Já passou da hora de repensar o ensino de matemática nas escolas brasileiras. O cenário, infelizmente, é de terra arrasada. E ninguém se iluda: enquanto gerações de estudantes completarem a escola sem saber calcular sequer uma porcentagem, o Brasil não trilhará o caminho do desenvolvimento. Tal diagnóstico foi reforçado, nos últimos dias, por um levantamento que mostra que apenas 5% dos concluintes do ensino médio nas escolas públicas do País atingiram níveis adequados de aprendizagem de matemática em 2021.
O estudo foi feito pelo instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com base nos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) − exame sob responsabilidade do Ministério da Educação (MEC). O Saeb é o principal teste nacional para medir a qualidade do ensino. Em 2021, ressalte-se, captou o retrocesso provocado pelo fechamento de escolas e pelas deficiências do ensino remoto e híbrido durante a pandemia de covid-19.
Os baixíssimos índices de aprendizagem de matemática, contudo, não são consequência somente da pandemia. Prova disso é que o Iede analisou edições anteriores do Saeb e chegou a resultados similares: em 2019, apenas 7% dos concluintes na rede pública tiveram desempenho adequado; em 2017, foram 5%. Ou seja, o problema não tem nada de conjuntural. É, na verdade, uma falha estrutural do sistema de ensino brasileiro.
Por óbvio, há algo patentemente errado quando a quase totalidade dos alunos fica para trás. Eis uma regra de ouro na educação: se apenas 5% dos estudantes têm êxito, tudo leva a crer que o problema seja mais das escolas, que não conseguem ensinar, do que dos alunos que terminam o ano letivo sem aprender. Considerando que 8 em cada 10 estudantes de ensino médio no Brasil frequentam as redes estaduais, tem-se a dimensão do problema.
Cabe perguntar: por que tantos jovens concluem o ensino médio sem aprendizagem adequada em matemática? Não se ignora aqui o histórico déficit educacional brasileiro, um problema que tem raízes profundas, muitas delas com origem fora da escola. A baixa escolaridade de pais e responsáveis, por exemplo, dificulta a aprendizagem dos filhos, assim como a fome (grande parte dos alunos tem na merenda a principal refeição do dia), a baixa carga horária de estudo (a maioria das escolas no País não funciona em tempo integral) e a falta de segurança.
Mas a indigência da aprendizagem de matemática extrapola até mesmo o histórico déficit de aprendizagem nacional. Prova disso é que 31% dos concluintes do ensino médio na rede pública atingiram níveis adequados em língua portuguesa, em 2021, conforme o levantamento do Iede. É um resultado muito ruim, mas ainda assim bem melhor que o de matemática − o que só evidencia o grau de calamidade no ensino dessa disciplina.
Outro ponto que merece atenção é a diminuição dos índices de aprendizagem ao longo da trajetória escolar. O estudo do Iede mostra que, no 5.º ano do ensino fundamental, 37% dos alunos demonstraram desempenho adequado em matemática, em 2021. Entre alunos do 9.º ano do ensino fundamental, porém, esse porcentual já era bem menor − de apenas 15%. Quanto mais os alunos avançam no ensino fundamental e médio, mais cai a proporção de estudantes nas faixas satisfatórias de aprendizagem. Eis uma questão a ser mais bem compreendida pelos educadores.
Repensar o ensino da matemática nas escolas brasileiras exige rever a formação de professores, os métodos de ensino e os materiais didáticos. Claramente há algo que não está funcionando e precisa mudar nas salas de aula. Mas isso não significa que seja preciso reinventar a roda. As redes públicas brasileiras têm experiências exitosas que devem ser incentivadas e replicadas. As escolas federais, por exemplo, costumam ser referência de qualidade, assim como escolas técnicas e em tempo integral têm boas práticas a compartilhar. O País também conta com matemáticos altamente qualificados nas universidades, além de entidades bastante atuantes no terceiro setor. É hora de somar esforços e mudar a cara do ensino de matemática no Brasil.