Há uma ampla oferta de explicações para as agruras do presidente Lula da Silva, que vai mal das pernas nas pesquisas de popularidade. Uma delas é mais imediata: os preços nos supermercados não param de subir. A inflação está alta, mas longe do que os brasileiros viram nas décadas de 1980 e 1990. Então, talvez seja o caso de buscar respostas em outro lugar: Lula está desgastado porque representa um mundo que não existe mais.
No mundo de Lula, por exemplo, havia algo a que se dava o nome de “classe trabalhadora”, cuja língua o ex-líder sindical falava com fluência. Hoje, essa classe acabou, e Lula não sabe falar o dialeto dos novos trabalhadores, que dispensam os sindicatos e exibem ares de empreendedores. Do mesmo modo, no mundo de Lula os homens sentiam-se à vontade para fazer publicamente piadas machistas, já que as mulheres ainda não haviam conquistado espaços e direitos. Hoje, sugerir que uma mulher chegou a um lugar de poder só porque é “bonita”, e não por sua capacidade, é simplesmente inadmissível.
Pois foi exatamente o que Lula fez anteontem, ao dizer que colocou uma “mulher bonita” para melhorar as relações do governo com o Congresso, numa referência à nomeação de Gleisi Hoffmann para ser ministra da Secretaria de Relações Institucionais. O presidente fazia mesuras aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, prometendo-lhes proximidade e acesso, e escolheu um argumento assombroso. “Uma coisa que eu quero mudar é estabelecer uma relação com vocês, por isso eu coloquei essa mulher bonita para ser ministra de Relações Institucionais”, disse-lhes Lula.
Não faltaram ofertas de socorro ao demiurgo petista, inclusive da própria ministra ofendida, que defendeu o chefe e mirou em seus críticos bolsonaristas, buscando diferenciar Lula do antecessor, Jair Bolsonaro – outro machista convicto. Houve quem tentasse explicar o machismo presidencial como mera gafe, gerada por uma fala de improviso, ou como parte da retórica de botequim associada a um incorrigível machismo geracional, sem grandes consequências.
O esforço para livrar a cara de Lula é comovente, mas, a esta altura, debalde. Já são tantos os “deslizes” e “gafes” de Lula a respeito de mulheres que não é possível mais deixar de enxergar ali um padrão. Para ficar só nos casos mais recentes, Lula já disse ser “amante da democracia”, assim justificando a condição: “Amantes são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres”. Também já disse que “depois do jogo de futebol aumenta a violência contra a mulher”, mas, “se o cara é corintiano, tudo bem”. A uma mãe de cinco filhos, perguntou: “Quando vai fechar a porteira, companheira?”.
Gestos valem mais do que palavras, argumentou Gleisi Hoffmann na defesa que fez do presidente. De fato, foi ele quem escolheu a primeira mulher presidente do Brasil, fez de Gleisi presidente do PT e, mais recentemente, indicou a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar. Mas isso não atenua o fato de que palavras, sobretudo quando proferidas de forma espontânea e, portanto, autêntica, dizem muito mais sobre a visão e a conduta de quem as expressa do que gestos simbólicos e meticulosamente calculados, como quando Lula tomou posse, em janeiro: ali o petista recebeu a faixa presidencial de pessoas escolhidas para representar a diversidade brasileira e, no discurso que leu, prometeu convocar o País a um “mutirão contra a desigualdade”.
Acreditou quem costuma interpretar a parolagem lulista como revelação mística. Promessa de tamanha hipérbole, além dos novos tempos que Lula não viu chegar e com os quais não parece conseguir aprender, exigiria mais do que o presidente faz e diz – algo que, como se observa, Lula, com toda a sua aura de grande prestidigitador político, não tem condições de entregar. Não haverá marketing eleitoral capaz de modernizar a imagem e catapultar a popularidade de um político que se mostra tão profundamente ignorante do mundo atual.