediatista, em sua complexidade, em sua transcendência, em sua beleza.

P.S.: Além de ferir as liberdades cívicas, a crescente instrumentalização da religião para fins políticos é anticatólica. Viola a autonomia das realidades temporais, cuja defesa inaugural foi feita por Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

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Conhecemos – muito se fala deles – os males que teriam sido causados pelo catolicismo em nossa sociedade: a interferência da religião na política, o moralismo (uma percepção de prevalência do dever sobre a liberdade), o clericalismo (que contribui para o não exercício da cidadania, à espera de que outros o façam) e assim por diante. Aqui, quero falar – pois temos mais dificuldade de ver – dos benefícios da religião católica na cultura nacional.

O tema é amplíssimo e, naturalmente, disputado. Há quem considere que o catolicismo só provocou males em nossa história. Entendo, entretanto, que há muitas evidências em sentido contrário, a começar pelo tópico central das preocupações contemporâneas: o clima. A religião católica sempre cultivou um olhar de longo prazo. Nunca aderiu à tese, defendida por outras igrejas, de que o apocalipse é iminente. Se o mundo irá acabar em breve, o cuidado com o futuro perde sentido.

Mas a causa ambiental não é corroída apenas pela pregação do apocalipse iminente. A rigor, o materialismo, em suas diversas variantes, também não oferece razões consistentes para zelar hoje pela situação do planeta daqui a cem anos. O cuidado com o outro, especialmente com os que ainda não nasceram, demanda mais do que simples instinto de sobrevivência. Isso revela que, muitas vezes, mesmo quem se considera ateu adota atitudes cujo significado expressa uma transcendência imaterial; por exemplo, a solidariedade com as futuras gerações.

A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão – indiferente às modas de cada época – do tempo, do mundo e das pessoas.

Na religião católica, o tempo não é dinheiro. Os dias não são essencialmente uma ocasião para ficar rico. O tempo é visto como um dom. Seu uso demanda responsabilidade. Ensina-se no catolicismo que, no final da vida de cada pessoa, Deus lhe pedirá contas a respeito de como aproveitou seu tempo. A liberdade importa.

Na visão do tempo como um dom, há um efeito muito bonito, bastante perceptível na história brasileira: o tempo não é item pessoal. O bom uso do tempo nunca é algo estritamente egoísta. É serviço, é preocupação com os demais. Pensemos, por exemplo, na cidade de São Paulo. Sua fundação não foi decorrência de objetivos comerciais, mas está ligada à criação de uma escola, ao zelo de religiosos com as futuras gerações. O mesmo se pode dizer de muitas instituições beneficentes católicas que, ao cuidarem especialmente de crianças, idosos e doentes, configuram nossa cultura.

O fato de haver tantas pessoas dispostas a dedicar a vida aos outros – a quem é frequentemente desvalorizado e desprezado pela sociedade – não é fruto do acaso, mas deriva, de forma muito concreta, de um sentido da vida forjado nas palavras de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, encontra-la-á” (Mt 16,25).

Há muita gente que serve generosamente aos outros e ao meio ambiente por motivos não religiosos. E isso é um enorme bem social. Mas não sejamos ingênuos: qual é o porcentual no Brasil de instituições sociais, educativas e de saúde sem fins lucrativos cuja fundação e manutenção não estão relacionadas a um motivo religioso?

Na visão católica, o mundo foi criado por Deus, que, para tanto, pode ter se servido da evolução das espécies, do Big Bang, etc. O catolicismo não faz uma leitura literal, fundamentalista, da Bíblia. Mas a crença na criação por amor do mundo tem um efeito muito concreto: a vida ganha uma notável suavidade. Não é um mundo hostil. Não é a lógica de um contra todos. Há uma dimensão de fraternidade. É a antítese da visão dura e fria da vida.

No olhar sobre o outro talvez resida um dos grandes diferenciais da proposta cristã. A ideia de que todos somos filhos de Deus é disruptiva. Não há uma relação de medo, mas de filiação. Deus vê em cada ser humano um filho. O catolicismo ensina que, se houvesse apenas uma única pessoa na terra, Jesus também teria entregado sua vida na cruz – e é essa realidade que se recorda na Sexta-feira Santa.

Tudo isso tem profundas consequências sociais. Por exemplo, a convicção sobre o valor inegociável do ser humano contribuiu para que criássemos, como sociedade, o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários países mais desenvolvidos, com culturas mais individualistas, não tiveram essa ousadia.

Não há nenhuma idealização, seja do País, seja dos católicos. Toleramos, enquanto sociedade, graves problemas humanos e sociais, que ferem radicalmente os princípios cristãos. De toda forma, o catolicismo não nos deu apenas o carnaval. Ele forneceu perspectivas que nos ajudam a ver o mundo e o ser humano de forma menos rasteira e menos imediatista, em sua complexidade, em sua transcendência, em sua beleza.

