Advogado e Jornalista

Opinião|Obrigado, Fernando Henrique


As duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares o seu lugar na vida institucional do País

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Com razão, muito se fala da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da democracia diante da recente intentona golpista. Sem a vigilância da Corte constitucional, não se sabe ao certo qual seria hoje o estado do nosso regime democrático. Mas outro fator, do qual se pouco fala, também foi decisivo para a preservação do Estado Democrático de Direito: a criação, em 1999, do Ministério da Defesa. E isso foi obra do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Antes, havia três ministérios militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica –, o que conferia às Forças Armadas um peso político-institucional muito maior. Tanto é assim que, desde a Constituição de 1946, já se tentava reunir Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo ministério e não havia sido possível. A resistência era enorme.

No entanto, ciente de que a efetiva implantação da democracia demandava uma nova relação de forças entre o poder civil e o poder militar, Fernando Henrique fez questão de promover, de forma articulada, a criação do Ministério da Defesa. Com a medida, as três pastas foram transformadas em comandos do Ministério da Defesa. Não foi fácil. Não foi simples. Não foi de um dia para o outro. Mas foi feito.

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No início do primeiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique nomeou um civil, Élcio Álvares, que havia sido senador pelo Espírito Santo, como ministro extraordinário da Defesa. A missão do novo ministro era peculiar: criar e implantar sua própria pasta. Em junho daquele ano, o Congresso aprovou a Lei Complementar 97/1999, que criou o Ministério da Defesa. E, em setembro, a Emenda Constitucional 23/1999, que adaptou o texto constitucional à nova organização ministerial.

A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, representou a manifestação prática e efetiva de um dos fundamentos da Constituição de 1988: os militares estão subordinados ao poder político. A unificação das pastas foi resultado do esforço para subordinar jurídica e simbolicamente o estamento militar ao poder civil. Seguindo a experiência de outros países, a medida permitia que a condução política dos assuntos militares e de defesa fosse feita por um civil e integrada à administração geral do Estado.

E por que tudo isso foi decisivo para a preservação da democracia nos anos recentes? Porque as duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares, de modo muito prático, o seu lugar na vida institucional do País. Foi muito importante ter havido, ao longo desses anos, diferentes ministros civis à frente do Ministério da Defesa, proporcionando um enorme aprendizado para todos.

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Talvez alguém possa argumentar: ora, toda essa cultura cívico-democrática foi desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que continuamente tentou inverter a relação de forças entre o poder civil e o poder militar. Dessa forma, não teria servido muito dispor de um Ministério da Defesa, que, aliás, durante o mandato de Bolsonaro, foi sempre ocupado por um militar.

Vejo de modo diferente. Entendo que o estrago causado por Jair Bolsonaro teria sido muito maior se ainda houvesse três ministérios militares. E se não tivesse havido o aprendizado de duas décadas com civis à frente do Ministério da Defesa. Haveria outra dinâmica entre o poder civil e o poder militar.

Quando se noticiou a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro, imediatamente pensei: obrigado, muito obrigado, presidente Fernando Henrique. A criação do Ministério da Defesa em 1999 não foi em vão. Não foi um desperdício de energias. Fez um bem enorme aos militares, sendo um marco fundamental da reafirmação do caráter civil do poder político.

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No processo de implementação da pasta da Defesa, o presidente Fernando Henrique dizia que o novo ministério seria o símbolo da democratização. De fato, o foi. E, por contraste, a tentativa de sua perversão no governo passado foi o símbolo do autoritarismo.

A história do Ministério da Defesa exemplifica, a um só tempo, a força e a fragilidade das instituições. Elas são fundamentais, mas não bastam por si sós. É necessário cultivar sempre seu sentido funcional e democrático.

Fica também evidente como é importante para o País identificar as reformas fundamentais, e não perder a oportunidade de realizá-las. Temas que não parecem urgentes em determinada época – os ministros militares de Fernando Henrique eram fiéis cumpridores da Constituição e não ofereciam nenhum motivo pessoal para a criação do Ministério da Defesa – podem ser decisivos em outras circunstâncias.

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O exercício do poder demanda compreensão do que é importante, e não apenas tendo como horizonte temporal o curto prazo – que deve ser cuidado também, como mostra a recente atuação do STF. O legado de Fernando Henrique não é apenas o Plano Real, mas uma visão apurada dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos meios de assegurá-los. Nunca foi tão presente. Nunca foi tão necessário.

