Advogado e Jornalista

Opinião|Por uma cultura de paz


Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Uma das coisas mais bonitas de ver é a atuação pacífica de mães e de pais com seus filhos, educando-os no diálogo, na alteridade, no cuidado e no respeito aos outros. Nosso dia se ilumina ao ver um adulto se portando como adulto, sendo capaz de transmitir à geração mais nova o melhor que tem em si.

Uma das coisas mais constrangedoras de ver é a atuação descontrolada de mães e de pais com seus filhos, falando em tom agressivo, agindo com brusquidão, tentando impor seu poder pela força, com palavras ou atos físicos. Entristece-nos contemplar o ciclo de agressividade se reproduzindo, com consequências que vão muito além do que os nossos olhos podem ver naquele momento.

Essas duas situações me vêm ao pensar no cenário de agressividade que tem dominado a vida pública nacional. O ciclo de violência que permeia e estrutura nossa sociedade não é um dado da natureza. É uma realidade histórica renovada diariamente. Há um passado a influenciar, mas há também uma escolha feita no tempo presente: pais violentos, professores violentos, estudantes violentos, cidadãos violentos, policiais violentos, candidatos violentos, eleitores violentos, maridos violentos, motoristas violentos. Como nossa sensibilidade reage a essas situações?

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O problema não é só aqui. Conheci recentemente um casal de professores universitários americanos que se mudaram para Glasgow, na Escócia, depois que o Estado do Arkansas aprovou uma lei permitindo que estudantes portassem armas ocultas no câmpus. Não se sentiam seguros de dar aulas sob as novas condições. O incrível é que parcela da sociedade brasileira olha para os Estados Unidos e deseja emular a mesma loucura armamentista. É uma escolha.

Mas não precisamos ir longe para ver exemplos extremos. Seja qual for o resultado das eleições municipais na cidade de São Paulo, a campanha eleitoral deste ano deve ser motivo de um amplo exame de consciência enquanto sociedade, para repensarmos nossos valores, nossas palavras, nossas percepções. Não exagero. Há quem veja o circo de horrores paulistano e diga que se trata de uma revolta legítima contra a “política tradicional”. É sempre uma escolha.

A violência nunca constitui uma resposta justa. “A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos”, lembrou João Paulo II em um discurso em Drogheda, na Irlanda, há exatos 45 anos. Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante.

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A cultura da violência é o oposto da cultura democrática, que é respeito, diálogo, negociação, cooperação. Talvez aqui esteja uma das razões para o que vivemos nos últimos anos no Brasil. Não foi apenas que pessoas em posições de liderança pública não se portaram, por ação ou omissão, como a lei determina. Havia um respaldo social da agressividade, da brutalidade, da resolução conflituosa dos problemas. Isso tem relação direta com a ideia, difundida em alguns setores, de que as Forças Armadas deveriam ter um papel na resolução das questões políticas nacionais.

É evidente, diante desse quadro, a necessidade de promover uma cultura de paz, uma cultura verdadeiramente democrática. Não é tarefa fácil, nem simples. Mas talvez o primeiro passo seja reconhecer o problema. Não somos um país pacífico. A sociedade brasileira tem historicamente tolerado – e continua tolerando – altos índices de violência. E, pior, quando nos indignamos com a violência das nossas cidades, a resposta tem sido uma só: mais violência. Almejam-se o aumento da pena e o endurecimento das condições de cumprimento da pena. Ou seja, ainda preferimos lidar com uma questão difícil e complexa por meio de uma resposta fácil e simplista.

Reconhecer o problema é também reconhecer a sua complexidade. A questão da violência é intrínseca à humanidade. A condição humana envolve violência. Talvez todos os pais e todas as mães – na verdade, todos os adultos lidando com crianças: sejam avós, tios, primos – tenham sido protagonistas das duas situações descritas no início deste texto. Mas isso não pode ser desculpa para mais brutalidade. Há lugares em que é muito raro ver pais maltratando filhos e há lugares em que é muito comum.

