O comício de Barroso em Paris


Para o público europeu, não acostumado a ouvir discursos políticos de ministros de cortes superiores, fala de Barroso sobre como enfrentar mazelas do Brasil soou como ato de campanha

Por Notas & Informações

Em Paris, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, proferiu um discurso em evento privado, organizado por um grupo brasileiro. A rigor, o ministro do Supremo nem sequer deveria estar lá. Como magistrado, só deve falar nos autos e no âmbito acadêmico. O ato não era uma coisa nem outra. De toda forma, nestes tempos esquisitos, tornou-se frequente que ministro do STF participe de encontros privados para oferecer conselhos, apresentar suas opiniões sobre o País e a sociedade brasileira e, principalmente, confraternizar com os participantes. Os cânones republicanos já foram um pouco menos laxos.

Mas o descompasso entre a condição de juiz e o discurso do ministro Luís Roberto Barroso não passou despercebido em Paris. Aos presentes, entre os quais o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, Barroso fez uma série de comentários sobre como enfrentar o que ele enxerga como os principais problemas do Brasil: defendeu mais investimentos em educação e tecnologia, criticou o “grau perverso de desigualdade” no País, advogou pelo crescimento econômico, o combate à pobreza e a defesa do meio ambiente e lamentou o atraso do saneamento básico. Um desavisado poderia pensar que se tratava de um candidato a presidente e que o evento em questão era um comício.

Pois foi exatamente por isso que o ex-presidente Sarkozy disse a Barroso: “O senhor está pronto para uma nova presidência, para uma outra presidência”, referindo-se obviamente à Presidência da República. E para que não pairasse nenhuma dúvida, Sarkozy disse que o discurso de Barroso tinha “orientação política forte”, sendo, portanto, “muito mais que um discurso de orientação jurídica”.

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Há aqui uma lição que não deve ser desprezada. A compreensão alargada das competências e atribuições do Supremo é frequentemente apresentada como o ápice da teoria constitucional contemporânea. A atuação do Judiciário sobre áreas do Executivo e, especialmente, do Legislativo representaria um enorme avanço da modernidade, como caminho de efetiva proteção dos direitos fundamentais.

Tal proatividade do Judiciário tem em Barroso seu maior defensor, a ponto de o ministro dizer e repetir, a quem interessar possa, que a missão do Supremo é “empurrar a história”. No entanto, essa retórica, para o público europeu, é imediatamente percebida como de fato é: um conjunto de ideias de conteúdo político, e não jurídico.

A Constituição brasileira é abrangente, mas, por mais ampla que seja, não trata como sinônimos a política e a justiça, como se fossem substituíveis ou intercambiáveis. São fenômenos diversos, que têm âmbitos e procedimentos decisórios próprios. E tudo isso por um motivo simples e fundamental: a Constituição de 1988 veio estabelecer o Estado Democrático de Direito, no qual existem a separação e a independência dos Poderes.

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O Estado Democrático de Direito brasileiro não é uma realidade peculiar, como se possuísse uma configuração extraordinariamente única no mundo, com o Judiciário tendo ascendência sobre os outros Poderes e podendo ditar o que eles devem fazer – bastando, para tanto, entender que Legislativo e Executivo não estão promovendo adequadamente o “progresso”. Não é isso o que dispõe a Constituição de 1988, que tem como um de seus pilares o sistema de freios e contrapesos, inspirado em Montesquieu (1689-1755), filósofo conterrâneo de Sarkozy.

Mais do que remeter a eventuais planos políticos do ministro Barroso, o comentário do ex-presidente francês deve servir de advertência a todo o STF, como forte recomendação ao caminho da autocontenção do Judiciário. Quando a autocompreensão do Supremo brasileiro é comunicada mundo afora, causa surpresa. Pensa-se logo em política, e não na seara própria de um tribunal constitucional, o direito. Se Sarkozy foi sarcástico de propósito ou sem querer, não importa: o que interessa é que sua “sugestão” de que Barroso dispute a Presidência da República mostra que nem todos consideram normal que juízes falem e atuem como políticos. Como sabem bem os que vivem em países de forte tradição republicana, como a França, essa separação é garantia fundamental do regime democrático.

