Um ano transcorreu desde que a revelação de “inconsistências contábeis” nas demonstrações financeiras – eufemismo usado à época para descrever a adulteração de balanços – colocou a Americanas S.A. no centro de um dos maiores escândalos da história corporativa brasileira. Naquele 11 de janeiro, o rombo foi estimado em R$ 20 bilhões, cálculo que pulou depois para R$ 40 bilhões.
A dimensão exata do prejuízo, porém, não é conhecida, já que a empresa não publicou nenhum balanço trimestral ao longo de 2023. Por isso, encabeça a lista de inadimplentes na entrega de documentos à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No órgão fiscalizador do mercado de capitais foram abertos inquéritos administrativos, processos sancionadores e 21 procedimentos de análise. Mas, até agora, quase nada veio a público sobre a mecânica do que a própria empresa classificou de fraude continuada por, ao menos, dez anos.
Uma indefinição que afeta diretamente a confiança do investidor financeiro no País. Por óbvio, investigações de irregularidades dessa monta precisam ser guiadas por cuidado e sensatez. Mas são necessárias medidas ágeis para impedir manipulações do mesmo tipo. O amplo conhecimento do que possibilitou as tais inconsistências e as providências para evitar novos casos é o mínimo que a sociedade espera dos organismos de regulação e fiscalização.
Tome-se como exemplo o caso Enron, a gigante norte-americana de energia dos anos 1990 que começou a ser investigada em meados de 2001 pela SEC (Securities and Exchange Commission, equivalente à CVM nos Estados Unidos) por fraudes contábeis. Em janeiro do ano seguinte, as ações da Enron foram retiradas da Bolsa de Nova York. Em julho do mesmo ano foi promulgada a Lei Sarbanes-Oxley, que mudou padrões de governança corporativa e de contabilidade e passou a ser seguida em todo o mundo como garantia de bons mecanismos de auditoria e mitigação de riscos.
A condenação dos responsáveis veio somente quatro anos depois, com executivos sentenciados à prisão. Durante a investigação, ainda em 2002, a empresa de auditoria Arthur Andersen, então uma das maiores do mundo, renunciou às atividades. Estava clara sua participação na fraude ao longo de anos. Respeitadas as devidas proporções, parecem casos muito semelhantes.
Pelo que se sabe até agora, a origem do escândalo Americanas está na contabilização irregular de suas dívidas, que inflou artificialmente seus resultados. Falseou nos balanços o saldo de operações de “risco sacado”, nas quais os bancos antecipam, com cobrança de juros, o pagamento a fornecedores. Uma prática que, soube-se depois, é comum no comércio. Mais um motivo para agir com celeridade no processo.
Somente no fim do ano passado a Americanas foi suspensa temporariamente do Novo Mercado, o mais alto padrão de governança da B3. Uma nova norma contábil para “risco sacado” está prevista para este ano. A CPI da Câmara sobre o caso Americanas foi encerrada alegando impossibilidade de apontar culpados.
E até agora ainda não há um detalhamento do que de fato ocorreu, para evitar que casos assim se repitam.