O 26.º encontro anual do Foro de São Paulo (FSP) – uma organização de partidos da esquerda latino-americana marxista cuja secretaria executiva está a cargo do PT – foi programado para o fim do mês em Brasília com intenções óbvias: o Foro quer prestigiar o presidente Lula da Silva, e Lula quer prestigiar o Foro.
Na Declaração do encontro predomina o entusiasmo por uma “mudança favorável na correlação de forças”, em que “amplas frentes democráticas e progressistas se reagrupam e novas forças surgem em cena, baseadas nas ideias coincidentes que o FSP propõe”. Com efeito, 12 dos 19 países da América Latina – responsáveis por 92% da sua população e 90% de seu PIB – são atualmente governados pela esquerda. Mas é característico de uma organização que já nasceu retrógrada – o Foro foi fundado por Lula e Fidel Castro em reação ao ocaso da União Soviética – que a leitura desse cenário seja completamente negacionista.
Primeiro, por ignorar o pêndulo político. Os votos à esquerda resultam, sobretudo, da insatisfação com os incumbentes de direita que haviam subido ao poder após a insatisfação com os incumbentes de esquerda. Mas a nova Constituinte do Chile ou as tendências eleitorais na Argentina mostram que o pêndulo segue oscilando. Depois, porque o Foro ignora as diversidades da esquerda. Lideranças mais ventiladas, como o ex-presidente uruguaio José Mujica ou o jovem presidente chileno, Gabriel Boric, estão longe de terem “ideias coincidentes” com o Foro e não hesitam em chamar regimes celebrados por ele, como o da Venezuela ou da Nicarágua, por aquilo que são: ditaduras militares comandadas por clãs familiares. Mais relevante do que a incapacidade do Foro de compreender a nova “onda rosa” é sua incapacidade de reconhecer o papel da velha “onda rosa” nas mazelas da região.
Abastecidos pelo boom das commodities, os governos esquerdistas promoveram generosas políticas distributivas, mas sem investir em reformas e nas condições de um crescimento sustentável, como educação, produtividade e diversificação econômica. O fim do ciclo escancarou a hemorragia fiscal. Na última década o PIB per capita latino-americano ficou estagnado e a desigualdade se acentuou. As perspectivas de crescimento são medíocres se comparadas a economias emergentes como as da Ásia. Segundo o Índice da Democracia do grupo Economist, nos últimos 20 anos a América Latina foi a região onde a democracia mais retrocedeu no mundo. Só três pequenos países (Costa Rica, Uruguai e Chile) são “democracias plenas”; cerca de metade da população vive em regimes “híbridos” ou “autoritários” – dos quais os mais despóticos são justamente os que Foro celebra por sua “firmeza e avanços”: Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Para a surpresa de ninguém, o Foro não sugere outros caminhos além de mais governo, estatais, gastos, protecionismo e intervenção no mercado – como se essas políticas não tivessem relação com a mixórdia atual. Mas onde o Foro se esmera em detalhes é na acusação aos inimigos políticos. Para ele, o inferno são os outros, mais exatamente os EUA. Abundam recriminações ao “imperialismo”, ao “colonialismo”, ao “neoliberalismo”, ao “grande capital”. Na sessão sobre A luta pela paz e a democracia, o Foro explica como o Ocidente é culpado pela guerra na Ucrânia. A China representa “um fator de estabilidade e equilíbrio”, por sua “defesa dos princípios do direito internacional” e porque sua diplomacia “avança no mundo e aumenta sua influência para a paz”.
Eis a receita do Foro: mais poder ao Estado; menos liberdade econômica; apoio a agressões aos direitos humanos e às instituições democráticas, desde que perpetradas por regimes de esquerda; antagonismo às democracias liberais do Ocidente; e alinhamento ao eixo autocrático sino-russo.
A América Latina precisa de uma esquerda oxigenada, com a democracia no coração, os pés firmes no presente e os olhos fixos no futuro. Mas não é o que se verá em Brasília. Os companheiros de Lula prosseguem a passos largos sua jornada ao passado, de braços bem abertos ao autoritarismo.