*

ADVOGADO

Com razão, muito se fala da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da democracia diante da recente intentona golpista. Sem a vigilância da Corte constitucional, não se sabe ao certo qual seria hoje o estado do nosso regime democrático. Mas outro fator, do qual se pouco fala, também foi decisivo para a preservação do Estado Democrático de Direito: a criação, em 1999, do Ministério da Defesa. E isso foi obra do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Antes, havia três ministérios militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica –, o que conferia às Forças Armadas um peso político-institucional muito maior. Tanto é assim que, desde a Constituição de 1946, já se tentava reunir Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo ministério e não havia sido possível. A resistência era enorme.

No entanto, ciente de que a efetiva implantação da democracia demandava uma nova relação de forças entre o poder civil e o poder militar, Fernando Henrique fez questão de promover, de forma articulada, a criação do Ministério da Defesa. Com a medida, as três pastas foram transformadas em comandos do Ministério da Defesa. Não foi fácil. Não foi simples. Não foi de um dia para o outro. Mas foi feito.

No início do primeiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique nomeou um civil, Élcio Álvares, que havia sido senador pelo Espírito Santo, como ministro extraordinário da Defesa. A missão do novo ministro era peculiar: criar e implantar sua própria pasta. Em junho daquele ano, o Congresso aprovou a Lei Complementar 97/1999, que criou o Ministério da Defesa. E, em setembro, a Emenda Constitucional 23/1999, que adaptou o texto constitucional à nova organização ministerial.

A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, representou a manifestação prática e efetiva de um dos fundamentos da Constituição de 1988: os militares estão subordinados ao poder político. A unificação das pastas foi resultado do esforço para subordinar jurídica e simbolicamente o estamento militar ao poder civil. Seguindo a experiência de outros países, a medida permitia que a condução política dos assuntos militares e de defesa fosse feita por um civil e integrada à administração geral do Estado.

E por que tudo isso foi decisivo para a preservação da democracia nos anos recentes? Porque as duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares, de modo muito prático, o seu lugar na vida institucional do País. Foi muito importante ter havido, ao longo desses anos, diferentes ministros civis à frente do Ministério da Defesa, proporcionando um enorme aprendizado para todos.

Talvez alguém possa argumentar: ora, toda essa cultura cívico-democrática foi desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que continuamente tentou inverter a relação de forças entre o poder civil e o poder militar. Dessa forma, não teria servido muito dispor de um Ministério da Defesa, que, aliás, durante o mandato de Bolsonaro, foi sempre ocupado por um militar.

Vejo de modo diferente. Entendo que o estrago causado por Jair Bolsonaro teria sido muito maior se ainda houvesse três ministérios militares. E se não tivesse havido o aprendizado de duas décadas com civis à frente do Ministério da Defesa. Haveria outra dinâmica entre o poder civil e o poder militar.

Quando se noticiou a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro, imediatamente pensei: obrigado, muito obrigado, presidente Fernando Henrique. A criação do Ministério da Defesa em 1999 não foi em vão. Não foi um desperdício de energias. Fez um bem enorme aos militares, sendo um marco fundamental da reafirmação do caráter civil do poder político.

No processo de implementação da pasta da Defesa, o presidente Fernando Henrique dizia que o novo ministério seria o símbolo da democratização. De fato, o foi. E, por contraste, a tentativa de sua perversão no governo passado foi o símbolo do autoritarismo.

A história do Ministério da Defesa exemplifica, a um só tempo, a força e a fragilidade das instituições. Elas são fundamentais, mas não bastam por si sós. É necessário cultivar sempre seu sentido funcional e democrático.

Fica também evidente como é importante para o País identificar as reformas fundamentais, e não perder a oportunidade de realizá-las. Temas que não parecem urgentes em determinada época – os ministros militares de Fernando Henrique eram fiéis cumpridores da Constituição e não ofereciam nenhum motivo pessoal para a criação do Ministério da Defesa – podem ser decisivos em outras circunstâncias.

O exercício do poder demanda compreensão do que é importante, e não apenas tendo como horizonte temporal o curto prazo – que deve ser cuidado também, como mostra a recente atuação do STF. O legado de Fernando Henrique não é apenas o Plano Real, mas uma visão apurada dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos meios de assegurá-los. Nunca foi tão presente. Nunca foi tão necessário.

