A Câmara dos Deputados aprovou de maneira definitiva o primeiro projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, etapa essencial para garantir que a proposta inicie uma fase de transição, em 2026, rumo ao abandono do modelo atual, em 2032.
Difícil não haver alguma frustração com o parecer final da reforma, tema que certamente não foi tratado com a prioridade que merecia. Os debates se deram de maneira expressa, quase sempre em reuniões fechadas, enquanto a maioria dos parlamentares preferia dedicar seu tempo neste ano às eleições municipais.
Nesse contexto, a força dos lobbies facilmente se impôs ao interesse público. E o resultado é que a alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que poderia ser de 26,5% se o texto inicial enviado pelo Ministério da Fazenda fosse mantido, será de cerca de 28%, de forma a acomodar todas as benesses distribuídas por deputados e senadores.
A maior parte desse resultado se deve à inclusão de proteínas animais entre os itens da cesta básica que ficarão isentos de impostos. É uma das distorções que favorecerão os mais ricos, que, proporcionalmente, consomem mais carnes que os mais pobres. Não houve argumento técnico capaz de vencer o populismo suprapartidário, que uniu esquerda e direita.
Entre as distorções mais gritantes, o Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, incidirá sobre a produção de petróleo e de minério de ferro, itens que sustentam a pauta de exportações brasileiras. Armas e munições, no entanto, ficarão livres da taxa e serão dos poucos produtos que ficarão efetivamente mais baratos quando o novo sistema entrar em vigor.
Todos os benefícios à Zona Franca de Manaus foram mantidos, inclusive um dos mais absurdos, que estabelece vantagens para a única refinaria instalada na região. Como mostrou o Estadão, a Refinaria da Amazônia não processa uma única gota de petróleo desde junho. Como importadora, no entanto, ela adquire volumes muitíssimo superiores ao consumo da capital manauara, o que sugere que ela vende combustível isento de PIS e Cofins para todo o País.
Houve erros, mas também acertos. Os deputados derrubaram a tentativa dos senadores de ressuscitar a substituição tributária para cigarros e bebidas. Manter o mecanismo, por meio do qual os tributos da cadeia produtiva são antecipados no primeiro elo para evitar sonegação, transformaria esses setores em ilhas no modelo do IVA, que preza pela simplificação e pela geração de créditos tributários ao longo das diferentes etapas.
Já incluído entre os setores que vão gerar cashback para famílias de baixa renda, o saneamento básico perdeu o tratamento especial que havia obtido no Senado. A cobrança de Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas, que havia caído no Senado, também foi retomada pelos deputados.
Com tantas concessões, o teto de 26,5% para a alíquota padrão desabou antes mesmo de funcionar. A única maneira de respeitar tal limite seria reduzir as benesses e os grupos beneficiados, mas os deputados e senadores preferiram abdicar dessa prerrogativa e deixar o trabalho sujo para o Executivo.
Em clima de despedida, prestes a deixar a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) disse que eventuais distorções da reforma poderão ser corrigidas por futuras leis complementares. Bem se sabe que a recepção que o Congresso tem dado a propostas que reduzam subsídios e benefícios tributários não tem sido nada amistosa.
A despeito disso, há que reconhecer que a tramitação da reforma não teria sido concluída neste ano não fosse a mão pesada com que Lira comanda a Câmara. O incentivo final foi o instrumento do efeito administrativo – leia-se corte de salário dos parlamentares que não registram presença.
No cômputo geral, reafirmamos o que já dissemos muitas vezes neste espaço: a reforma tributária sobre bens e serviços poderia ser muito melhor do que foi, mas aprovou-se a reforma possível, um passo e tanto em um País que convive há mais de 40 anos com um manicômio tributário. O novo modelo será mais simples e transparente e espera-se que seja capaz de destravar investimentos e impulsionar o crescimento econômico.