O sociólogo Paulo Delgado escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Visto de turista


O baralho material dos influentes que vão ao estrangeiro se pôr a dar recados a quem fica é insípido e desajeitado deslumbramento

Por Paulo Delgado

Ao ir ao exterior e subtrair o País como palco da gestão da ordem, as classes superiores do Estado e da sociedade econômica informam ao povo sua condição de servo, aquele que não pode obter nada para si mediante troca. Estranhos à elevada cultura e à história de Lisboa, Londres, Roma ou Paris, por não ser seguro reunir em Jequié, Queimados, Sorriso ou Maranguape, vai se perdendo o conceito de nação. Luzes estranhas querendo se fazer de estrelas-guia se oferecem para curar o País, habituados que estão a que tudo lhes caia nas mãos servindo-se de suas vantagens institucionais.

Verdadeira desinstitucionalização está em curso. O que forja uma nação é o exemplo. O baralho material dos influentes que vão ao estrangeiro se pôr a dar recados a quem fica, como se um conselho de deuses pudesse ensinar alguém a amarrar sapatos, é insípido e desajeitado deslumbramento. Nesta toada de turismo fast business fica mais em conta entregar os Poderes da União para a social e a Stella Maris. Reconstruir as relações de troca democrática é essencial para fazer o País sair do eterno círculo de hábitos arcaicos. Há épocas em que predominam os que têm maior habilidade para se aproveitar da confusão e da embaraçosa falta de refinamento que tem sido a defesa de interesses dos privilegiados.

Do fundo, o coro dos contentes parece dizer aos compatriotas rabugentos: deixe a sisudez de lado, ou aguentará as dores! “Quando os deuses entregam os pontos e se sujeitam aos tempos, à maioria só resta o pasto.” É a parte secreta das fortunas que antecipa as transições de todas as antiguidades, enquanto insulta a vida de quem admira a igualdade de todos perante a lei.

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Quem conhece história se pergunta onde estão com a cabeça autoridades diante de uma plateia que não deveria desconhecer o telegrama que o governador Manoel Borba enviou aos prefeitos de Pernambuco em 1918, alertando-os de que, se tivessem alguma pendência a resolver na capital, tratassem de apoiar o governo. É estranhíssimo ir tão longe para mandar encomenda ao próprio País.

O que é de fato a vida de uma conduta bem-sucedida? Fossem melhores o Parlamento e o tom da crítica, visando a articular uma inteligência mais ampla sobre como enfrentar os problemas brasileiros do ponto de vista dos interesses da maioria, talvez conseguíssemos evitar de servir ao outro lado passando do limite. “Não é ilegal; é preconceito; não tem cachê (...)”, pessoas com poder, quando confrontadas com sua incoerência, usam do metro para medir o líquido e se valem do costume de ocultar sua condição privilegiada com justificativas autocomplacentes as mais diversas para manipular a opinião pública. Seria perdoável e não soaria como deboche, se gostassem também de falar para pessoas em desvantagem que não os pressionam para os servir nem conseguem contratar advogados ou ir ao exterior com tudo pago. Todavia, é preciso ter cuidado: condene-se o excesso de autoridades, mas também rechace a revolta cega contra os Poderes da União.

Há uma distinção esquecida. A liberdade de consciência de quem tem responsabilidade pública concerne mais ao seu aspecto sociológico e de conduta protocolar do que ao aspecto filosófico que define o livre-arbítrio. Autoridades que não conseguem fazer as mágoas prescreverem não conseguem tomar decisões corretas que afetam a vida coletiva. Desigualdades injustas e privilégios é que excluem a maioria das classes sociais dos benefícios do progresso de que poucos usufruem. No Judiciário, uma corregedoria judicial externa e ativa, mais do que leis rancorosas, poderia pôr melhor ordem na entrada em cena de autoridades antimodernas desembaraçadas do controle democrático.

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Tem sido muito rasa a história brasileira. Não é possível que alguém que seja de esquerda, direita ou centro, ou seja considerado nada por achar que a política e a economia não são necessidades da natureza – aliás, têm sido suas duas maiores inimigas –, veja graça no malabarismo doutrinário que brota de tal ativismo turístico judicial e ministerial.