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Com razão, muito se fala da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da democracia diante da recente intentona golpista. Sem a vigilância da Corte constitucional, não se sabe ao certo qual seria hoje o estado do nosso regime democrático. Mas outro fator, do qual se pouco fala, também foi decisivo para a preservação do Estado Democrático de Direito: a criação, em 1999, do Ministério da Defesa. E isso foi obra do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Antes, havia três ministérios militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica –, o que conferia às Forças Armadas um peso político-institucional muito maior. Tanto é assim que, desde a Constituição de 1946, já se tentava reunir Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo ministério e não havia sido possível. A resistência era enorme.

No entanto, ciente de que a efetiva implantação da democracia demandava uma nova relação de forças entre o poder civil e o poder militar, Fernando Henrique fez questão de promover, de forma articulada, a criação do Ministério da Defesa. Com a medida, as três pastas foram transformadas em comandos do Ministério da Defesa. Não foi fácil. Não foi simples. Não foi de um dia para o outro. Mas foi feito.

No início do primeiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique nomeou um civil, Élcio Álvares, que havia sido senador pelo Espírito Santo, como ministro extraordinário da Defesa. A missão do novo ministro era peculiar: criar e implantar sua própria pasta. Em junho daquele ano, o Congresso aprovou a Lei Complementar 97/1999, que criou o Ministério da Defesa. E, em setembro, a Emenda Constitucional 23/1999, que adaptou o texto constitucional à nova organização ministerial.

A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, representou a manifestação prática e efetiva de um dos fundamentos da Constituição de 1988: os militares estão subordinados ao poder político. A unificação das pastas foi resultado do esforço para subordinar jurídica e simbolicamente o estamento militar ao poder civil. Seguindo a experiência de outros países, a medida permitia que a condução política dos assuntos militares e de defesa fosse feita por um civil e integrada à administração geral do Estado.

E por que tudo isso foi decisivo para a preservação da democracia nos anos recentes? Porque as duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares, de modo muito prático, o seu lugar na vida institucional do País. Foi muito importante ter havido, ao longo desses anos, diferentes ministros civis à frente do Ministério da Defesa, proporcionando um enorme aprendizado para todos.

Talvez alguém possa argumentar: ora, toda essa cultura cívico-democrática foi desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que continuamente tentou inverter a relação de forças entre o poder civil e o poder militar. Dessa forma, não teria servido muito dispor de um Ministério da Defesa, que, aliás, durante o mandato de Bolsonaro, foi sempre ocupado por um militar.

Vejo de modo diferente. Entendo que o estrago causado por Jair Bolsonaro teria sido muito maior se ainda houvesse três ministérios militares. E se não tivesse havido o aprendizado de duas décadas com civis à frente do Ministério da Defesa. Haveria outra dinâmica entre o poder civil e o poder militar.

Quando se noticiou a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro, imediatamente pensei: obrigado, muito obrigado, presidente Fernando Henrique. A criação do Ministério da Defesa em 1999 não foi em vão. Não foi um desperdício de energias. Fez um bem enorme aos militares, sendo um marco fundamental da reafirmação do caráter civil do poder político.

No processo de implementação da pasta da Defesa, o presidente Fernando Henrique dizia que o novo ministério seria o símbolo da democratização. De fato, o foi. E, por contraste, a tentativa de sua perversão no governo passado foi o símbolo do autoritarismo.

A história do Ministério da Defesa exemplifica, a um só tempo, a força e a fragilidade das instituições. Elas são fundamentais, mas não bastam por si sós. É necessário cultivar sempre seu sentido funcional e democrático.

Fica também evidente como é importante para o País identificar as reformas fundamentais, e não perder a oportunidade de realizá-las. Temas que não parecem urgentes em determinada época – os ministros militares de Fernando Henrique eram fiéis cumpridores da Constituição e não ofereciam nenhum motivo pessoal para a criação do Ministério da Defesa – podem ser decisivos em outras circunstâncias.

O exercício do poder demanda compreensão do que é importante, e não apenas tendo como horizonte temporal o curto prazo – que deve ser cuidado também, como mostra a recente atuação do STF. O legado de Fernando Henrique não é apenas o Plano Real, mas uma visão apurada dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos meios de assegurá-los. Nunca foi tão presente. Nunca foi tão necessário.

