Ode imprópria


Com vídeo em que se compara a civis, Marinha escolheu hora e tom inadequados para defender a carreira

Por Notas & Informações

Foi inconveniente, para dizer o mínimo, o vídeo divulgado pela Marinha do Brasil nas redes sociais – uma peça publicitária lançada a pretexto do Dia do Marinheiro e convertida em crítica velada ao pacote de revisão dos gastos públicos, anunciado recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma crítica, aliás, nem tão velada assim: em 1 minuto e 16 segundos, o vídeo, cuja música de fundo é Cisne Branco, hino da Marinha, alterna cenas de civis em atividades cotidianas, como momentos de família, esportes, lazer e viagens, com imagens de militares da Marinha em tarefas grandiosas, treinamentos intensos e operações oficiais. A mensagem, implícita ou explícita, sugere que militares dão duro na defesa do Brasil, com uma rotina repleta de sacrifícios e responsabilidades, enquanto civis flanam na vida boa dos privilégios.

“Privilégios? Vem para a Marinha”, pede uma jovem militar. A comparação, por si, já seria constrangedora em circunstâncias normais, já que, no geral, se pode dizer que milhões de brasileiros enfrentam jornadas de trabalho muito mais exaustivas do que a de militares e dispõem de escassa ou nenhuma proteção social, ao contrário dos soldados. Mas o episódio ganhou ares de polêmica, primeiro, pelo fato de a alta cúpula da Marinha ter avalizado o filme, já que foi publicado nas redes sociais oficiais – e lá ficou; segundo, porque o vídeo foi lançado poucos dias depois do anúncio do pacote. O requinte da provocação foi além: não passou despercebido o fato de no vídeo aparecer um soldado muito parecido com Haddad, que passou os últimos dias tentando convencer o País de que o conjunto de medidas não é de todo ruim. Pois não só é ruim, como sacramentou a convicção de que apenas com muita boa vontade é possível acreditar que o governo produzirá alguma iniciativa efetiva para reequilibrar as contas públicas.

Com medidas insuficientes e um anúncio desastrado, o pacote prevê, por exemplo, a adoção da idade mínima de 55 anos para que militares possam ir para a reserva, a extinção da chamada “morte ficta” – que permite a concessão de pensões a dependentes de militares expulsos – e limitações na transferência de pensões para herdeiros. O mal-estar se concentra na proposta da nova idade mínima, que interfere na regra dos sete anos de permanência em cada patente da carreira militar. No plano negociado entre a Fazenda e o Ministério da Defesa, a transição para que a regra da idade mínima passe a valer será até 2032. É muito provável que a cúpula da Marinha tenha usado o vídeo para afagar a tropa incomodada. Não raro militares argumentam que a carreira já tem baixa atratividade – o que muitos veem como privilégios eles enxergam, não sem alguma razão, como singularidades e compensações próprias da carreira.

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São inquestionáveis as peculiaridades e privações a que são submetidos integrantes das Forças Armadas, assim como é legítimo o debate sobre se as medidas que os atingem são adequadas e justas ante tais singularidades. Mas a Marinha do Brasil não poderia ter escolhido momento, lugar e tom mais inconvenientes e menos úteis à causa que deseja defender. Ao contrário, o vídeo produziu o impensável: fez parecer que o pacote de Haddad mexe, de fato, em gastos, desperdícios e privilégios.l

Foi inconveniente, para dizer o mínimo, o vídeo divulgado pela Marinha do Brasil nas redes sociais – uma peça publicitária lançada a pretexto do Dia do Marinheiro e convertida em crítica velada ao pacote de revisão dos gastos públicos, anunciado recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma crítica, aliás, nem tão velada assim: em 1 minuto e 16 segundos, o vídeo, cuja música de fundo é Cisne Branco, hino da Marinha, alterna cenas de civis em atividades cotidianas, como momentos de família, esportes, lazer e viagens, com imagens de militares da Marinha em tarefas grandiosas, treinamentos intensos e operações oficiais. A mensagem, implícita ou explícita, sugere que militares dão duro na defesa do Brasil, com uma rotina repleta de sacrifícios e responsabilidades, enquanto civis flanam na vida boa dos privilégios.

“Privilégios? Vem para a Marinha”, pede uma jovem militar. A comparação, por si, já seria constrangedora em circunstâncias normais, já que, no geral, se pode dizer que milhões de brasileiros enfrentam jornadas de trabalho muito mais exaustivas do que a de militares e dispõem de escassa ou nenhuma proteção social, ao contrário dos soldados. Mas o episódio ganhou ares de polêmica, primeiro, pelo fato de a alta cúpula da Marinha ter avalizado o filme, já que foi publicado nas redes sociais oficiais – e lá ficou; segundo, porque o vídeo foi lançado poucos dias depois do anúncio do pacote. O requinte da provocação foi além: não passou despercebido o fato de no vídeo aparecer um soldado muito parecido com Haddad, que passou os últimos dias tentando convencer o País de que o conjunto de medidas não é de todo ruim. Pois não só é ruim, como sacramentou a convicção de que apenas com muita boa vontade é possível acreditar que o governo produzirá alguma iniciativa efetiva para reequilibrar as contas públicas.

