Advogado e Jornalista

Opinião|Resgatar o valor da opinião


O ataque contra os fatos foi também ofensiva contra a opinião. Passou-se a entendê-la como ato de arbitrariedade individual

Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

Nos últimos anos, frente ao disseminado fenômeno social de confusão entre liberdade de opinião e rebeldia contra verdades factuais evidentes, foi preciso defender o valor dos fatos. Nessa empreitada, resgatou-se a célebre frase do senador americano Daniel Patrick Moynihan: “Todos têm direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.

Em defesa da coletividade – às vezes, de forma dramática; por exemplo, em questões de saúde pública na pandemia de covid-19 e de institucionalidade democrática frente a movimentos autoritários no mundo inteiro –, foi preciso reafirmar a diferença entre fato e opinião. Tratou-se, por assim dizer, de uma medida de sobrevivência.

No entanto, não basta defender o valor dos fatos. É preciso também resgatar o valor da opinião. São realidades distintas, mas não antagônicas. Numa sociedade plural e democrática, exigem-se mutuamente. Fatos sem reflexão pouco contribuem. E, por óbvio, opiniões que negam os fatos são inúteis e, às vezes, claramente prejudiciais.

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O ataque dos últimos anos contra os fatos – contra seu valor social, enquanto percepção compartilhada a respeito da realidade – foi também uma ofensiva contra a opinião: contra a reflexão e contra o diálogo. Passou-se a entender a opinião como ato de arbitrariedade individual, uma espécie de movimento do polegar do imperador nas arenas romanas.

Eis o perigo. Ao ser encarada como simples manifestação de vontade, a opinião perde seu sentido mais genuíno, convertendo-se em mero elemento de afirmação individual, em instrumento de divisão e de isolamento – como infelizmente tantas vezes se vê. O exercício de opinar é aspecto fundamental da experiência humana e, precisamente por isso, tem também uma dimensão social, de interação. Somos seres sociais, relacionais. E, para ser compartilhável, a opinião deve ter um substrato comum de racionalidade, de intersubjetividade, que é alcançado precisamente por meio do respeito aos fatos.

A opinião é fundamental numa sociedade. Sem ela – sem reflexão e sem diálogo –, não se pode compreender minimamente os fatos. Daí a razão pela qual, por exemplo, o jornalismo nunca foi mera produção de fatos. Foi sempre também produção de sentido, sob as óticas individual, com os artigos e colunas, e institucional, com os editoriais. O prestígio dos jornais sempre esteve vinculado, entre outros pontos, à sua capacidade de oferecer uma compreensão crítica dos fatos e da sociedade.

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A combinação entre notícia e análise, tão presente no jornalismo, vale para todos os outros âmbitos de expressão da opinião, que nunca deve ser mero ato de vontade, mero exercício de poder. Entendo que existe aqui uma grande oportunidade – e também um grande desafio – para empresas, instituições e organizações sociais. Seria muito positivo que as entidades da sociedade civil expressassem, de forma habitual e transparente, sua opinião, sua análise dos fatos, articulada a partir de sua específica compreensão de mundo. Ao longo do tempo, esse exercício de reflexão institucional constituiria um plural e espetacular acervo. Também contribuiria para o desenvolvimento de uma cultura de diálogo, em que a perspectiva do outro é respeitada e valorizada, é ouvida.

E há também o tema, não menos importante, da opinião pessoal. Uma sociedade plural e democrática escuta as vozes individuais. Mas isso não significa mera atitude passiva. Como em todas as esferas da vida social, existe um percurso de aprendizado. A comunicação humana requer um adequado processo de socialização nas escolas, nas famílias, nas diversas entidades da sociedade civil, processo este cujos pilares são justamente o respeito aos fatos e o respeito ao interlocutor.

Não é paternalismo, tampouco enviesamento ideológico, mas o reconhecimento de que o humano não é mera natureza, não é mero automatismo. Espontaneidade não é sinônimo de bondade ou de verdade. O humano é também cultura, a exigir educação e formação, a demandar um itinerário pedagógico. Todas as épocas têm suas batalhas. E este é, sem dúvida, um dos grandes desafios contemporâneos: promover uma cultura de reflexão e de diálogo, que, defendendo e valorizando a liberdade de expressão própria e alheia, seja também compreensão do valor da verdade e de suas plurais perspectivas.

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Resgatar o valor dos fatos e da opinião não é tarefa acessória, uma espécie de capricho. É assegurar as condições de vida em sociedade. Somos seres humanos e, para que possamos de fato viver como humanos, não há como prescindir da relação com os outros. Os fatos importam. E as pessoas, com suas ideias e sua compreensão de mundo – por mais diferentes que sejam das nossas –, também.

Este artigo é uma pequena homenagem aos 150 anos do Estadão, cuja trajetória pode ser descrita como uma belíssima e eficaz defesa dos fatos e da opinião, como uma belíssima e eficaz aventura de liberdade e de civilização. Gerações de brasileiros aprenderam a pensar e a refletir, a divergir e a dialogar, a entender e a expressar sua própria voz lendo as páginas deste jornal.