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ADVOGADO

Com razão, muito se fala da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da democracia diante da recente intentona golpista. Sem a vigilância da Corte constitucional, não se sabe ao certo qual seria hoje o estado do nosso regime democrático. Mas outro fator, do qual se pouco fala, também foi decisivo para a preservação do Estado Democrático de Direito: a criação, em 1999, do Ministério da Defesa. E isso foi obra do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Antes, havia três ministérios militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica –, o que conferia às Forças Armadas um peso político-institucional muito maior. Tanto é assim que, desde a Constituição de 1946, já se tentava reunir Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo ministério e não havia sido possível. A resistência era enorme.

No entanto, ciente de que a efetiva implantação da democracia demandava uma nova relação de forças entre o poder civil e o poder militar, Fernando Henrique fez questão de promover, de forma articulada, a criação do Ministério da Defesa. Com a medida, as três pastas foram transformadas em comandos do Ministério da Defesa. Não foi fácil. Não foi simples. Não foi de um dia para o outro. Mas foi feito.

No início do primeiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique nomeou um civil, Élcio Álvares, que havia sido senador pelo Espírito Santo, como ministro extraordinário da Defesa. A missão do novo ministro era peculiar: criar e implantar sua própria pasta. Em junho daquele ano, o Congresso aprovou a Lei Complementar 97/1999, que criou o Ministério da Defesa. E, em setembro, a Emenda Constitucional 23/1999, que adaptou o texto constitucional à nova organização ministerial.

A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, representou a manifestação prática e efetiva de um dos fundamentos da Constituição de 1988: os militares estão subordinados ao poder político. A unificação das pastas foi resultado do esforço para subordinar jurídica e simbolicamente o estamento militar ao poder civil. Seguindo a experiência de outros países, a medida permitia que a condução política dos assuntos militares e de defesa fosse feita por um civil e integrada à administração geral do Estado.

E por que tudo isso foi decisivo para a preservação da democracia nos anos recentes? Porque as duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares, de modo muito prático, o seu lugar na vida institucional do País. Foi muito importante ter havido, ao longo desses anos, diferentes ministros civis à frente do Ministério da Defesa, proporcionando um enorme aprendizado para todos.

Talvez alguém possa argumentar: ora, toda essa cultura cívico-democrática foi desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que continuamente tentou inverter a relação de forças entre o poder civil e o poder militar. Dessa forma, não teria servido muito dispor de um Ministério da Defesa, que, aliás, durante o mandato de Bolsonaro, foi sempre ocupado por um militar.

Vejo de modo diferente. Entendo que o estrago causado por Jair Bolsonaro teria sido muito maior se ainda houvesse três ministérios militares. E se não tivesse havido o aprendizado de duas décadas com civis à frente do Ministério da Defesa. Haveria outra dinâmica entre o poder civil e o poder militar.

Quando se noticiou a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro, imediatamente pensei: obrigado, muito obrigado, presidente Fernando Henrique. A criação do Ministério da Defesa em 1999 não foi em vão. Não foi um desperdício de energias. Fez um bem enorme aos militares, sendo um marco fundamental da reafirmação do caráter civil do poder político.

No processo de implementação da pasta da Defesa, o presidente Fernando Henrique dizia que o novo ministério seria o símbolo da democratização. De fato, o foi. E, por contraste, a tentativa de sua perversão no governo passado foi o símbolo do autoritarismo.

A história do Ministério da Defesa exemplifica, a um só tempo, a força e a fragilidade das instituições. Elas são fundamentais, mas não bastam por si sós. É necessário cultivar sempre seu sentido funcional e democrático.

Fica também evidente como é importante para o País identificar as reformas fundamentais, e não perder a oportunidade de realizá-las. Temas que não parecem urgentes em determinada época – os ministros militares de Fernando Henrique eram fiéis cumpridores da Constituição e não ofereciam nenhum motivo pessoal para a criação do Ministério da Defesa – podem ser decisivos em outras circunstâncias.

O exercício do poder demanda compreensão do que é importante, e não apenas tendo como horizonte temporal o curto prazo – que deve ser cuidado também, como mostra a recente atuação do STF. O legado de Fernando Henrique não é apenas o Plano Real, mas uma visão apurada dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos meios de assegurá-los. Nunca foi tão presente. Nunca foi tão necessário.

