Advogado e Jornalista

Opinião|Educação para o silêncio


Perdemos a capacidade de ficar em silêncio. Há uma necessidade contínua de falar, de fazer barulho, de usar o ‘headphone’

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Muito se fala na importância da educação financeira: em como esse conhecimento pode ser decisivo para a vida de uma pessoa, para a tomada de decisões corretas que afetam o seu futuro. Quero falar aqui de um outro tipo de educação, que me parece mais fundamental e ainda mais necessário: a educação para o silêncio, que também poderíamos chamar de educação para a humanidade ou de educação para a contemplação e a reflexão.

Não é uma espécie de educação para a sofisticação, nem muito menos para o isolamento ou a timidez. Trata-se do oposto. Educar para reconhecer e valorizar o que é realmente importante em nós e nos outros, aquilo que, de uma forma ou de outra, todos admiramos e buscamos: a beleza, a sabedoria, a coerência, a integridade.

Perdemos a capacidade de ficar em silêncio. Há uma necessidade contínua de falar, de fazer barulho, de usar o headphone. O silêncio é incômodo. Conviver com a própria mente é incômodo. A cadência do tempo é incômoda.

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No mundo atual, tudo se torna fonte de incômodo. E é imperioso reclamar, falar, espernear, opinar, postar. Esperar em silêncio, sem mexer no celular, é um ato raro. Estar quieto – apenas olhando, observando, refletindo, imaginando, encantando-se com as pessoas e o mundo à volta – não é apreciado, não é ensinado, não é vivido. Soa como loucura. É preciso a todo momento consumir telas, sons, notificações, algoritmos.

A repulsa ao silêncio é sintoma de interioridade rasa. Acostumamo-nos com o contato superficial com as pessoas, com o mundo, com as notícias, com nós mesmos. Cultivamos e celebramos uma sensação de conhecimento e de domínio do mundo. Já sabemos, já entendemos, já julgamos. Fugimos – ele é incômodo – do mistério, do que não entendemos, do que não dominamos, do que não se encaixa em nossas prévias categorias. Paradoxalmente, com tal atitude, sabemos explicar cada vez menos coisas. Sem o silêncio, é difícil refletir, contemplar, dialogar.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar o outro. Aquele que é diferente da gente – que não tem conosco laços de família, de amizade, de afinidade esportiva, política ou ideológica, etc. – tem se tornado cada vez mais invisível, menos relevante, menos significativo. Não só no trânsito ou na política, mas em todos os âmbitos da vida.

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Incluo nesse tópico um tema sensível, que está longe de ter sido bem resolvido: o modo como os homens olham e tratam as mulheres. Incrementamos os instrumentos de repressão penal, ampliaram-se os espaços de proteção da vítima, há uma maior atenção em ouvir sua voz, em assegurar que as mulheres existam e resistam. Mas o Direito Penal é insuficiente. É preciso promover uma cultura de equidade e de respeito. É preciso educar os garotos noutra sensibilidade, noutra gramática. É preciso um novo olhar, um novo sentir. E aqui temos de reconhecer: quantos, progressistas e conservadores, continuam vendo as mulheres, as colegas de trabalho, por exemplo, sob a exclusiva lente da sexualidade, da interação sexual, do seu próprio fruir, da sua exclusiva e redutora perspectiva? Estamos sabendo enxergar de verdade o outro? Estamos ensinando nossas crianças e jovens a verem no outro uma pessoa igual em dignidade, em direitos, em aspirações e em desejos? Nesse reconstruir nossa sensibilidade e nossa afetividade, o silêncio interior tem enorme relevância.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar para nós mesmos e, consequentemente, de entendermos e sermos quem nós somos. Estamos deixando escapar nossa identidade. Não há integridade na artificialidade, na cópia, na reprodução de padrões. Mesmo que esses padrões sejam aplaudidos por marcas e personalidades. Cada pessoa é única.

Parece fácil e intuitivo, mas olhar para nós mesmos não é automático. Sabemos olhar honestamente nossa história de vida, sem iludir-nos com comparações, sem recorrer a muletas, sem transigir com desculpas? A trajetória personalíssima de cada um – que não é busca por singularizar-se, por aparecer, por chamar a atenção; de partida, já somos singulares, somos seres pessoais – é acessível somente ao olhar pausado e refletido proporcionado pelo silêncio.

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A leitura e o silêncio estão fortemente conectados. Não por acaso, estamos lendo menos. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2024, 53% dos brasileiros não leram sequer parte de uma obra no trimestre anterior à pesquisa. Na série histórica, foi a primeira vez em que o grupo dos que não leem foi maior do que o dos que leem. É difícil ler com tanto barulho, com tantas notificações, com tanta fuga à própria interioridade.

Leitura e silêncio nos remetem à imaginação, à capacidade imaginativa. Talvez por isso educar para o silêncio seja tão decisivo. É ele que abre as portas para as respostas livres – não automáticas, criativas, pessoais – de que tanto precisamos, individual e coletivamente. É ele que possibilita ampliarmos nossa compreensão do que está ao nosso redor e, principalmente, das pessoas ao nosso redor, começando por nós mesmos.