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Nos últimos anos, frente ao disseminado fenômeno social de confusão entre liberdade de opinião e rebeldia contra verdades factuais evidentes, foi preciso defender o valor dos fatos. Nessa empreitada, resgatou-se a célebre frase do senador americano Daniel Patrick Moynihan: “Todos têm direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.

Em defesa da coletividade – às vezes, de forma dramática; por exemplo, em questões de saúde pública na pandemia de covid-19 e de institucionalidade democrática frente a movimentos autoritários no mundo inteiro –, foi preciso reafirmar a diferença entre fato e opinião. Tratou-se, por assim dizer, de uma medida de sobrevivência.

No entanto, não basta defender o valor dos fatos. É preciso também resgatar o valor da opinião. São realidades distintas, mas não antagônicas. Numa sociedade plural e democrática, exigem-se mutuamente. Fatos sem reflexão pouco contribuem. E, por óbvio, opiniões que negam os fatos são inúteis e, às vezes, claramente prejudiciais.

O ataque dos últimos anos contra os fatos – contra seu valor social, enquanto percepção compartilhada a respeito da realidade – foi também uma ofensiva contra a opinião: contra a reflexão e contra o diálogo. Passou-se a entender a opinião como ato de arbitrariedade individual, uma espécie de movimento do polegar do imperador nas arenas romanas.

Eis o perigo. Ao ser encarada como simples manifestação de vontade, a opinião perde seu sentido mais genuíno, convertendo-se em mero elemento de afirmação individual, em instrumento de divisão e de isolamento – como infelizmente tantas vezes se vê. O exercício de opinar é aspecto fundamental da experiência humana e, precisamente por isso, tem também uma dimensão social, de interação. Somos seres sociais, relacionais. E, para ser compartilhável, a opinião deve ter um substrato comum de racionalidade, de intersubjetividade, que é alcançado precisamente por meio do respeito aos fatos.

A opinião é fundamental numa sociedade. Sem ela – sem reflexão e sem diálogo –, não se pode compreender minimamente os fatos. Daí a razão pela qual, por exemplo, o jornalismo nunca foi mera produção de fatos. Foi sempre também produção de sentido, sob as óticas individual, com os artigos e colunas, e institucional, com os editoriais. O prestígio dos jornais sempre esteve vinculado, entre outros pontos, à sua capacidade de oferecer uma compreensão crítica dos fatos e da sociedade.

A combinação entre notícia e análise, tão presente no jornalismo, vale para todos os outros âmbitos de expressão da opinião, que nunca deve ser mero ato de vontade, mero exercício de poder. Entendo que existe aqui uma grande oportunidade – e também um grande desafio – para empresas, instituições e organizações sociais. Seria muito positivo que as entidades da sociedade civil expressassem, de forma habitual e transparente, sua opinião, sua análise dos fatos, articulada a partir de sua específica compreensão de mundo. Ao longo do tempo, esse exercício de reflexão institucional constituiria um plural e espetacular acervo. Também contribuiria para o desenvolvimento de uma cultura de diálogo, em que a perspectiva do outro é respeitada e valorizada, é ouvida.

E há também o tema, não menos importante, da opinião pessoal. Uma sociedade plural e democrática escuta as vozes individuais. Mas isso não significa mera atitude passiva. Como em todas as esferas da vida social, existe um percurso de aprendizado. A comunicação humana requer um adequado processo de socialização nas escolas, nas famílias, nas diversas entidades da sociedade civil, processo este cujos pilares são justamente o respeito aos fatos e o respeito ao interlocutor.

Não é paternalismo, tampouco enviesamento ideológico, mas o reconhecimento de que o humano não é mera natureza, não é mero automatismo. Espontaneidade não é sinônimo de bondade ou de verdade. O humano é também cultura, a exigir educação e formação, a demandar um itinerário pedagógico. Todas as épocas têm suas batalhas. E este é, sem dúvida, um dos grandes desafios contemporâneos: promover uma cultura de reflexão e de diálogo, que, defendendo e valorizando a liberdade de expressão própria e alheia, seja também compreensão do valor da verdade e de suas plurais perspectivas.

Resgatar o valor dos fatos e da opinião não é tarefa acessória, uma espécie de capricho. É assegurar as condições de vida em sociedade. Somos seres humanos e, para que possamos de fato viver como humanos, não há como prescindir da relação com os outros. Os fatos importam. E as pessoas, com suas ideias e sua compreensão de mundo – por mais diferentes que sejam das nossas –, também.

Este artigo é uma pequena homenagem aos 150 anos do Estadão, cuja trajetória pode ser descrita como uma belíssima e eficaz defesa dos fatos e da opinião, como uma belíssima e eficaz aventura de liberdade e de civilização. Gerações de brasileiros aprenderam a pensar e a refletir, a divergir e a dialogar, a entender e a expressar sua própria voz lendo as páginas deste jornal.

