Com apoio do governo federal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23, que amplia a imunidade tributária das igrejas, foi aprovada pela comissão especial da Câmara encarregada de analisar a matéria. A PEC 5/23, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), sobrinho do notório bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, seguiu para votação no plenário da Casa no dia 28 passado.
Se leram Eclesiastes 5:10, e é muito provável que tenham lido, os líderes da poderosa bancada evangélica na Câmara decerto não se comoveram com aquele versículo da Bíblia, que diz: “Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente. Quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito”. Pois é assim, insaciáveis, que parecem se mover os deputados que abusam do mandato ao subverter a representação política em trampolim para o enriquecimento – e pior, por meio da exploração da religiosidade de milhões de brasileiros.
A Constituição já concede imunidade tributária aos templos de qualquer credo no País como forma de garantir aos cidadãos o direito fundamental à liberdade religiosa. Afinal, ninguém pode ser privado de exercer plenamente a sua fé por falta de recursos financeiros para manter de pé os seus locais de culto. Essa isenção tributária do livre exercício da fé é uma coisa. Outra, muito distinta, é o que se pretende com essa imoral, para dizer o mínimo, PEC 5/23.
O relatório do deputado Fernando Máximo (União-RO), ao final aprovado, retirou da PEC 5/23 os partidos políticos e os sindicatos como beneficiários da ampliação da imunidade tributária – o que seria o insulto adicionado à injúria. Manteve, contudo, a vedação da cobrança de impostos sobre “bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços” por instituições religiosas de qualquer credo. Como é público, são os representantes das igrejas de fé evangélica os que mais têm se mobilizado pela aprovação da PEC 5/23 no Congresso, a começar por seu autor.
Ora, o que são bens ou serviços essenciais para a missão pastoral de cada igreja? Trata-se de algo tão impreciso que uma avenida será aberta para toda sorte de privilégios, quando não para o enriquecimento de um punhado de vendilhões. Podem significar desde a isenção de impostos para compra de cimento necessário para uma obra numa determinada igreja até a aquisição ou aluguel de automóveis de luxo ou jatinhos para os deslocamentos de pastores. O céu é o limite nesse vale-tudo absolutamente antirrepublicano.
Esse avanço sem sobressaltos da PEC 5/23 também é revelador da absoluta incompreensão do presidente Lula da Silva do que seria uma legítima e esperada aproximação entre o mandatário e o chamado segmento evangélico. Sendo esse segmento cada vez maior e mais articulado politicamente, é claro que a parcela da população que se declara evangélica – cerca de 30% dos brasileiros – deve merecer a atenção do presidente da República, como quaisquer outras. O busílis é que Lula entende que se aproximar dos evangélicos significa sacudir um saco de dinheiro diante dos que se dizem seus líderes. E, em defesa do petista, deve-se dizer que não são poucos os líderes evangélicos que se prestam a essa esperteza. Aproximação republicana seria Lula ouvir e assimilar os legítimos interesses e valores dessa parcela da população, não raro conflitantes com os apoiados pelos ditos progressistas.
É altamente improvável que os 308 votos necessários à aprovação da PEC 5/23 não sejam obtidos no plenário. Em primeiro lugar, porque, historicamente, os líderes da bancada evangélica não costumam ter dificuldade em arregimentar apoios a questões de seu interesse. Em segundo lugar, porque a PEC 5/23 avança no Congresso justamente no momento em que Lula da Silva move mundos e fundos – sobretudo fundos – para se aproximar dos evangélicos. E assim se perpetua esse mutualismo mundano, que só leva em conta os interesses eleitorais do presidente e os interesses financeiros dos que vivem de explorar a fé alheia.