Um feliz Natal a todos, com muita festa e algum silêncio.

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Muito se fala na importância da educação financeira: em como esse conhecimento pode ser decisivo para a vida de uma pessoa, para a tomada de decisões corretas que afetam o seu futuro. Quero falar aqui de um outro tipo de educação, que me parece mais fundamental e ainda mais necessário: a educação para o silêncio, que também poderíamos chamar de educação para a humanidade ou de educação para a contemplação e a reflexão.

Não é uma espécie de educação para a sofisticação, nem muito menos para o isolamento ou a timidez. Trata-se do oposto. Educar para reconhecer e valorizar o que é realmente importante em nós e nos outros, aquilo que, de uma forma ou de outra, todos admiramos e buscamos: a beleza, a sabedoria, a coerência, a integridade.

Perdemos a capacidade de ficar em silêncio. Há uma necessidade contínua de falar, de fazer barulho, de usar o headphone. O silêncio é incômodo. Conviver com a própria mente é incômodo. A cadência do tempo é incômoda.

No mundo atual, tudo se torna fonte de incômodo. E é imperioso reclamar, falar, espernear, opinar, postar. Esperar em silêncio, sem mexer no celular, é um ato raro. Estar quieto – apenas olhando, observando, refletindo, imaginando, encantando-se com as pessoas e o mundo à volta – não é apreciado, não é ensinado, não é vivido. Soa como loucura. É preciso a todo momento consumir telas, sons, notificações, algoritmos.

A repulsa ao silêncio é sintoma de interioridade rasa. Acostumamo-nos com o contato superficial com as pessoas, com o mundo, com as notícias, com nós mesmos. Cultivamos e celebramos uma sensação de conhecimento e de domínio do mundo. Já sabemos, já entendemos, já julgamos. Fugimos – ele é incômodo – do mistério, do que não entendemos, do que não dominamos, do que não se encaixa em nossas prévias categorias. Paradoxalmente, com tal atitude, sabemos explicar cada vez menos coisas. Sem o silêncio, é difícil refletir, contemplar, dialogar.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar o outro. Aquele que é diferente da gente – que não tem conosco laços de família, de amizade, de afinidade esportiva, política ou ideológica, etc. – tem se tornado cada vez mais invisível, menos relevante, menos significativo. Não só no trânsito ou na política, mas em todos os âmbitos da vida.

Incluo nesse tópico um tema sensível, que está longe de ter sido bem resolvido: o modo como os homens olham e tratam as mulheres. Incrementamos os instrumentos de repressão penal, ampliaram-se os espaços de proteção da vítima, há uma maior atenção em ouvir sua voz, em assegurar que as mulheres existam e resistam. Mas o Direito Penal é insuficiente. É preciso promover uma cultura de equidade e de respeito. É preciso educar os garotos noutra sensibilidade, noutra gramática. É preciso um novo olhar, um novo sentir. E aqui temos de reconhecer: quantos, progressistas e conservadores, continuam vendo as mulheres, as colegas de trabalho, por exemplo, sob a exclusiva lente da sexualidade, da interação sexual, do seu próprio fruir, da sua exclusiva e redutora perspectiva? Estamos sabendo enxergar de verdade o outro? Estamos ensinando nossas crianças e jovens a verem no outro uma pessoa igual em dignidade, em direitos, em aspirações e em desejos? Nesse reconstruir nossa sensibilidade e nossa afetividade, o silêncio interior tem enorme relevância.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar para nós mesmos e, consequentemente, de entendermos e sermos quem nós somos. Estamos deixando escapar nossa identidade. Não há integridade na artificialidade, na cópia, na reprodução de padrões. Mesmo que esses padrões sejam aplaudidos por marcas e personalidades. Cada pessoa é única.

Parece fácil e intuitivo, mas olhar para nós mesmos não é automático. Sabemos olhar honestamente nossa história de vida, sem iludir-nos com comparações, sem recorrer a muletas, sem transigir com desculpas? A trajetória personalíssima de cada um – que não é busca por singularizar-se, por aparecer, por chamar a atenção; de partida, já somos singulares, somos seres pessoais – é acessível somente ao olhar pausado e refletido proporcionado pelo silêncio.

A leitura e o silêncio estão fortemente conectados. Não por acaso, estamos lendo menos. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2024, 53% dos brasileiros não leram sequer parte de uma obra no trimestre anterior à pesquisa. Na série histórica, foi a primeira vez em que o grupo dos que não leem foi maior do que o dos que leem. É difícil ler com tanto barulho, com tantas notificações, com tanta fuga à própria interioridade.

Leitura e silêncio nos remetem à imaginação, à capacidade imaginativa. Talvez por isso educar para o silêncio seja tão decisivo. É ele que abre as portas para as respostas livres – não automáticas, criativas, pessoais – de que tanto precisamos, individual e coletivamente. É ele que possibilita ampliarmos nossa compreensão do que está ao nosso redor e, principalmente, das pessoas ao nosso redor, começando por nós mesmos.