Um dos maiores gênios da humanidade, frequentador de palácios, morador de castelo, teve 60 mendigos no seu enterro e poderia bem ajudar na reflexão sobre por que valores e princípios ajudam mais à vida do que privilégios. Ninguém tem defesa quando se trata de ofensa aos seus valores. Ofensa que faz pobres, jovens, doentes e os que vivem do trabalho deverem da sua condição muita coisa diante de autoridades que criaram para si uma posição política e intelectual independente para fazerem o que querem.

A corrida desenfreada de juízes a viagens e entrevistas não os faz reformadores, pois com mero jogo de palavras se faz um deformador. Não é preciso ir tão longe para saber que as conferências a que nossas autoridades deveriam ir são as que dão a palavra a quem não fala por dependência pessoal ou os aplaude por interesse. Se é mais que hedonismo, aluguem dos Lamas o Potala e melhor reflitam em Lhasa. Tomar encargo de servir ao País é conciliá-lo com sua melhor e mais alegre natureza, que dá de ombros para náufragos do bom senso a passar recado do estrangeiro como mensagem confiada ao mar numa garrafa.

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É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Ao ir ao exterior e subtrair o País como palco da gestão da ordem, as classes superiores do Estado e da sociedade econômica informam ao povo sua condição de servo, aquele que não pode obter nada para si mediante troca. Estranhos à elevada cultura e à história de Lisboa, Londres, Roma ou Paris, por não ser seguro reunir em Jequié, Queimados, Sorriso ou Maranguape, vai se perdendo o conceito de nação. Luzes estranhas querendo se fazer de estrelas-guia se oferecem para curar o País, habituados que estão a que tudo lhes caia nas mãos servindo-se de suas vantagens institucionais.

Verdadeira desinstitucionalização está em curso. O que forja uma nação é o exemplo. O baralho material dos influentes que vão ao estrangeiro se pôr a dar recados a quem fica, como se um conselho de deuses pudesse ensinar alguém a amarrar sapatos, é insípido e desajeitado deslumbramento. Nesta toada de turismo fast business fica mais em conta entregar os Poderes da União para a social e a Stella Maris. Reconstruir as relações de troca democrática é essencial para fazer o País sair do eterno círculo de hábitos arcaicos. Há épocas em que predominam os que têm maior habilidade para se aproveitar da confusão e da embaraçosa falta de refinamento que tem sido a defesa de interesses dos privilegiados.

Do fundo, o coro dos contentes parece dizer aos compatriotas rabugentos: deixe a sisudez de lado, ou aguentará as dores! “Quando os deuses entregam os pontos e se sujeitam aos tempos, à maioria só resta o pasto.” É a parte secreta das fortunas que antecipa as transições de todas as antiguidades, enquanto insulta a vida de quem admira a igualdade de todos perante a lei.

Quem conhece história se pergunta onde estão com a cabeça autoridades diante de uma plateia que não deveria desconhecer o telegrama que o governador Manoel Borba enviou aos prefeitos de Pernambuco em 1918, alertando-os de que, se tivessem alguma pendência a resolver na capital, tratassem de apoiar o governo. É estranhíssimo ir tão longe para mandar encomenda ao próprio País.

O que é de fato a vida de uma conduta bem-sucedida? Fossem melhores o Parlamento e o tom da crítica, visando a articular uma inteligência mais ampla sobre como enfrentar os problemas brasileiros do ponto de vista dos interesses da maioria, talvez conseguíssemos evitar de servir ao outro lado passando do limite. “Não é ilegal; é preconceito; não tem cachê (...)”, pessoas com poder, quando confrontadas com sua incoerência, usam do metro para medir o líquido e se valem do costume de ocultar sua condição privilegiada com justificativas autocomplacentes as mais diversas para manipular a opinião pública. Seria perdoável e não soaria como deboche, se gostassem também de falar para pessoas em desvantagem que não os pressionam para os servir nem conseguem contratar advogados ou ir ao exterior com tudo pago. Todavia, é preciso ter cuidado: condene-se o excesso de autoridades, mas também rechace a revolta cega contra os Poderes da União.

