No dia 17 passado, uma notícia atingiu a opinião pública global como uma bomba: “Ao menos 500 pessoas foram mortas por um bombardeio israelense em um hospital de Gaza, dizem os palestinos”. A atrocidade anunciada nesta manchete do New York Times foi reportada por diversos veículos de imprensa – como Reuters, Associated Press e MSNBC – e correu o mundo como fogo em mato seco, deixando um rastro de ódio.
Massas enfurecidas tomaram as ruas de países islâmicos. Nas 24 horas subsequentes, diplomatas árabes mobilizaram protestos na ONU; manifestantes anti-Israel cercaram o Capitólio nos EUA; uma sinagoga na Alemanha foi atingida por coquetéis molotov; uma turba tentou invadir a embaixada de Israel na Jordânia. O impacto geopolítico foi devastador: o rei da Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina cancelaram uma reunião com os presidentes do Egito e dos EUA e o Oriente Médio esteve a um passo de uma guerra regional mais ampla.
Mas imediatamente após as primeiras notícias, as autoridades israelenses as contestaram. Um grão de hesitação entrou nas redações. A BBC explicou que os israelenses “disseram que estão investigando, mas, na verdade, é difícil ver como não poderia ser, dado o tamanho da explosão, um ataque israelense, ou vários”. Questionamentos começaram a pipocar nas redes sociais. Em um par de horas, a manchete do New York Times foi alterada duas vezes: primeiro, removendo a menção ao autor do “bombardeio”; depois, reduzindo-o a uma mais neutra “explosão”.
Hoje, ainda não há certeza sobre os fatos. Já antes da guerra, agências independentes não podiam operar livremente em Gaza como fazem em Israel e em outras democracias do mundo. O Hamas controla quem pode investigar e o que pode ser investigado. Mas as evidências apontam para um disparo malogrado de um foguete da Jihad Islâmica, outra organização terrorista de Gaza. Uma tragédia, ainda assim, mas, ao que tudo indica, não resultante da intenção de Israel de dizimar palestinos, e sim do descaso de terroristas com o povo que alegam defender e libertar.
No caso, a notícia foi reportada pelo “Ministério da Saúde de Gaza”, que todos deveriam saber que se trata de um dos pseudônimos do Hamas. Por óbvio, sua confiabilidade é tão grande quanto a do “Ministério da Verdade” do “Grande Irmão” de George Orwell. Mas, no afã das redações de reportar um furo espetacular – ou, plausivelmente, de alguns dos jornalistas de confirmar seu viés de Israel “opressor” – várias esqueceram essa obviedade.
Quando se lembraram ou foram lembradas, o estrago já estava feito. “Múltiplos estudos descobriram que a desinformação ainda pode influenciar nosso pensamento mesmo quando recebemos a correção e acreditamos ser verdadeira”, explicou o neurocientista Richard Sima no Washington Post, “um fenômeno conhecido como ‘efeito contínuo da influência’.” Tanto pior quando esse efeito tem origem não em algum blog obscuro, mas em mídias tradicionais.
Pesquisas indicam que há anos essas mídias vêm perdendo credibilidade – e reproduzir informações disparadas por terroristas só acelerou o processo –, mas a guerra ainda pode ser uma oportunidade de resgatá-la.
Em um mea culpa, o próprio editor do New York Times admitiu que o jornal “confiou demais em alegações do Hamas, e não esclareceu que elas não podiam ser imediatamente verificadas” e que “a reportagem deixou aos leitores uma impressão incorreta sobre o que era conhecido e o quão crível era o relato”.
As redes digitais estão infestadas de erros e mentiras, que, como se viu, podem ser disseminados até por grandes veículos, com consequências desastrosas. A instantaneidade da internet só amplifica o dever do jornalismo profissional de rever continuamente seus procedimentos para determinar “salvaguardas adicionais” à publicação de notícias de impacto, como disse o New York Times. Ainda assim, é impossível eliminar o risco de erros. Reconhecê-los e corrigi-los o mais rápida e honestamente possível é o caminho mais seguro para resgatar a confiança do público. Em uma palavra, a credibilidade do jornalismo será tanto maior quanto maior for a sua humildade.