P.S.: Além de ferir as liberdades cívicas, a crescente instrumentalização da religião para fins políticos é anticatólica. Viola a autonomia das realidades temporais, cuja defesa inaugural foi feita por Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

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Conhecemos – muito se fala deles – os males que teriam sido causados pelo catolicismo em nossa sociedade: a interferência da religião na política, o moralismo (uma percepção de prevalência do dever sobre a liberdade), o clericalismo (que contribui para o não exercício da cidadania, à espera de que outros o façam) e assim por diante. Aqui, quero falar – pois temos mais dificuldade de ver – dos benefícios da religião católica na cultura nacional.

O tema é amplíssimo e, naturalmente, disputado. Há quem considere que o catolicismo só provocou males em nossa história. Entendo, entretanto, que há muitas evidências em sentido contrário, a começar pelo tópico central das preocupações contemporâneas: o clima. A religião católica sempre cultivou um olhar de longo prazo. Nunca aderiu à tese, defendida por outras igrejas, de que o apocalipse é iminente. Se o mundo irá acabar em breve, o cuidado com o futuro perde sentido.

Mas a causa ambiental não é corroída apenas pela pregação do apocalipse iminente. A rigor, o materialismo, em suas diversas variantes, também não oferece razões consistentes para zelar hoje pela situação do planeta daqui a cem anos. O cuidado com o outro, especialmente com os que ainda não nasceram, demanda mais do que simples instinto de sobrevivência. Isso revela que, muitas vezes, mesmo quem se considera ateu adota atitudes cujo significado expressa uma transcendência imaterial; por exemplo, a solidariedade com as futuras gerações.

A contribuição do catolicismo para a sociedade relaciona-se diretamente com sua visão – indiferente às modas de cada época – do tempo, do mundo e das pessoas.

Na religião católica, o tempo não é dinheiro. Os dias não são essencialmente uma ocasião para ficar rico. O tempo é visto como um dom. Seu uso demanda responsabilidade. Ensina-se no catolicismo que, no final da vida de cada pessoa, Deus lhe pedirá contas a respeito de como aproveitou seu tempo. A liberdade importa.

Na visão do tempo como um dom, há um efeito muito bonito, bastante perceptível na história brasileira: o tempo não é item pessoal. O bom uso do tempo nunca é algo estritamente egoísta. É serviço, é preocupação com os demais. Pensemos, por exemplo, na cidade de São Paulo. Sua fundação não foi decorrência de objetivos comerciais, mas está ligada à criação de uma escola, ao zelo de religiosos com as futuras gerações. O mesmo se pode dizer de muitas instituições beneficentes católicas que, ao cuidarem especialmente de crianças, idosos e doentes, configuram nossa cultura.

O fato de haver tantas pessoas dispostas a dedicar a vida aos outros – a quem é frequentemente desvalorizado e desprezado pela sociedade – não é fruto do acaso, mas deriva, de forma muito concreta, de um sentido da vida forjado nas palavras de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim, encontra-la-á” (Mt 16,25).

Há muita gente que serve generosamente aos outros e ao meio ambiente por motivos não religiosos. E isso é um enorme bem social. Mas não sejamos ingênuos: qual é o porcentual no Brasil de instituições sociais, educativas e de saúde sem fins lucrativos cuja fundação e manutenção não estão relacionadas a um motivo religioso?

Na visão católica, o mundo foi criado por Deus, que, para tanto, pode ter se servido da evolução das espécies, do Big Bang, etc. O catolicismo não faz uma leitura literal, fundamentalista, da Bíblia. Mas a crença na criação por amor do mundo tem um efeito muito concreto: a vida ganha uma notável suavidade. Não é um mundo hostil. Não é a lógica de um contra todos. Há uma dimensão de fraternidade. É a antítese da visão dura e fria da vida.

No olhar sobre o outro talvez resida um dos grandes diferenciais da proposta cristã. A ideia de que todos somos filhos de Deus é disruptiva. Não há uma relação de medo, mas de filiação. Deus vê em cada ser humano um filho. O catolicismo ensina que, se houvesse apenas uma única pessoa na terra, Jesus também teria entregado sua vida na cruz – e é essa realidade que se recorda na Sexta-feira Santa.

Tudo isso tem profundas consequências sociais. Por exemplo, a convicção sobre o valor inegociável do ser humano contribuiu para que criássemos, como sociedade, o Sistema Único de Saúde (SUS). Vários países mais desenvolvidos, com culturas mais individualistas, não tiveram essa ousadia.

Não há nenhuma idealização, seja do País, seja dos católicos. Toleramos, enquanto sociedade, graves problemas humanos e sociais, que ferem radicalmente os princípios cristãos. De toda forma, o catolicismo não nos deu apenas o carnaval. Ele forneceu perspectivas que nos ajudam a ver o mundo e o ser humano de forma menos rasteira e menos imediatista, em sua complexidade, em sua transcendência, em sua beleza.

P.S.: Além de ferir as liberdades cívicas, a crescente instrumentalização da religião para fins políticos é anticatólica. Viola a autonomia das realidades temporais, cuja defesa inaugural foi feita por Jesus: “A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

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