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ADVOGADO

Com razão, muito se fala da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da democracia diante da recente intentona golpista. Sem a vigilância da Corte constitucional, não se sabe ao certo qual seria hoje o estado do nosso regime democrático. Mas outro fator, do qual se pouco fala, também foi decisivo para a preservação do Estado Democrático de Direito: a criação, em 1999, do Ministério da Defesa. E isso foi obra do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Antes, havia três ministérios militares – do Exército, da Marinha e da Aeronáutica –, o que conferia às Forças Armadas um peso político-institucional muito maior. Tanto é assim que, desde a Constituição de 1946, já se tentava reunir Exército, Marinha e Aeronáutica sob um mesmo ministério e não havia sido possível. A resistência era enorme.

No entanto, ciente de que a efetiva implantação da democracia demandava uma nova relação de forças entre o poder civil e o poder militar, Fernando Henrique fez questão de promover, de forma articulada, a criação do Ministério da Defesa. Com a medida, as três pastas foram transformadas em comandos do Ministério da Defesa. Não foi fácil. Não foi simples. Não foi de um dia para o outro. Mas foi feito.

No início do primeiro ano de seu segundo mandato, Fernando Henrique nomeou um civil, Élcio Álvares, que havia sido senador pelo Espírito Santo, como ministro extraordinário da Defesa. A missão do novo ministro era peculiar: criar e implantar sua própria pasta. Em junho daquele ano, o Congresso aprovou a Lei Complementar 97/1999, que criou o Ministério da Defesa. E, em setembro, a Emenda Constitucional 23/1999, que adaptou o texto constitucional à nova organização ministerial.

A criação do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, representou a manifestação prática e efetiva de um dos fundamentos da Constituição de 1988: os militares estão subordinados ao poder político. A unificação das pastas foi resultado do esforço para subordinar jurídica e simbolicamente o estamento militar ao poder civil. Seguindo a experiência de outros países, a medida permitia que a condução política dos assuntos militares e de defesa fosse feita por um civil e integrada à administração geral do Estado.

E por que tudo isso foi decisivo para a preservação da democracia nos anos recentes? Porque as duas décadas de existência do Ministério da Defesa reafirmaram aos militares, de modo muito prático, o seu lugar na vida institucional do País. Foi muito importante ter havido, ao longo desses anos, diferentes ministros civis à frente do Ministério da Defesa, proporcionando um enorme aprendizado para todos.

Talvez alguém possa argumentar: ora, toda essa cultura cívico-democrática foi desprezada pelo presidente Jair Bolsonaro, que continuamente tentou inverter a relação de forças entre o poder civil e o poder militar. Dessa forma, não teria servido muito dispor de um Ministério da Defesa, que, aliás, durante o mandato de Bolsonaro, foi sempre ocupado por um militar.

Vejo de modo diferente. Entendo que o estrago causado por Jair Bolsonaro teria sido muito maior se ainda houvesse três ministérios militares. E se não tivesse havido o aprendizado de duas décadas com civis à frente do Ministério da Defesa. Haveria outra dinâmica entre o poder civil e o poder militar.

Quando se noticiou a resistência dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Júnior, às pretensões golpistas de Jair Bolsonaro, imediatamente pensei: obrigado, muito obrigado, presidente Fernando Henrique. A criação do Ministério da Defesa em 1999 não foi em vão. Não foi um desperdício de energias. Fez um bem enorme aos militares, sendo um marco fundamental da reafirmação do caráter civil do poder político.

No processo de implementação da pasta da Defesa, o presidente Fernando Henrique dizia que o novo ministério seria o símbolo da democratização. De fato, o foi. E, por contraste, a tentativa de sua perversão no governo passado foi o símbolo do autoritarismo.

A história do Ministério da Defesa exemplifica, a um só tempo, a força e a fragilidade das instituições. Elas são fundamentais, mas não bastam por si sós. É necessário cultivar sempre seu sentido funcional e democrático.

Fica também evidente como é importante para o País identificar as reformas fundamentais, e não perder a oportunidade de realizá-las. Temas que não parecem urgentes em determinada época – os ministros militares de Fernando Henrique eram fiéis cumpridores da Constituição e não ofereciam nenhum motivo pessoal para a criação do Ministério da Defesa – podem ser decisivos em outras circunstâncias.

O exercício do poder demanda compreensão do que é importante, e não apenas tendo como horizonte temporal o curto prazo – que deve ser cuidado também, como mostra a recente atuação do STF. O legado de Fernando Henrique não é apenas o Plano Real, mas uma visão apurada dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos meios de assegurá-los. Nunca foi tão presente. Nunca foi tão necessário.

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