O sociólogo Paulo Delgado escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Menos médicos, menos SUS


A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube de elite, espalhando pânico sobre a insegurança humana diante da doença

Por Paulo Delgado

Há uma variedade enorme de situações no Brasil cujo ruído que espalha, a moralidade que desperta, o sentimentalismo que divulga, a distorção que alimenta e o barulho que provoca é maior do que a música tocada pela orquestra. A polêmica da vez é falar mal dos cursos de Medicina autorizados a funcionar por via judicial. Se a luta não é por mais médicos para a população, menos médicos revela a desnecessidade social do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição do alcance do Programa Saúde da Família.

Há, de fato, impulsos sacrílegos no Supremo Tribunal Federal (STF) próprios de más influências de poder interessado em subtrair ou purgar pecados da sociedade. Mas como o sentimento de culpa é universal nem sempre o STF é o veículo dessa culpa. Nesse caso o Supremo acertou ao autorizar destrancar cursos de Medicina, e por isso a decisão surpreendeu. Conciliou dois direitos: não seguiu nem condenou o modelo de editais congelados do Ministério da Educação (MEC) e reconheceu a necessidade de abrir outra porta de entrada para novos médicos sob a responsabilidade de mantenedores privados.

O poder médico é contra a decisão pelo risco de corrosão de um título de mercado que pode fazer a matrícula e o diploma em Medicina virarem pó e perderem valor econômico pela diminuição de rendimentos do setor. Drama parecido com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra mais advogados. Corporações fazem fortuna de forma implacável e não suportam concorrência. Mas Esculápio não coloca coroa de espinho na testa de quem o procura.

continua após a publicidade

Retire o temor que envolve as razões empresariais das grandes corporações de capital aberto e certamente é possível dar mais atenção às críticas sobre a qualidade dos formandos em Medicina no Brasil. Mas querer julgar o ato do Supremo pelas suas consequências futuras é um ardil para resguardar da crítica a formação médica atual. Parar a abertura é reforçar o status quo, deter a inovação e a busca da qualidade a menores custos.

Estamos afundados na era da autoglorificação pessoal, técnica, corporativa da alta medicina e da irracionalidade da atenção primária e da saúde da família dos humildes. A falta de uma assistência afável, solidária e profissional às pessoas em desvantagem que recorrem aos serviços médico-hospitalares passou a ser uma questão assustadoramente presente na vida da maioria. A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube de elite, privado, espalhando pânico sobre a esmagadora insegurança humana diante da doença. Criticam como se fossem donos de um conhecimento divino em que “cada cabelo da cabeça já estivesse numerado” e todas as medidas das angústias pessoais já fossem conhecidas.

Retire de um jovem médico a ressonância magnética, a tomografia computadorizada, os exames de imagens e a visita dos vendedores de remédios e não teremos dez diagnósticos certos em cem realizados. É hora de as escolas de Medicina em funcionamento e dos Conselhos de Medicina começarem a duvidar de suas credenciais se o que buscam proteger é a competitividade do mercado restrito e caro. Sendo necessário expandir o SUS e tendo regiões remotas onde até hoje só foram os médicos cubanos, é um absurdo querer menos médicos. É bom também não esquecer que durante a pandemia alunos não formados receberam autorização para atender onde nunca vai ninguém formado.

continua após a publicidade

Nosso problema é que não temos planejamento e o acaso quando chamado nem sempre decide nosso destino. Há algum tempo se dizer democrático não significa respeitar a Constituição. A decisão da Justiça permite a compreensão de um fato fundamental que se esquivava e se escondia pela inércia e a burocracia com que o Brasil decide as coisas. Somada ao temor do MEC de perder o controle sobre a autorização, temos uma decisão que certamente não precisava ser tomada pelos tribunais se não fosse a necessidade de desvendar, com plausibilidade e eloquências negativas, o que move as velhas faculdades de Medicina, públicas e privadas. Está claro como é o mundo moral da formação na área de saúde em nosso país que fez da medicina profissão para ficar rico rapidamente. A decisão judicial tem um laivo desconcertante para qualquer pessoa que leia as declarações de quem as condena. É espantoso em nosso país ver a medicina se tornar um assunto desagradável por causa das próprias instituições, entidades, autoridades e profissionais envolvidos com ela. É preciso não cultivar a histeria de desconsiderar as boas decisões inesperadas.

A decisão do Supremo pôs uma pá de cal na arrogância e no sentido antissocial que condena a abertura de curso de Medicina no País. Os médicos têm tido oportunidade demais de influenciar o poder. Já é hora de serem tocados por uma nova visão da sua formação adequada à necessidade de nosso povo. O importante é que haja um propósito ético na medicina e que os médicos, bem formados, se sintam também disponíveis e confortáveis para atender os pobres. De todas as profissões a medicina é a que mais precisa saber condescender aos necessitados e humildes. Um médico perfeito é uma relíquia que respeita a volatilidade da vida, leva qualquer paciente a sério e não esbarra nos seus destroços.