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Se queremos uma sociedade mais pacífica, em vez de pedir penas mais altas – como se todos os problemas fossem causados pelos outros –, temos de entender as causas da cultura de violência e da cultura de paz. Há exemplos interessantes. Considerada nos anos 1970 e 1980 como uma cidade difícil e violenta, Glasgow conseguiu transformar sua realidade social por meio de políticas públicas de apoio à educação e à arte e de fortalecimento dos laços comunitários.

A paz, assim como a democracia, não vem por decreto. É uma construção diária, que começa em casa, mas passa também, entre outros âmbitos, pelas eleições e por políticas públicas efetivas. Que nossa indignação com a criminalidade e a insegurança não desemboque em descontrole irracional, mas desperte uma resposta adulta – articulada e responsável – para o problema.

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Uma das coisas mais bonitas de ver é a atuação pacífica de mães e de pais com seus filhos, educando-os no diálogo, na alteridade, no cuidado e no respeito aos outros. Nosso dia se ilumina ao ver um adulto se portando como adulto, sendo capaz de transmitir à geração mais nova o melhor que tem em si.

Uma das coisas mais constrangedoras de ver é a atuação descontrolada de mães e de pais com seus filhos, falando em tom agressivo, agindo com brusquidão, tentando impor seu poder pela força, com palavras ou atos físicos. Entristece-nos contemplar o ciclo de agressividade se reproduzindo, com consequências que vão muito além do que os nossos olhos podem ver naquele momento.

Essas duas situações me vêm ao pensar no cenário de agressividade que tem dominado a vida pública nacional. O ciclo de violência que permeia e estrutura nossa sociedade não é um dado da natureza. É uma realidade histórica renovada diariamente. Há um passado a influenciar, mas há também uma escolha feita no tempo presente: pais violentos, professores violentos, estudantes violentos, cidadãos violentos, policiais violentos, candidatos violentos, eleitores violentos, maridos violentos, motoristas violentos. Como nossa sensibilidade reage a essas situações?

O problema não é só aqui. Conheci recentemente um casal de professores universitários americanos que se mudaram para Glasgow, na Escócia, depois que o Estado do Arkansas aprovou uma lei permitindo que estudantes portassem armas ocultas no câmpus. Não se sentiam seguros de dar aulas sob as novas condições. O incrível é que parcela da sociedade brasileira olha para os Estados Unidos e deseja emular a mesma loucura armamentista. É uma escolha.

Mas não precisamos ir longe para ver exemplos extremos. Seja qual for o resultado das eleições municipais na cidade de São Paulo, a campanha eleitoral deste ano deve ser motivo de um amplo exame de consciência enquanto sociedade, para repensarmos nossos valores, nossas palavras, nossas percepções. Não exagero. Há quem veja o circo de horrores paulistano e diga que se trata de uma revolta legítima contra a “política tradicional”. É sempre uma escolha.

A violência nunca constitui uma resposta justa. “A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos”, lembrou João Paulo II em um discurso em Drogheda, na Irlanda, há exatos 45 anos. Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante.

A cultura da violência é o oposto da cultura democrática, que é respeito, diálogo, negociação, cooperação. Talvez aqui esteja uma das razões para o que vivemos nos últimos anos no Brasil. Não foi apenas que pessoas em posições de liderança pública não se portaram, por ação ou omissão, como a lei determina. Havia um respaldo social da agressividade, da brutalidade, da resolução conflituosa dos problemas. Isso tem relação direta com a ideia, difundida em alguns setores, de que as Forças Armadas deveriam ter um papel na resolução das questões políticas nacionais.

É evidente, diante desse quadro, a necessidade de promover uma cultura de paz, uma cultura verdadeiramente democrática. Não é tarefa fácil, nem simples. Mas talvez o primeiro passo seja reconhecer o problema. Não somos um país pacífico. A sociedade brasileira tem historicamente tolerado – e continua tolerando – altos índices de violência. E, pior, quando nos indignamos com a violência das nossas cidades, a resposta tem sido uma só: mais violência. Almejam-se o aumento da pena e o endurecimento das condições de cumprimento da pena. Ou seja, ainda preferimos lidar com uma questão difícil e complexa por meio de uma resposta fácil e simplista.