Em Paris, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, proferiu um discurso em evento privado, organizado por um grupo brasileiro. A rigor, o ministro do Supremo nem sequer deveria estar lá. Como magistrado, só deve falar nos autos e no âmbito acadêmico. O ato não era uma coisa nem outra. De toda forma, nestes tempos esquisitos, tornou-se frequente que ministro do STF participe de encontros privados para oferecer conselhos, apresentar suas opiniões sobre o País e a sociedade brasileira e, principalmente, confraternizar com os participantes. Os cânones republicanos já foram um pouco menos laxos.

Mas o descompasso entre a condição de juiz e o discurso do ministro Luís Roberto Barroso não passou despercebido em Paris. Aos presentes, entre os quais o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, Barroso fez uma série de comentários sobre como enfrentar o que ele enxerga como os principais problemas do Brasil: defendeu mais investimentos em educação e tecnologia, criticou o “grau perverso de desigualdade” no País, advogou pelo crescimento econômico, o combate à pobreza e a defesa do meio ambiente e lamentou o atraso do saneamento básico. Um desavisado poderia pensar que se tratava de um candidato a presidente e que o evento em questão era um comício.

Pois foi exatamente por isso que o ex-presidente Sarkozy disse a Barroso: “O senhor está pronto para uma nova presidência, para uma outra presidência”, referindo-se obviamente à Presidência da República. E para que não pairasse nenhuma dúvida, Sarkozy disse que o discurso de Barroso tinha “orientação política forte”, sendo, portanto, “muito mais que um discurso de orientação jurídica”.

Há aqui uma lição que não deve ser desprezada. A compreensão alargada das competências e atribuições do Supremo é frequentemente apresentada como o ápice da teoria constitucional contemporânea. A atuação do Judiciário sobre áreas do Executivo e, especialmente, do Legislativo representaria um enorme avanço da modernidade, como caminho de efetiva proteção dos direitos fundamentais.

Tal proatividade do Judiciário tem em Barroso seu maior defensor, a ponto de o ministro dizer e repetir, a quem interessar possa, que a missão do Supremo é “empurrar a história”. No entanto, essa retórica, para o público europeu, é imediatamente percebida como de fato é: um conjunto de ideias de conteúdo político, e não jurídico.

A Constituição brasileira é abrangente, mas, por mais ampla que seja, não trata como sinônimos a política e a justiça, como se fossem substituíveis ou intercambiáveis. São fenômenos diversos, que têm âmbitos e procedimentos decisórios próprios. E tudo isso por um motivo simples e fundamental: a Constituição de 1988 veio estabelecer o Estado Democrático de Direito, no qual existem a separação e a independência dos Poderes.

O Estado Democrático de Direito brasileiro não é uma realidade peculiar, como se possuísse uma configuração extraordinariamente única no mundo, com o Judiciário tendo ascendência sobre os outros Poderes e podendo ditar o que eles devem fazer – bastando, para tanto, entender que Legislativo e Executivo não estão promovendo adequadamente o “progresso”. Não é isso o que dispõe a Constituição de 1988, que tem como um de seus pilares o sistema de freios e contrapesos, inspirado em Montesquieu (1689-1755), filósofo conterrâneo de Sarkozy.

Mais do que remeter a eventuais planos políticos do ministro Barroso, o comentário do ex-presidente francês deve servir de advertência a todo o STF, como forte recomendação ao caminho da autocontenção do Judiciário. Quando a autocompreensão do Supremo brasileiro é comunicada mundo afora, causa surpresa. Pensa-se logo em política, e não na seara própria de um tribunal constitucional, o direito. Se Sarkozy foi sarcástico de propósito ou sem querer, não importa: o que interessa é que sua “sugestão” de que Barroso dispute a Presidência da República mostra que nem todos consideram normal que juízes falem e atuem como políticos. Como sabem bem os que vivem em países de forte tradição republicana, como a França, essa separação é garantia fundamental do regime democrático.