*

continua após a publicidade

É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Há uma variedade enorme de situações no Brasil cujo ruído que espalha, a moralidade que desperta, o sentimentalismo que divulga, a distorção que alimenta e o barulho que provoca é maior do que a música tocada pela orquestra. A polêmica da vez é falar mal dos cursos de Medicina autorizados a funcionar por via judicial. Se a luta não é por mais médicos para a população, menos médicos revela a desnecessidade social do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição do alcance do Programa Saúde da Família.

Há, de fato, impulsos sacrílegos no Supremo Tribunal Federal (STF) próprios de más influências de poder interessado em subtrair ou purgar pecados da sociedade. Mas como o sentimento de culpa é universal nem sempre o STF é o veículo dessa culpa. Nesse caso o Supremo acertou ao autorizar destrancar cursos de Medicina, e por isso a decisão surpreendeu. Conciliou dois direitos: não seguiu nem condenou o modelo de editais congelados do Ministério da Educação (MEC) e reconheceu a necessidade de abrir outra porta de entrada para novos médicos sob a responsabilidade de mantenedores privados.

O poder médico é contra a decisão pelo risco de corrosão de um título de mercado que pode fazer a matrícula e o diploma em Medicina virarem pó e perderem valor econômico pela diminuição de rendimentos do setor. Drama parecido com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra mais advogados. Corporações fazem fortuna de forma implacável e não suportam concorrência. Mas Esculápio não coloca coroa de espinho na testa de quem o procura.

Retire o temor que envolve as razões empresariais das grandes corporações de capital aberto e certamente é possível dar mais atenção às críticas sobre a qualidade dos formandos em Medicina no Brasil. Mas querer julgar o ato do Supremo pelas suas consequências futuras é um ardil para resguardar da crítica a formação médica atual. Parar a abertura é reforçar o status quo, deter a inovação e a busca da qualidade a menores custos.

Estamos afundados na era da autoglorificação pessoal, técnica, corporativa da alta medicina e da irracionalidade da atenção primária e da saúde da família dos humildes. A falta de uma assistência afável, solidária e profissional às pessoas em desvantagem que recorrem aos serviços médico-hospitalares passou a ser uma questão assustadoramente presente na vida da maioria. A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube de elite, privado, espalhando pânico sobre a esmagadora insegurança humana diante da doença. Criticam como se fossem donos de um conhecimento divino em que “cada cabelo da cabeça já estivesse numerado” e todas as medidas das angústias pessoais já fossem conhecidas.

Retire de um jovem médico a ressonância magnética, a tomografia computadorizada, os exames de imagens e a visita dos vendedores de remédios e não teremos dez diagnósticos certos em cem realizados. É hora de as escolas de Medicina em funcionamento e dos Conselhos de Medicina começarem a duvidar de suas credenciais se o que buscam proteger é a competitividade do mercado restrito e caro. Sendo necessário expandir o SUS e tendo regiões remotas onde até hoje só foram os médicos cubanos, é um absurdo querer menos médicos. É bom também não esquecer que durante a pandemia alunos não formados receberam autorização para atender onde nunca vai ninguém formado.

Nosso problema é que não temos planejamento e o acaso quando chamado nem sempre decide nosso destino. Há algum tempo se dizer democrático não significa respeitar a Constituição. A decisão da Justiça permite a compreensão de um fato fundamental que se esquivava e se escondia pela inércia e a burocracia com que o Brasil decide as coisas. Somada ao temor do MEC de perder o controle sobre a autorização, temos uma decisão que certamente não precisava ser tomada pelos tribunais se não fosse a necessidade de desvendar, com plausibilidade e eloquências negativas, o que move as velhas faculdades de Medicina, públicas e privadas. Está claro como é o mundo moral da formação na área de saúde em nosso país que fez da medicina profissão para ficar rico rapidamente. A decisão judicial tem um laivo desconcertante para qualquer pessoa que leia as declarações de quem as condena. É espantoso em nosso país ver a medicina se tornar um assunto desagradável por causa das próprias instituições, entidades, autoridades e profissionais envolvidos com ela. É preciso não cultivar a histeria de desconsiderar as boas decisões inesperadas.

A decisão do Supremo pôs uma pá de cal na arrogância e no sentido antissocial que condena a abertura de curso de Medicina no País. Os médicos têm tido oportunidade demais de influenciar o poder. Já é hora de serem tocados por uma nova visão da sua formação adequada à necessidade de nosso povo. O importante é que haja um propósito ético na medicina e que os médicos, bem formados, se sintam também disponíveis e confortáveis para atender os pobres. De todas as profissões a medicina é a que mais precisa saber condescender aos necessitados e humildes. Um médico perfeito é uma relíquia que respeita a volatilidade da vida, leva qualquer paciente a sério e não esbarra nos seus destroços.