Reconhecer o problema é também reconhecer a sua complexidade. A questão da violência é intrínseca à humanidade. A condição humana envolve violência. Talvez todos os pais e todas as mães – na verdade, todos os adultos lidando com crianças: sejam avós, tios, primos – tenham sido protagonistas das duas situações descritas no início deste texto. Mas isso não pode ser desculpa para mais brutalidade. Há lugares em que é muito raro ver pais maltratando filhos e há lugares em que é muito comum.

Se queremos uma sociedade mais pacífica, em vez de pedir penas mais altas – como se todos os problemas fossem causados pelos outros –, temos de entender as causas da cultura de violência e da cultura de paz. Há exemplos interessantes. Considerada nos anos 1970 e 1980 como uma cidade difícil e violenta, Glasgow conseguiu transformar sua realidade social por meio de políticas públicas de apoio à educação e à arte e de fortalecimento dos laços comunitários.

A paz, assim como a democracia, não vem por decreto. É uma construção diária, que começa em casa, mas passa também, entre outros âmbitos, pelas eleições e por políticas públicas efetivas. Que nossa indignação com a criminalidade e a insegurança não desemboque em descontrole irracional, mas desperte uma resposta adulta – articulada e responsável – para o problema.

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Uma das coisas mais bonitas de ver é a atuação pacífica de mães e de pais com seus filhos, educando-os no diálogo, na alteridade, no cuidado e no respeito aos outros. Nosso dia se ilumina ao ver um adulto se portando como adulto, sendo capaz de transmitir à geração mais nova o melhor que tem em si.

Uma das coisas mais constrangedoras de ver é a atuação descontrolada de mães e de pais com seus filhos, falando em tom agressivo, agindo com brusquidão, tentando impor seu poder pela força, com palavras ou atos físicos. Entristece-nos contemplar o ciclo de agressividade se reproduzindo, com consequências que vão muito além do que os nossos olhos podem ver naquele momento.

Essas duas situações me vêm ao pensar no cenário de agressividade que tem dominado a vida pública nacional. O ciclo de violência que permeia e estrutura nossa sociedade não é um dado da natureza. É uma realidade histórica renovada diariamente. Há um passado a influenciar, mas há também uma escolha feita no tempo presente: pais violentos, professores violentos, estudantes violentos, cidadãos violentos, policiais violentos, candidatos violentos, eleitores violentos, maridos violentos, motoristas violentos. Como nossa sensibilidade reage a essas situações?

O problema não é só aqui. Conheci recentemente um casal de professores universitários americanos que se mudaram para Glasgow, na Escócia, depois que o Estado do Arkansas aprovou uma lei permitindo que estudantes portassem armas ocultas no câmpus. Não se sentiam seguros de dar aulas sob as novas condições. O incrível é que parcela da sociedade brasileira olha para os Estados Unidos e deseja emular a mesma loucura armamentista. É uma escolha.

Mas não precisamos ir longe para ver exemplos extremos. Seja qual for o resultado das eleições municipais na cidade de São Paulo, a campanha eleitoral deste ano deve ser motivo de um amplo exame de consciência enquanto sociedade, para repensarmos nossos valores, nossas palavras, nossas percepções. Não exagero. Há quem veja o circo de horrores paulistano e diga que se trata de uma revolta legítima contra a “política tradicional”. É sempre uma escolha.

A violência nunca constitui uma resposta justa. “A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos”, lembrou João Paulo II em um discurso em Drogheda, na Irlanda, há exatos 45 anos. Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante.