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ADVOGADO

Nos últimos anos, frente ao disseminado fenômeno social de confusão entre liberdade de opinião e rebeldia contra verdades factuais evidentes, foi preciso defender o valor dos fatos. Nessa empreitada, resgatou-se a célebre frase do senador americano Daniel Patrick Moynihan: “Todos têm direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.

Em defesa da coletividade – às vezes, de forma dramática; por exemplo, em questões de saúde pública na pandemia de covid-19 e de institucionalidade democrática frente a movimentos autoritários no mundo inteiro –, foi preciso reafirmar a diferença entre fato e opinião. Tratou-se, por assim dizer, de uma medida de sobrevivência.

No entanto, não basta defender o valor dos fatos. É preciso também resgatar o valor da opinião. São realidades distintas, mas não antagônicas. Numa sociedade plural e democrática, exigem-se mutuamente. Fatos sem reflexão pouco contribuem. E, por óbvio, opiniões que negam os fatos são inúteis e, às vezes, claramente prejudiciais.

O ataque dos últimos anos contra os fatos – contra seu valor social, enquanto percepção compartilhada a respeito da realidade – foi também uma ofensiva contra a opinião: contra a reflexão e contra o diálogo. Passou-se a entender a opinião como ato de arbitrariedade individual, uma espécie de movimento do polegar do imperador nas arenas romanas.

Eis o perigo. Ao ser encarada como simples manifestação de vontade, a opinião perde seu sentido mais genuíno, convertendo-se em mero elemento de afirmação individual, em instrumento de divisão e de isolamento – como infelizmente tantas vezes se vê. O exercício de opinar é aspecto fundamental da experiência humana e, precisamente por isso, tem também uma dimensão social, de interação. Somos seres sociais, relacionais. E, para ser compartilhável, a opinião deve ter um substrato comum de racionalidade, de intersubjetividade, que é alcançado precisamente por meio do respeito aos fatos.

A opinião é fundamental numa sociedade. Sem ela – sem reflexão e sem diálogo –, não se pode compreender minimamente os fatos. Daí a razão pela qual, por exemplo, o jornalismo nunca foi mera produção de fatos. Foi sempre também produção de sentido, sob as óticas individual, com os artigos e colunas, e institucional, com os editoriais. O prestígio dos jornais sempre esteve vinculado, entre outros pontos, à sua capacidade de oferecer uma compreensão crítica dos fatos e da sociedade.

A combinação entre notícia e análise, tão presente no jornalismo, vale para todos os outros âmbitos de expressão da opinião, que nunca deve ser mero ato de vontade, mero exercício de poder. Entendo que existe aqui uma grande oportunidade – e também um grande desafio – para empresas, instituições e organizações sociais. Seria muito positivo que as entidades da sociedade civil expressassem, de forma habitual e transparente, sua opinião, sua análise dos fatos, articulada a partir de sua específica compreensão de mundo. Ao longo do tempo, esse exercício de reflexão institucional constituiria um plural e espetacular acervo. Também contribuiria para o desenvolvimento de uma cultura de diálogo, em que a perspectiva do outro é respeitada e valorizada, é ouvida.

E há também o tema, não menos importante, da opinião pessoal. Uma sociedade plural e democrática escuta as vozes individuais. Mas isso não significa mera atitude passiva. Como em todas as esferas da vida social, existe um percurso de aprendizado. A comunicação humana requer um adequado processo de socialização nas escolas, nas famílias, nas diversas entidades da sociedade civil, processo este cujos pilares são justamente o respeito aos fatos e o respeito ao interlocutor.

Não é paternalismo, tampouco enviesamento ideológico, mas o reconhecimento de que o humano não é mera natureza, não é mero automatismo. Espontaneidade não é sinônimo de bondade ou de verdade. O humano é também cultura, a exigir educação e formação, a demandar um itinerário pedagógico. Todas as épocas têm suas batalhas. E este é, sem dúvida, um dos grandes desafios contemporâneos: promover uma cultura de reflexão e de diálogo, que, defendendo e valorizando a liberdade de expressão própria e alheia, seja também compreensão do valor da verdade e de suas plurais perspectivas.

Resgatar o valor dos fatos e da opinião não é tarefa acessória, uma espécie de capricho. É assegurar as condições de vida em sociedade. Somos seres humanos e, para que possamos de fato viver como humanos, não há como prescindir da relação com os outros. Os fatos importam. E as pessoas, com suas ideias e sua compreensão de mundo – por mais diferentes que sejam das nossas –, também.

Este artigo é uma pequena homenagem aos 150 anos do Estadão, cuja trajetória pode ser descrita como uma belíssima e eficaz defesa dos fatos e da opinião, como uma belíssima e eficaz aventura de liberdade e de civilização. Gerações de brasileiros aprenderam a pensar e a refletir, a divergir e a dialogar, a entender e a expressar sua própria voz lendo as páginas deste jornal.

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