*

É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Há uma variedade enorme de situações no Brasil cujo ruído que espalha, a moralidade que desperta, o sentimentalismo que divulga, a distorção que alimenta e o barulho que provoca é maior do que a música tocada pela orquestra. A polêmica da vez é falar mal dos cursos de Medicina autorizados a funcionar por via judicial. Se a luta não é por mais médicos para a população, menos médicos revela a desnecessidade social do Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição do alcance do Programa Saúde da Família.

Há, de fato, impulsos sacrílegos no Supremo Tribunal Federal (STF) próprios de más influências de poder interessado em subtrair ou purgar pecados da sociedade. Mas como o sentimento de culpa é universal nem sempre o STF é o veículo dessa culpa. Nesse caso o Supremo acertou ao autorizar destrancar cursos de Medicina, e por isso a decisão surpreendeu. Conciliou dois direitos: não seguiu nem condenou o modelo de editais congelados do Ministério da Educação (MEC) e reconheceu a necessidade de abrir outra porta de entrada para novos médicos sob a responsabilidade de mantenedores privados.

O poder médico é contra a decisão pelo risco de corrosão de um título de mercado que pode fazer a matrícula e o diploma em Medicina virarem pó e perderem valor econômico pela diminuição de rendimentos do setor. Drama parecido com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra mais advogados. Corporações fazem fortuna de forma implacável e não suportam concorrência. Mas Esculápio não coloca coroa de espinho na testa de quem o procura.

Retire o temor que envolve as razões empresariais das grandes corporações de capital aberto e certamente é possível dar mais atenção às críticas sobre a qualidade dos formandos em Medicina no Brasil. Mas querer julgar o ato do Supremo pelas suas consequências futuras é um ardil para resguardar da crítica a formação médica atual. Parar a abertura é reforçar o status quo, deter a inovação e a busca da qualidade a menores custos.

Estamos afundados na era da autoglorificação pessoal, técnica, corporativa da alta medicina e da irracionalidade da atenção primária e da saúde da família dos humildes. A falta de uma assistência afável, solidária e profissional às pessoas em desvantagem que recorrem aos serviços médico-hospitalares passou a ser uma questão assustadoramente presente na vida da maioria. A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube de elite, privado, espalhando pânico sobre a esmagadora insegurança humana diante da doença. Criticam como se fossem donos de um conhecimento divino em que “cada cabelo da cabeça já estivesse numerado” e todas as medidas das angústias pessoais já fossem conhecidas.

Retire de um jovem médico a ressonância magnética, a tomografia computadorizada, os exames de imagens e a visita dos vendedores de remédios e não teremos dez diagnósticos certos em cem realizados. É hora de as escolas de Medicina em funcionamento e dos Conselhos de Medicina começarem a duvidar de suas credenciais se o que buscam proteger é a competitividade do mercado restrito e caro. Sendo necessário expandir o SUS e tendo regiões remotas onde até hoje só foram os médicos cubanos, é um absurdo querer menos médicos. É bom também não esquecer que durante a pandemia alunos não formados receberam autorização para atender onde nunca vai ninguém formado.

Nosso problema é que não temos planejamento e o acaso quando chamado nem sempre decide nosso destino. Há algum tempo se dizer democrático não significa respeitar a Constituição. A decisão da Justiça permite a compreensão de um fato fundamental que se esquivava e se escondia pela inércia e a burocracia com que o Brasil decide as coisas. Somada ao temor do MEC de perder o controle sobre a autorização, temos uma decisão que certamente não precisava ser tomada pelos tribunais se não fosse a necessidade de desvendar, com plausibilidade e eloquências negativas, o que move as velhas faculdades de Medicina, públicas e privadas. Está claro como é o mundo moral da formação na área de saúde em nosso país que fez da medicina profissão para ficar rico rapidamente. A decisão judicial tem um laivo desconcertante para qualquer pessoa que leia as declarações de quem as condena. É espantoso em nosso país ver a medicina se tornar um assunto desagradável por causa das próprias instituições, entidades, autoridades e profissionais envolvidos com ela. É preciso não cultivar a histeria de desconsiderar as boas decisões inesperadas.

A decisão do Supremo pôs uma pá de cal na arrogância e no sentido antissocial que condena a abertura de curso de Medicina no País. Os médicos têm tido oportunidade demais de influenciar o poder. Já é hora de serem tocados por uma nova visão da sua formação adequada à necessidade de nosso povo. O importante é que haja um propósito ético na medicina e que os médicos, bem formados, se sintam também disponíveis e confortáveis para atender os pobres. De todas as profissões a medicina é a que mais precisa saber condescender aos necessitados e humildes. Um médico perfeito é uma relíquia que respeita a volatilidade da vida, leva qualquer paciente a sério e não esbarra nos seus destroços.

*

É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Opinião por Paulo Delgado

Sociólogo

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.