A cultura da violência é o oposto da cultura democrática, que é respeito, diálogo, negociação, cooperação. Talvez aqui esteja uma das razões para o que vivemos nos últimos anos no Brasil. Não foi apenas que pessoas em posições de liderança pública não se portaram, por ação ou omissão, como a lei determina. Havia um respaldo social da agressividade, da brutalidade, da resolução conflituosa dos problemas. Isso tem relação direta com a ideia, difundida em alguns setores, de que as Forças Armadas deveriam ter um papel na resolução das questões políticas nacionais.

É evidente, diante desse quadro, a necessidade de promover uma cultura de paz, uma cultura verdadeiramente democrática. Não é tarefa fácil, nem simples. Mas talvez o primeiro passo seja reconhecer o problema. Não somos um país pacífico. A sociedade brasileira tem historicamente tolerado – e continua tolerando – altos índices de violência. E, pior, quando nos indignamos com a violência das nossas cidades, a resposta tem sido uma só: mais violência. Almejam-se o aumento da pena e o endurecimento das condições de cumprimento da pena. Ou seja, ainda preferimos lidar com uma questão difícil e complexa por meio de uma resposta fácil e simplista.

Reconhecer o problema é também reconhecer a sua complexidade. A questão da violência é intrínseca à humanidade. A condição humana envolve violência. Talvez todos os pais e todas as mães – na verdade, todos os adultos lidando com crianças: sejam avós, tios, primos – tenham sido protagonistas das duas situações descritas no início deste texto. Mas isso não pode ser desculpa para mais brutalidade. Há lugares em que é muito raro ver pais maltratando filhos e há lugares em que é muito comum.

Se queremos uma sociedade mais pacífica, em vez de pedir penas mais altas – como se todos os problemas fossem causados pelos outros –, temos de entender as causas da cultura de violência e da cultura de paz. Há exemplos interessantes. Considerada nos anos 1970 e 1980 como uma cidade difícil e violenta, Glasgow conseguiu transformar sua realidade social por meio de políticas públicas de apoio à educação e à arte e de fortalecimento dos laços comunitários.

A paz, assim como a democracia, não vem por decreto. É uma construção diária, que começa em casa, mas passa também, entre outros âmbitos, pelas eleições e por políticas públicas efetivas. Que nossa indignação com a criminalidade e a insegurança não desemboque em descontrole irracional, mas desperte uma resposta adulta – articulada e responsável – para o problema.

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Uma das coisas mais bonitas de ver é a atuação pacífica de mães e de pais com seus filhos, educando-os no diálogo, na alteridade, no cuidado e no respeito aos outros. Nosso dia se ilumina ao ver um adulto se portando como adulto, sendo capaz de transmitir à geração mais nova o melhor que tem em si.

Uma das coisas mais constrangedoras de ver é a atuação descontrolada de mães e de pais com seus filhos, falando em tom agressivo, agindo com brusquidão, tentando impor seu poder pela força, com palavras ou atos físicos. Entristece-nos contemplar o ciclo de agressividade se reproduzindo, com consequências que vão muito além do que os nossos olhos podem ver naquele momento.

Essas duas situações me vêm ao pensar no cenário de agressividade que tem dominado a vida pública nacional. O ciclo de violência que permeia e estrutura nossa sociedade não é um dado da natureza. É uma realidade histórica renovada diariamente. Há um passado a influenciar, mas há também uma escolha feita no tempo presente: pais violentos, professores violentos, estudantes violentos, cidadãos violentos, policiais violentos, candidatos violentos, eleitores violentos, maridos violentos, motoristas violentos. Como nossa sensibilidade reage a essas situações?

O problema não é só aqui. Conheci recentemente um casal de professores universitários americanos que se mudaram para Glasgow, na Escócia, depois que o Estado do Arkansas aprovou uma lei permitindo que estudantes portassem armas ocultas no câmpus. Não se sentiam seguros de dar aulas sob as novas condições. O incrível é que parcela da sociedade brasileira olha para os Estados Unidos e deseja emular a mesma loucura armamentista. É uma escolha.