Em Paris, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, proferiu um discurso em evento privado, organizado por um grupo brasileiro. A rigor, o ministro do Supremo nem sequer deveria estar lá. Como magistrado, só deve falar nos autos e no âmbito acadêmico. O ato não era uma coisa nem outra. De toda forma, nestes tempos esquisitos, tornou-se frequente que ministro do STF participe de encontros privados para oferecer conselhos, apresentar suas opiniões sobre o País e a sociedade brasileira e, principalmente, confraternizar com os participantes. Os cânones republicanos já foram um pouco menos laxos.

Mas o descompasso entre a condição de juiz e o discurso do ministro Luís Roberto Barroso não passou despercebido em Paris. Aos presentes, entre os quais o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, Barroso fez uma série de comentários sobre como enfrentar o que ele enxerga como os principais problemas do Brasil: defendeu mais investimentos em educação e tecnologia, criticou o “grau perverso de desigualdade” no País, advogou pelo crescimento econômico, o combate à pobreza e a defesa do meio ambiente e lamentou o atraso do saneamento básico. Um desavisado poderia pensar que se tratava de um candidato a presidente e que o evento em questão era um comício.

Pois foi exatamente por isso que o ex-presidente Sarkozy disse a Barroso: “O senhor está pronto para uma nova presidência, para uma outra presidência”, referindo-se obviamente à Presidência da República. E para que não pairasse nenhuma dúvida, Sarkozy disse que o discurso de Barroso tinha “orientação política forte”, sendo, portanto, “muito mais que um discurso de orientação jurídica”.

Há aqui uma lição que não deve ser desprezada. A compreensão alargada das competências e atribuições do Supremo é frequentemente apresentada como o ápice da teoria constitucional contemporânea. A atuação do Judiciário sobre áreas do Executivo e, especialmente, do Legislativo representaria um enorme avanço da modernidade, como caminho de efetiva proteção dos direitos fundamentais.

Tal proatividade do Judiciário tem em Barroso seu maior defensor, a ponto de o ministro dizer e repetir, a quem interessar possa, que a missão do Supremo é “empurrar a história”. No entanto, essa retórica, para o público europeu, é imediatamente percebida como de fato é: um conjunto de ideias de conteúdo político, e não jurídico.

A Constituição brasileira é abrangente, mas, por mais ampla que seja, não trata como sinônimos a política e a justiça, como se fossem substituíveis ou intercambiáveis. São fenômenos diversos, que têm âmbitos e procedimentos decisórios próprios. E tudo isso por um motivo simples e fundamental: a Constituição de 1988 veio estabelecer o Estado Democrático de Direito, no qual existem a separação e a independência dos Poderes.

O Estado Democrático de Direito brasileiro não é uma realidade peculiar, como se possuísse uma configuração extraordinariamente única no mundo, com o Judiciário tendo ascendência sobre os outros Poderes e podendo ditar o que eles devem fazer – bastando, para tanto, entender que Legislativo e Executivo não estão promovendo adequadamente o “progresso”. Não é isso o que dispõe a Constituição de 1988, que tem como um de seus pilares o sistema de freios e contrapesos, inspirado em Montesquieu (1689-1755), filósofo conterrâneo de Sarkozy.

Mais do que remeter a eventuais planos políticos do ministro Barroso, o comentário do ex-presidente francês deve servir de advertência a todo o STF, como forte recomendação ao caminho da autocontenção do Judiciário. Quando a autocompreensão do Supremo brasileiro é comunicada mundo afora, causa surpresa. Pensa-se logo em política, e não na seara própria de um tribunal constitucional, o direito. Se Sarkozy foi sarcástico de propósito ou sem querer, não importa: o que interessa é que sua “sugestão” de que Barroso dispute a Presidência da República mostra que nem todos consideram normal que juízes falem e atuem como políticos. Como sabem bem os que vivem em países de forte tradição republicana, como a França, essa separação é garantia fundamental do regime democrático.

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