Com medidas insuficientes e um anúncio desastrado, o pacote prevê, por exemplo, a adoção da idade mínima de 55 anos para que militares possam ir para a reserva, a extinção da chamada “morte ficta” – que permite a concessão de pensões a dependentes de militares expulsos – e limitações na transferência de pensões para herdeiros. O mal-estar se concentra na proposta da nova idade mínima, que interfere na regra dos sete anos de permanência em cada patente da carreira militar. No plano negociado entre a Fazenda e o Ministério da Defesa, a transição para que a regra da idade mínima passe a valer será até 2032. É muito provável que a cúpula da Marinha tenha usado o vídeo para afagar a tropa incomodada. Não raro militares argumentam que a carreira já tem baixa atratividade – o que muitos veem como privilégios eles enxergam, não sem alguma razão, como singularidades e compensações próprias da carreira.

São inquestionáveis as peculiaridades e privações a que são submetidos integrantes das Forças Armadas, assim como é legítimo o debate sobre se as medidas que os atingem são adequadas e justas ante tais singularidades. Mas a Marinha do Brasil não poderia ter escolhido momento, lugar e tom mais inconvenientes e menos úteis à causa que deseja defender. Ao contrário, o vídeo produziu o impensável: fez parecer que o pacote de Haddad mexe, de fato, em gastos, desperdícios e privilégios.l

Foi inconveniente, para dizer o mínimo, o vídeo divulgado pela Marinha do Brasil nas redes sociais – uma peça publicitária lançada a pretexto do Dia do Marinheiro e convertida em crítica velada ao pacote de revisão dos gastos públicos, anunciado recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Uma crítica, aliás, nem tão velada assim: em 1 minuto e 16 segundos, o vídeo, cuja música de fundo é Cisne Branco, hino da Marinha, alterna cenas de civis em atividades cotidianas, como momentos de família, esportes, lazer e viagens, com imagens de militares da Marinha em tarefas grandiosas, treinamentos intensos e operações oficiais. A mensagem, implícita ou explícita, sugere que militares dão duro na defesa do Brasil, com uma rotina repleta de sacrifícios e responsabilidades, enquanto civis flanam na vida boa dos privilégios.

“Privilégios? Vem para a Marinha”, pede uma jovem militar. A comparação, por si, já seria constrangedora em circunstâncias normais, já que, no geral, se pode dizer que milhões de brasileiros enfrentam jornadas de trabalho muito mais exaustivas do que a de militares e dispõem de escassa ou nenhuma proteção social, ao contrário dos soldados. Mas o episódio ganhou ares de polêmica, primeiro, pelo fato de a alta cúpula da Marinha ter avalizado o filme, já que foi publicado nas redes sociais oficiais – e lá ficou; segundo, porque o vídeo foi lançado poucos dias depois do anúncio do pacote. O requinte da provocação foi além: não passou despercebido o fato de no vídeo aparecer um soldado muito parecido com Haddad, que passou os últimos dias tentando convencer o País de que o conjunto de medidas não é de todo ruim. Pois não só é ruim, como sacramentou a convicção de que apenas com muita boa vontade é possível acreditar que o governo produzirá alguma iniciativa efetiva para reequilibrar as contas públicas.

Com medidas insuficientes e um anúncio desastrado, o pacote prevê, por exemplo, a adoção da idade mínima de 55 anos para que militares possam ir para a reserva, a extinção da chamada “morte ficta” – que permite a concessão de pensões a dependentes de militares expulsos – e limitações na transferência de pensões para herdeiros. O mal-estar se concentra na proposta da nova idade mínima, que interfere na regra dos sete anos de permanência em cada patente da carreira militar. No plano negociado entre a Fazenda e o Ministério da Defesa, a transição para que a regra da idade mínima passe a valer será até 2032. É muito provável que a cúpula da Marinha tenha usado o vídeo para afagar a tropa incomodada. Não raro militares argumentam que a carreira já tem baixa atratividade – o que muitos veem como privilégios eles enxergam, não sem alguma razão, como singularidades e compensações próprias da carreira.

São inquestionáveis as peculiaridades e privações a que são submetidos integrantes das Forças Armadas, assim como é legítimo o debate sobre se as medidas que os atingem são adequadas e justas ante tais singularidades. Mas a Marinha do Brasil não poderia ter escolhido momento, lugar e tom mais inconvenientes e menos úteis à causa que deseja defender. Ao contrário, o vídeo produziu o impensável: fez parecer que o pacote de Haddad mexe, de fato, em gastos, desperdícios e privilégios.l

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