Mas não precisamos ir longe para ver exemplos extremos. Seja qual for o resultado das eleições municipais na cidade de São Paulo, a campanha eleitoral deste ano deve ser motivo de um amplo exame de consciência enquanto sociedade, para repensarmos nossos valores, nossas palavras, nossas percepções. Não exagero. Há quem veja o circo de horrores paulistano e diga que se trata de uma revolta legítima contra a “política tradicional”. É sempre uma escolha.

A violência nunca constitui uma resposta justa. “A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos”, lembrou João Paulo II em um discurso em Drogheda, na Irlanda, há exatos 45 anos. Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante.

A cultura da violência é o oposto da cultura democrática, que é respeito, diálogo, negociação, cooperação. Talvez aqui esteja uma das razões para o que vivemos nos últimos anos no Brasil. Não foi apenas que pessoas em posições de liderança pública não se portaram, por ação ou omissão, como a lei determina. Havia um respaldo social da agressividade, da brutalidade, da resolução conflituosa dos problemas. Isso tem relação direta com a ideia, difundida em alguns setores, de que as Forças Armadas deveriam ter um papel na resolução das questões políticas nacionais.

É evidente, diante desse quadro, a necessidade de promover uma cultura de paz, uma cultura verdadeiramente democrática. Não é tarefa fácil, nem simples. Mas talvez o primeiro passo seja reconhecer o problema. Não somos um país pacífico. A sociedade brasileira tem historicamente tolerado – e continua tolerando – altos índices de violência. E, pior, quando nos indignamos com a violência das nossas cidades, a resposta tem sido uma só: mais violência. Almejam-se o aumento da pena e o endurecimento das condições de cumprimento da pena. Ou seja, ainda preferimos lidar com uma questão difícil e complexa por meio de uma resposta fácil e simplista.

Reconhecer o problema é também reconhecer a sua complexidade. A questão da violência é intrínseca à humanidade. A condição humana envolve violência. Talvez todos os pais e todas as mães – na verdade, todos os adultos lidando com crianças: sejam avós, tios, primos – tenham sido protagonistas das duas situações descritas no início deste texto. Mas isso não pode ser desculpa para mais brutalidade. Há lugares em que é muito raro ver pais maltratando filhos e há lugares em que é muito comum.

Se queremos uma sociedade mais pacífica, em vez de pedir penas mais altas – como se todos os problemas fossem causados pelos outros –, temos de entender as causas da cultura de violência e da cultura de paz. Há exemplos interessantes. Considerada nos anos 1970 e 1980 como uma cidade difícil e violenta, Glasgow conseguiu transformar sua realidade social por meio de políticas públicas de apoio à educação e à arte e de fortalecimento dos laços comunitários.

A paz, assim como a democracia, não vem por decreto. É uma construção diária, que começa em casa, mas passa também, entre outros âmbitos, pelas eleições e por políticas públicas efetivas. Que nossa indignação com a criminalidade e a insegurança não desemboque em descontrole irracional, mas desperte uma resposta adulta – articulada e responsável – para o problema.

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ADVOGADO

Uma das coisas mais bonitas de ver é a atuação pacífica de mães e de pais com seus filhos, educando-os no diálogo, na alteridade, no cuidado e no respeito aos outros. Nosso dia se ilumina ao ver um adulto se portando como adulto, sendo capaz de transmitir à geração mais nova o melhor que tem em si.

Uma das coisas mais constrangedoras de ver é a atuação descontrolada de mães e de pais com seus filhos, falando em tom agressivo, agindo com brusquidão, tentando impor seu poder pela força, com palavras ou atos físicos. Entristece-nos contemplar o ciclo de agressividade se reproduzindo, com consequências que vão muito além do que os nossos olhos podem ver naquele momento.

