Para surpresa de rigorosamente ninguém, bastaram poucas horas após as explosões na Praça dos Três Poderes para um incontido ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), estufar o peito e ostentar as suas credenciais de plenipotenciário guarda-costas da democracia no País. Moraes apressou-se em vincular fatos, associar o homem-bomba ao 8 de Janeiro e, sobretudo, pontificar contra uma eventual anistia aos golpistas. Ademais, arvorou-se em analista político e, como se tudo isso não bastasse, instrumentalizou sua cadeira de ministro do STF para vender a ideia de que seria o juiz universal da defesa do Estado Democrático de Direito no Brasil. A sociedade já testemunhou uma história muitíssimo parecida e sabe muito bem como isso termina.
Como afirmamos ontem neste espaço, o atentado perpetrado por Francisco Wanderley Luiz expõe o risco da banalização da retórica de intolerância política que se tornou marca indelével do bolsonarismo. Tolerar atos antidemocráticos significa, no limite, premiá-los com a impunidade. Mas não cabe ao sr. Moraes, evidentemente, vir a público e dizer o que acha ou deixa de achar sobre aquele terrível evento e suas eventuais repercussões políticas e, principalmente, jurídicas. É cansativo para este jornal ter de relembrar a um ministro da Suprema Corte que, em uma República democrática, magistrados podem ter muito poder, mas não sobre tudo.
Neste momento, é absolutamente irrelevante a opinião de Moraes – ou de qualquer outro ministro do STF – sobre os fatos ocorridos em Brasília e seus desdobramentos. O que ele tem a dizer, que o diga eventualmente nos autos. Se uma descabida anistia for aprovada no Congresso para livrar da punição a massa golpista que invadiu as sedes dos Três Poderes e aqueles que a incitaram a fazê-lo, é certo que o caso chegará ao Supremo para que seus onze ministros decidam sobre a sua constitucionalidade.
Poucas pessoas ainda ousarão negar as evidências de que o homem-bomba era alguém disposto a manifestar com violência todo o ódio nutrido contra o STF e seus ministros. Só o próprio Bolsonaro, seus apoiadores mais fiéis e eventuais interessados em tramas ardilosas para retornar ao poder são capazes de, agora, seguir defendendo abertamente a anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Nem é preciso esperar a conclusão das investigações para reconhecer o acinte que é falar em anistia para golpistas, a menos que já não se queira mais viver sob a égide da Constituição de 1988.
A loquacidade de Moraes, por si só problemática, ainda deu azo a declarações inoportunas de alguns de seus pares. Houve até quem usasse o caso para pregar a regulação das redes sociais – um tema afeito ao Congresso, naturalmente. Mas é a título de defender a democracia, concentrar sua artilharia contra as plataformas digitais e politizar o STF que Moraes concentra poderes em um grau que nem as leis nem a Constituição o autorizam, sob o beneplácito do colegiado do Supremo. Na condução dos secretos, infindáveis e onipresentes inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos, Moraes, é forçoso dizer, lançou-se em uma escalada autoritária. O atropelo de ritos processuais, a produção de provas contra suspeitos fora do processo regular e a arrogância na contestação de críticos de boa-fé, confundindo-os como inimigos da democracia e do STF, integram seu farto arsenal.
E assim Moraes se converteu em uma espécie de versão atualizada do hoje senador Sergio Moro (União-PR): um juiz embevecido pelas próprias virtudes, incapaz de controlar-se diante das câmeras e indômito no atropelo da lei para atingir um fim socialmente importante.
Não há dúvida de que, sem algumas decisões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral, a democracia estaria em risco no País. Mas falar demais e arrogar para a Corte competências que não são suas, entre muitos outros exemplos, evidencia como Moraes, no momento em que o País precisa de tranquilidade, contribui para alimentar o próprio extremismo que ele decidiu combater.