O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou há poucos dias que “o Judiciário não tem participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal” do País. Essa foi a espantosa resposta do ministro a um questionamento de jornalistas sobre os salários dos magistrados, que não raro estão muito acima do teto que a Constituição fixa para a remuneração dos servidores públicos. Além de se tratar de incrível demonstração de alheamento à realidade do País, a declaração ignora olimpicamente que o Judiciário, como qualquer parte da estrutura do Estado, é financiado com o dinheiro dos impostos e que, por isso, deve participar dos esforços para conter os gastos públicos.
É evidente para qualquer cidadão de boa-fé que o Judiciário pode não ser tido como o principal responsável pelo desequilíbrio das contas públicas. Mas ofende a inteligência negar o peso excessivo que esse Poder representa para o contribuinte, sobretudo quando comparado ao Judiciário de outras nações no mesmo patamar de desenvolvimento do Brasil ou até mais avançadas.
Apenas em 2023, o Judiciário brasileiro custou quase R$ 133 bilhões, o que representou 1,2% do PIB daquele ano, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já a arrecadação correspondeu a pouco mais da metade das despesas (52%) no mesmo período.
Um estudo do Tesouro Nacional mostrou que o Judiciário brasileiro custa três vezes mais que a média dos países emergentes e está muito à frente dos países desenvolvidos, que gastam apenas 0,3% do PIB com a Justiça.
Por óbvio, não se espera que o Judiciário “dê lucro”, nem mesmo que empate a sua balança de pagamentos, por assim dizer. Não é essa, afinal, a métrica de avaliação da prestação jurisdicional. Mas é igualmente indiscutível que, para onde quer se olhe no Judiciário – e em outras carreiras jurídicas do Estado, como as do Ministério Público, por exemplo –, pululam oportunidades de racionalização de custos que já seriam obscenos ainda que o Judiciário brasileiro fosse, além do mais caro, o mais eficiente do mundo – coisa que nem remotamente é.
Muitos sabem onde está o foco do problema, mas poucos ousam enfrentá-lo. É preciso acabar com a farra dos pagamentos fora do teto constitucional, com as tais “verbas indenizatórias”, penduricalhos que engordam os vencimentos de Suas Excelências em muitos milhares de reais além do que permite a Constituição de forma expressa.
Naquele mesmo ano de 2023, segundo um relatório da Transparência Brasil publicado pelo Estadão em setembro deste ano, o Judiciário pagou aos seus juízes nada menos que R$ 4,5 bilhões fora do teto constitucional, valor sobre o qual, é fundamental frisar, não é recolhido um mísero centavo de Imposto de Renda. O valor pode ser ainda bem maior, pois o relatório teve como base a folha de pagamento de 18 dos 27 Tribunais de Justiça do País. Vale dizer, não entrou no cálculo o que eventualmente pode ter sido pago fora do teto aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça Militar e de tribunais superiores.
O ministro Barroso insiste no argumento segundo o qual é preciso tornar a magistratura “atraente” para os profissionais do Direito com uma boa remuneração, sob risco de haver uma evasão de juízes País afora e, no limite, um colapso da Justiça. Em primeiro lugar, os servidores do Judiciário já fazem parte da elite do funcionalismo público. Ademais, não se tem notícia de juízes que tenham abandonado a carreira por insatisfação salarial nessa proporção apocalíptica apresentada pelo presidente do STF. Em segundo lugar, ninguém defende que juízes ganhem mal nem menos do que ganham atualmente, o que seria absurdo, mas sim que se cumpra o mandamento da Constituição. O mínimo que se pode esperar do Judiciário, um Poder já muitíssimo abonado, é que deixe de engendrar manobras para driblar o teto constitucional.
A declaração de Barroso vocaliza um sentimento que se espraia por todo o Judiciário. Em última análise, são privilegiados defendendo seus privilégios. A grande questão é o que a sociedade fará com essa informação.