Essas duas situações me vêm ao pensar no cenário de agressividade que tem dominado a vida pública nacional. O ciclo de violência que permeia e estrutura nossa sociedade não é um dado da natureza. É uma realidade histórica renovada diariamente. Há um passado a influenciar, mas há também uma escolha feita no tempo presente: pais violentos, professores violentos, estudantes violentos, cidadãos violentos, policiais violentos, candidatos violentos, eleitores violentos, maridos violentos, motoristas violentos. Como nossa sensibilidade reage a essas situações?

O problema não é só aqui. Conheci recentemente um casal de professores universitários americanos que se mudaram para Glasgow, na Escócia, depois que o Estado do Arkansas aprovou uma lei permitindo que estudantes portassem armas ocultas no câmpus. Não se sentiam seguros de dar aulas sob as novas condições. O incrível é que parcela da sociedade brasileira olha para os Estados Unidos e deseja emular a mesma loucura armamentista. É uma escolha.

Mas não precisamos ir longe para ver exemplos extremos. Seja qual for o resultado das eleições municipais na cidade de São Paulo, a campanha eleitoral deste ano deve ser motivo de um amplo exame de consciência enquanto sociedade, para repensarmos nossos valores, nossas palavras, nossas percepções. Não exagero. Há quem veja o circo de horrores paulistano e diga que se trata de uma revolta legítima contra a “política tradicional”. É sempre uma escolha.

A violência nunca constitui uma resposta justa. “A violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida, a liberdade dos seres humanos”, lembrou João Paulo II em um discurso em Drogheda, na Irlanda, há exatos 45 anos. Eis o grande sofisma da violência: ela se apresenta como a reação necessária e adequada diante da situação indignante.

A cultura da violência é o oposto da cultura democrática, que é respeito, diálogo, negociação, cooperação. Talvez aqui esteja uma das razões para o que vivemos nos últimos anos no Brasil. Não foi apenas que pessoas em posições de liderança pública não se portaram, por ação ou omissão, como a lei determina. Havia um respaldo social da agressividade, da brutalidade, da resolução conflituosa dos problemas. Isso tem relação direta com a ideia, difundida em alguns setores, de que as Forças Armadas deveriam ter um papel na resolução das questões políticas nacionais.

É evidente, diante desse quadro, a necessidade de promover uma cultura de paz, uma cultura verdadeiramente democrática. Não é tarefa fácil, nem simples. Mas talvez o primeiro passo seja reconhecer o problema. Não somos um país pacífico. A sociedade brasileira tem historicamente tolerado – e continua tolerando – altos índices de violência. E, pior, quando nos indignamos com a violência das nossas cidades, a resposta tem sido uma só: mais violência. Almejam-se o aumento da pena e o endurecimento das condições de cumprimento da pena. Ou seja, ainda preferimos lidar com uma questão difícil e complexa por meio de uma resposta fácil e simplista.

Reconhecer o problema é também reconhecer a sua complexidade. A questão da violência é intrínseca à humanidade. A condição humana envolve violência. Talvez todos os pais e todas as mães – na verdade, todos os adultos lidando com crianças: sejam avós, tios, primos – tenham sido protagonistas das duas situações descritas no início deste texto. Mas isso não pode ser desculpa para mais brutalidade. Há lugares em que é muito raro ver pais maltratando filhos e há lugares em que é muito comum.

Se queremos uma sociedade mais pacífica, em vez de pedir penas mais altas – como se todos os problemas fossem causados pelos outros –, temos de entender as causas da cultura de violência e da cultura de paz. Há exemplos interessantes. Considerada nos anos 1970 e 1980 como uma cidade difícil e violenta, Glasgow conseguiu transformar sua realidade social por meio de políticas públicas de apoio à educação e à arte e de fortalecimento dos laços comunitários.

A paz, assim como a democracia, não vem por decreto. É uma construção diária, que começa em casa, mas passa também, entre outros âmbitos, pelas eleições e por políticas públicas efetivas. Que nossa indignação com a criminalidade e a insegurança não desemboque em descontrole irracional, mas desperte uma resposta adulta – articulada e responsável – para o problema.

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