A reforma da Previdência deve ser celebrada como uma demonstração de maturidade institucional do País. Feitas as contas, porém, fica claro que, mais do que o fim de uma jornada, ela é só o primeiro passo no longo caminho que levará ao equilíbrio das contas públicas. Não se trata apenas de complementá-la com as reformas administrativa e tributária, mas de prosseguir até o fim o saneamento do sistema de aposentadorias e pensões. Em auditoria recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a reforma cobrirá menos de 20% do rombo nos regimes previdenciários. Entre os próximos passos, o mais importante é a reformulação do sistema de Estados e municípios, objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – a PEC paralela já aprovada em primeiro turno no Senado. Apesar disso, metade dos Estados, como mostrou matéria do Estado, está se antecipando e prepara suas próprias reformas.
Segundo o TCU, são necessários ao menos R$ 5,1 trilhões para tapar o rombo da Previdência entre 2020 e 2029. Para esse período, a economia conquistada com a reforma recém-aprovada é calculada em cerca de R$ 800 bilhões. Mesmo que a reforma de Estados e municípios seja integralmente aprovada, gerará uma economia adicional de R$ 442 bilhões.
Além disso, estão fora da reforma aprovada a previdência das Forças Armadas, que responde por 6% do rombo projetado da Previdência, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda e deficientes físicos, que representa 11,5% do rombo. A reforma dos militares que tramita no Congresso pode gerar uma economia de R$ 7 bilhões em dez anos, uma parcela inferior a 3% do déficit das aposentadorias militares nesse período, que é de R$ 305 bilhões. Já o BPC, se não for reformulado, será deficitário em R$ 588 bilhões em dez anos.
Entre as várias distorções apontadas pelo TCU está o excesso de renúncias de receitas. Em dez anos, as desonerações tributárias cresceram 268%, enquanto a receita previdenciária no período cresceu apenas 24,6%.
Como há dúvidas sobre a aprovação da proposta de emenda constitucional que aplicaria as modificações já feitas em âmbito federal a Estados e municípios, governo e Congresso já preparam um “plano B”, denominado Lei de Responsabilidade Previdenciária, a fim de induzir os entes subnacionais ou a aderir à reforma federal ou a realizar suas reformas.
Enquanto isso, os Estados fazem bem em não perder tempo e elaborar suas próprias propostas. Em geral, elas tendem a replicar os principais pontos da reforma federal. Entre eles, a idade mínima para a aposentadoria de servidores homens (65 anos) e mulheres (62 anos), com pelo menos 25 anos de tempo de serviço, e também a elevação das alíquotas de contribuição.
Em São Paulo, uma das medidas é aumentar a alíquota previdenciária cobrada aos servidores estaduais de 11% para 14%. O governo de Goiás apresentou uma proposta abrangente, já com a adesão de todos os municípios goianos, prevendo, entre outras coisas, a cobrança de alíquotas extraordinárias em situações de calamidade financeira – como a que o Estado enfrenta atualmente. O Rio Grande do Sul já tem pronto um texto de reforma, bastante alinhado à reforma federal. Rio de Janeiro e Santa Catarina também preparam projetos próprios, e buscam ainda formatar uma proposta conjunta envolvendo os Estados das Regiões Sul e Sudeste.
Essas correções, muitas vezes duras, se devem a anos de irresponsabilidade fiscal por parte de governos que pouco a pouco deformaram imensamente a máquina pública do País e a de cada Estado. Mas, uma vez que a economia até 2022 é pouca, esse é um caso em que os interesses do governo de turno – de curto prazo – e os interesses de Estado – de longo prazo – tendem a ser conflitantes. Por isso, é imperativo que a população de cada Estado una forças à União, pressionando seus respectivos governos e legislaturas de baixo para cima. A alternativa é o colapso.