O Senado aprovou a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) por 47 votos a favor e 32 contra. Mendonça obteve apenas seis votos acima do mínimo necessário e chega à mais alta instância do Poder Judiciário com a menor aprovação parlamentar da história recente. Mas, a rigor, isso é apenas um reflexo dos obtusos critérios que pautaram a sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro. O placar já não tem a menor importância. Uma vez que o ex-advogado-geral da União seja empossado, seus votos como ministro do STF valerão rigorosamente a mesma coisa que os votos de seus dez colegas. E sobre Mendonça recairá a mesma e ingente obrigação dos demais ministros: garantir a ordem constitucional do País acima de tudo.
A partir de agora, portanto, os olhares devem estar voltados para o futuro, um longo futuro. Com 48 anos, André Mendonça poderá permanecer no STF por quase três décadas. Por um lado, isso inspira preocupação porque é tempo demais para que tenha assento na Corte Constitucional um ministro que, até o momento, só deu mostras nos cargos públicos que ocupou de que não hesita em rebaixar a Constituição quando estão em jogo valores da fé religiosa que professa ou os interesses de ocasião de seu padrinho político, o presidente Bolsonaro.
Evidente que toda indicação ao STF é política. A própria Corte é eminentemente política. Mendonça jogou o jogo para ser indicado e, depois, aprovado pelo Senado. Assim é o arranjo constitucional brasileiro no que concerne à composição do Supremo. O que merece atenção, no caso particular de Mendonça, é que Bolsonaro fez questão de enfatizar o tempo todo que só indicou o ex-advogado-geral da União ao cargo por ele ser o que chamou de “terrivelmente evangélico” e, em tese, leal a seus interesses. Bolsonaro é alguém que pensa o Estado e o exercício do poder sob a ótica do patrimonialismo. Basta lembrar que há pouco tempo o presidente da República afirmou ter “10% do STF”, e que só indicou o ministro Kassio Nunes Marques porque este “toma tubaína” com ele nos fins de semana. Se Bolsonaro passará a ter “20%” do STF, só André Mendonça pode dizer.
Por outro lado, o longo tempo que Mendonça tem pela frente no STF – muito além de mandatos presidenciais – servirá para que ele, que se diz “genuinamente evangélico”, mostre à sociedade que é, antes, genuinamente um ministro da Corte, que tem como norte apenas a Constituição. É o que se espera. Por quanto tempo o ministro calouro será identificado com Bolsonaro e com os critérios inconstitucionais que orientaram sua indicação depende exclusivamente dele.
Se a fé religiosa de Mendonça foi uma espécie de passaporte para sua entrada no STF, agora se converte em um fardo do qual o ministro precisa se livrar caso queira dissipar as suspeitas que pairam sobre sua atuação na Corte. Não foi por outra razão que Mendonça abriu sua fala na sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado afirmando que defende, antes de tudo, a democracia e o Estado de Direito – era só o que faltava dizer o contrário – e a laicidade do Estado. “Ainda que genuinamente evangélico, comprometo-me com o Estado laico. Entendo não haver espaço para manifestação pública ideológica durante sessões do Supremo”, disse Mendonça, negando um pedido de Bolsonaro para que, uma vez ministro, fizesse uma “oração semanal” no início das sessões do STF.
Durante a sabatina, na verdade uma encenação coletiva, Mendonça deu respostas sob medida – corretas e longamente treinadas – para delimitar seu comportamento como cidadão, pastor presbiteriano e ministro do STF. “Na vida, a Bíblia”, disse o sabatinado, “no Supremo, a Constituição.” Entretanto, já aprovado, Mendonça afirmou que sua entrada na Corte era “um passo para o homem, um salto para os evangélicos.”
Espera-se que a paráfrase da notória fala do astronauta americano Neil Armstrong tenha sido apenas uma espécie de prestação de contas às lideranças evangélicas que fizeram intenso lobby pela sua chegada ao STF, e não um sinal de como se portará o novo ministro daqui para a frente.