O ano de 2023 registrou a temperatura média mais alta desde 1850, primeiro ano em que há dados disponíveis e comparáveis, segundo informou o Copernicus Climate Change Service, serviço da Comissão Europeia que monitora as mudanças climáticas na Europa e no mundo. Em todos os aspectos, trata-se de uma marca alarmante.
Ressalve-se que já se previa um 2023 particularmente quente, uma vez que haveria a combinação dos efeitos já rotineiros do aquecimento global com a ocorrência do El Niño, fenômeno que aumenta a temperatura do Pacífico e causa grandes alterações climáticas. Ainda assim, conforme o Copernicus, nenhum dos grandes centros meteorológicos do mundo esperava que o ano passado seria tão quente como foi.
O centro de pesquisas europeu concluiu que a temperatura média do planeta no ano passado superou em 1,48°C a registrada no período de 1850 a 1900. Nos 12 meses a serem finalizados neste mês ou em fevereiro, essa diferença deverá ultrapassar 1,5°C. Os dados mostram que 2023 não bateu apenas o recorde anterior, de 2016. Na comparação com o fim do século 19, as temperaturas médias ficaram 1°C mais altas todos os dias. “Os extremos que nós observamos nos últimos meses dão um dramático testemunho do quão longe nós estamos agora do clima em que a civilização se desenvolveu”, declarou Carlo Buontempo, diretor do Copernicus.
Essa não é a primeira constatação científica do perigo a que a humanidade está exposta. Mas, certamente, está entre as mais contundentes. Não apenas os graus dos termômetros escalaram em 2023. Houve também uma redução colossal do gelo marinho da Antártida e temperaturas recordes nas superfícies dos oceanos. As concentrações de gás carbônico e de metano na atmosfera bateram marcas históricas no ano e deixaram uma indelével contribuição para esse quadro climático.
Tão grave quanto a aceleração da temperatura na Terra nos últimos e nos próximos anos, porém, é a incerteza sobre a velocidade com que o mundo descartará a energia fóssil e transitará para as fontes renováveis. Não há outro meio de conter os termômetros.
As fichas estão postas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Belém do Pará, a COP-30. Espera-se de países ricos e emergentes compromissos mais robustos para evitar que a temperatura do planeta supere em 1,5°C a registrada no período pré-industrial. As promessas feitas no âmbito do Acordo de Paris, de 2015, já se mostram muito aquém do esforço necessário.
Por mais positivos que sejam os resultados dessa concertação, a humanidade enfrentará tempestades, secas, incêndios, inundações e nevascas com frequência e intensidade inauditas. Por mais competentes que sejam os esforços atuais para reduzir a marcha das mudanças climáticas, certamente o mundo não conseguirá se livrar desses eventos catastróficos. Enquanto a ciência e a tecnologia dão saltos extraordinários, desenvolvendo em um ano vacinas que antes levariam décadas para serem produzidas ou criando sistemas de inteligência artificial que mudarão a face do mundo, a maioria dos países, inclusive os desenvolvidos, ainda não dispõe de bons sistemas de prevenção de tragédias climáticas.
É ocioso lembrar, ademais, que a maior parte das vítimas desses desastres é de populações pobres, cada vez mais desprotegidas. Os estragos, porém, atingem a todos indiscriminadamente, bem como aos cofres públicos. Não é preciso esforço para se recordar das vítimas fatais e dos desabrigados pelas inundações no Rio Grande do Sul em 2023. Ou dos ribeirinhos da Amazônia, sem meios de sobrevivência ao longo da seca, e dos paulistanos expostos a apagões a cada temporal.
A ausência de planejamento, diante de previsões de eventos drásticos, e de protocolos adequados para a proteção, o resgate e a assistência imediata aos afetados significa, potencialmente, a perda de vidas. Preparar as cidades e suas populações para um clima mais inóspito é apenas um dos passos imprescindíveis. O que não se pode é aceitar a negligência de governos na prevenção e mitigação dessas reações extremas da natureza.