O presidente Lula da Silva levou quatro longos dias para se dizer “assustado” com a advertência do ditador Nicolás Maduro de que haverá um “banho de sangue” na Venezuela se ele não for reeleito na votação prevista para este domingo. Nesse intervalo, enquanto todos os que prezam a democracia já haviam se assustado de fato com o violento repto chavista, Lula, ao contrário, tinha se limitado a dizer que “eles (os venezuelanos) que elejam o presidente que eles quiserem” – como se se tratasse de uma eleição como qualquer outra e como se o companheiro Maduro não tivesse feito uma ameaça explícita de promover uma guerra civil caso perca no voto. Na mesma linha, Celso Amorim, o chanceler brasileiro de facto, havia tratado a ameaça de Maduro como “um arroubo sem consequências”.
Sabe-se lá o que aconteceu nesses quatro dias para que Lula subitamente acordasse “assustado” com a perspectiva real de que Maduro se agarre ao poder na marra. É muito difícil acreditar que só agora o demiurgo petista, que sempre festejou a “democracia” chavista, tenha se dado conta de que a Venezuela é uma feroz ditadura e que ditaduras, especialmente as ferozes, não costumam cair pacificamente pelo voto. É lícito supor, portanto, que a mudança de discurso de Lula talvez tenha mais a ver com um cálculo segundo o qual um eventual desfecho violento na Venezuela pode acabar sendo debitado politicamente de sua conta. Recorde-se que mais de 100 pessoas morreram na brutal repressão do regime aos multitudinários protestos de opositores em 2017, no que talvez seja um amargo aperitivo do que pode acontecer agora.
A despeito do novo discurso do presidente, não mudou um milímetro a convicção de Lula de que o processo eleitoral venezuelano é realmente justo e livre, a despeito da perseguição a opositores, da censura, da subserviência do Judiciário ao chavismo e das ameaças aos eleitores que ousam não votar em Maduro. Nas palavras de Celso Amorim, a votação de domingo “será uma ocasião de demonstrar que a democracia está consolidada” na Venezuela.
É esse crente fervoroso da “democracia” venezuelana que será o “observador” de Lula nas eleições daquele país, o que na prática significa que ele foi designado para avalizar a lisura de uma votação que ocorre sob o signo da truculência estatal. Será curioso ver Amorim confirmar a justiça de uma eventual vitória de Maduro, desfecho que hoje todas as pesquisas de intenção de voto dizem ser virtualmente impossível – salvo se houver fraude.
O “susto” de Lula, portanto, recende a farsa. Desde antes da ascensão definitiva de Maduro ao poder, em abril de 2013, após a morte de Hugo Chávez, o petista sempre apoiou o regime de Caracas. A despeito da progressiva degradação da democracia na Venezuela, o lulismo sempre cerrou fileiras com o chavismo em nome de um alinhamento ideológico antiamericano infantil e retrógrado.
Maduro tem se mantido no poder há mais de uma década a um custo altíssimo para o povo venezuelano. Além da miséria a que foram relegados pelo regime chavista, os venezuelanos que não conseguiram se desvencilhar das patas do ditador ainda sofrem com o cerceamento de suas liberdades individuais e de seus direitos políticos. Temendo ser derrotado, Maduro cassou, uma a uma, todas as candidaturas da oposição que lhe pareceram ameaças reais a seu poder.
Na Venezuela, são escassos e corajosos os veículos de imprensa que ainda ousam levar à sociedade os fatos tais como eles são, não como Maduro quer que sejam apresentados à audiência. Não raro essa coragem cívica é retribuída com a violência da temida Milícia Bolivariana, guarda paraestatal que opera sob as ordens de Maduro e que goza de liberdade praticamente ilimitada para fazer o que bem entender com aqueles que se opõem ao regime.
É sob essas condições que Lula crê que haverá eleições limpas na Venezuela? É isso o que o autodeclarado campeão da democracia no Brasil entende por democracia?