Um feliz Natal a todos, com muita festa e algum silêncio.

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Muito se fala na importância da educação financeira: em como esse conhecimento pode ser decisivo para a vida de uma pessoa, para a tomada de decisões corretas que afetam o seu futuro. Quero falar aqui de um outro tipo de educação, que me parece mais fundamental e ainda mais necessário: a educação para o silêncio, que também poderíamos chamar de educação para a humanidade ou de educação para a contemplação e a reflexão.

Não é uma espécie de educação para a sofisticação, nem muito menos para o isolamento ou a timidez. Trata-se do oposto. Educar para reconhecer e valorizar o que é realmente importante em nós e nos outros, aquilo que, de uma forma ou de outra, todos admiramos e buscamos: a beleza, a sabedoria, a coerência, a integridade.

Perdemos a capacidade de ficar em silêncio. Há uma necessidade contínua de falar, de fazer barulho, de usar o headphone. O silêncio é incômodo. Conviver com a própria mente é incômodo. A cadência do tempo é incômoda.

No mundo atual, tudo se torna fonte de incômodo. E é imperioso reclamar, falar, espernear, opinar, postar. Esperar em silêncio, sem mexer no celular, é um ato raro. Estar quieto – apenas olhando, observando, refletindo, imaginando, encantando-se com as pessoas e o mundo à volta – não é apreciado, não é ensinado, não é vivido. Soa como loucura. É preciso a todo momento consumir telas, sons, notificações, algoritmos.

A repulsa ao silêncio é sintoma de interioridade rasa. Acostumamo-nos com o contato superficial com as pessoas, com o mundo, com as notícias, com nós mesmos. Cultivamos e celebramos uma sensação de conhecimento e de domínio do mundo. Já sabemos, já entendemos, já julgamos. Fugimos – ele é incômodo – do mistério, do que não entendemos, do que não dominamos, do que não se encaixa em nossas prévias categorias. Paradoxalmente, com tal atitude, sabemos explicar cada vez menos coisas. Sem o silêncio, é difícil refletir, contemplar, dialogar.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar o outro. Aquele que é diferente da gente – que não tem conosco laços de família, de amizade, de afinidade esportiva, política ou ideológica, etc. – tem se tornado cada vez mais invisível, menos relevante, menos significativo. Não só no trânsito ou na política, mas em todos os âmbitos da vida.

Incluo nesse tópico um tema sensível, que está longe de ter sido bem resolvido: o modo como os homens olham e tratam as mulheres. Incrementamos os instrumentos de repressão penal, ampliaram-se os espaços de proteção da vítima, há uma maior atenção em ouvir sua voz, em assegurar que as mulheres existam e resistam. Mas o Direito Penal é insuficiente. É preciso promover uma cultura de equidade e de respeito. É preciso educar os garotos noutra sensibilidade, noutra gramática. É preciso um novo olhar, um novo sentir. E aqui temos de reconhecer: quantos, progressistas e conservadores, continuam vendo as mulheres, as colegas de trabalho, por exemplo, sob a exclusiva lente da sexualidade, da interação sexual, do seu próprio fruir, da sua exclusiva e redutora perspectiva? Estamos sabendo enxergar de verdade o outro? Estamos ensinando nossas crianças e jovens a verem no outro uma pessoa igual em dignidade, em direitos, em aspirações e em desejos? Nesse reconstruir nossa sensibilidade e nossa afetividade, o silêncio interior tem enorme relevância.

Sem o silêncio, perdemos a capacidade de olhar para nós mesmos e, consequentemente, de entendermos e sermos quem nós somos. Estamos deixando escapar nossa identidade. Não há integridade na artificialidade, na cópia, na reprodução de padrões. Mesmo que esses padrões sejam aplaudidos por marcas e personalidades. Cada pessoa é única.

Parece fácil e intuitivo, mas olhar para nós mesmos não é automático. Sabemos olhar honestamente nossa história de vida, sem iludir-nos com comparações, sem recorrer a muletas, sem transigir com desculpas? A trajetória personalíssima de cada um – que não é busca por singularizar-se, por aparecer, por chamar a atenção; de partida, já somos singulares, somos seres pessoais – é acessível somente ao olhar pausado e refletido proporcionado pelo silêncio.

A leitura e o silêncio estão fortemente conectados. Não por acaso, estamos lendo menos. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2024, 53% dos brasileiros não leram sequer parte de uma obra no trimestre anterior à pesquisa. Na série histórica, foi a primeira vez em que o grupo dos que não leem foi maior do que o dos que leem. É difícil ler com tanto barulho, com tantas notificações, com tanta fuga à própria interioridade.

Leitura e silêncio nos remetem à imaginação, à capacidade imaginativa. Talvez por isso educar para o silêncio seja tão decisivo. É ele que abre as portas para as respostas livres – não automáticas, criativas, pessoais – de que tanto precisamos, individual e coletivamente. É ele que possibilita ampliarmos nossa compreensão do que está ao nosso redor e, principalmente, das pessoas ao nosso redor, começando por nós mesmos.

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