Há uma distinção esquecida. A liberdade de consciência de quem tem responsabilidade pública concerne mais ao seu aspecto sociológico e de conduta protocolar do que ao aspecto filosófico que define o livre-arbítrio. Autoridades que não conseguem fazer as mágoas prescreverem não conseguem tomar decisões corretas que afetam a vida coletiva. Desigualdades injustas e privilégios é que excluem a maioria das classes sociais dos benefícios do progresso de que poucos usufruem. No Judiciário, uma corregedoria judicial externa e ativa, mais do que leis rancorosas, poderia pôr melhor ordem na entrada em cena de autoridades antimodernas desembaraçadas do controle democrático.

Tem sido muito rasa a história brasileira. Não é possível que alguém que seja de esquerda, direita ou centro, ou seja considerado nada por achar que a política e a economia não são necessidades da natureza – aliás, têm sido suas duas maiores inimigas –, veja graça no malabarismo doutrinário que brota de tal ativismo turístico judicial e ministerial.

Um dos maiores gênios da humanidade, frequentador de palácios, morador de castelo, teve 60 mendigos no seu enterro e poderia bem ajudar na reflexão sobre por que valores e princípios ajudam mais à vida do que privilégios. Ninguém tem defesa quando se trata de ofensa aos seus valores. Ofensa que faz pobres, jovens, doentes e os que vivem do trabalho deverem da sua condição muita coisa diante de autoridades que criaram para si uma posição política e intelectual independente para fazerem o que querem.

A corrida desenfreada de juízes a viagens e entrevistas não os faz reformadores, pois com mero jogo de palavras se faz um deformador. Não é preciso ir tão longe para saber que as conferências a que nossas autoridades deveriam ir são as que dão a palavra a quem não fala por dependência pessoal ou os aplaude por interesse. Se é mais que hedonismo, aluguem dos Lamas o Potala e melhor reflitam em Lhasa. Tomar encargo de servir ao País é conciliá-lo com sua melhor e mais alegre natureza, que dá de ombros para náufragos do bom senso a passar recado do estrangeiro como mensagem confiada ao mar numa garrafa.

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É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Ao ir ao exterior e subtrair o País como palco da gestão da ordem, as classes superiores do Estado e da sociedade econômica informam ao povo sua condição de servo, aquele que não pode obter nada para si mediante troca. Estranhos à elevada cultura e à história de Lisboa, Londres, Roma ou Paris, por não ser seguro reunir em Jequié, Queimados, Sorriso ou Maranguape, vai se perdendo o conceito de nação. Luzes estranhas querendo se fazer de estrelas-guia se oferecem para curar o País, habituados que estão a que tudo lhes caia nas mãos servindo-se de suas vantagens institucionais.

Verdadeira desinstitucionalização está em curso. O que forja uma nação é o exemplo. O baralho material dos influentes que vão ao estrangeiro se pôr a dar recados a quem fica, como se um conselho de deuses pudesse ensinar alguém a amarrar sapatos, é insípido e desajeitado deslumbramento. Nesta toada de turismo fast business fica mais em conta entregar os Poderes da União para a social e a Stella Maris. Reconstruir as relações de troca democrática é essencial para fazer o País sair do eterno círculo de hábitos arcaicos. Há épocas em que predominam os que têm maior habilidade para se aproveitar da confusão e da embaraçosa falta de refinamento que tem sido a defesa de interesses dos privilegiados.

Do fundo, o coro dos contentes parece dizer aos compatriotas rabugentos: deixe a sisudez de lado, ou aguentará as dores! “Quando os deuses entregam os pontos e se sujeitam aos tempos, à maioria só resta o pasto.” É a parte secreta das fortunas que antecipa as transições de todas as antiguidades, enquanto insulta a vida de quem admira a igualdade de todos perante a lei.

Quem conhece história se pergunta onde estão com a cabeça autoridades diante de uma plateia que não deveria desconhecer o telegrama que o governador Manoel Borba enviou aos prefeitos de Pernambuco em 1918, alertando-os de que, se tivessem alguma pendência a resolver na capital, tratassem de apoiar o governo. É estranhíssimo ir tão longe para mandar encomenda ao próprio País.

O que é de fato a vida de uma conduta bem-sucedida? Fossem melhores o Parlamento e o tom da crítica, visando a articular uma inteligência mais ampla sobre como enfrentar os problemas brasileiros do ponto de vista dos interesses da maioria, talvez conseguíssemos evitar de servir ao outro lado passando do limite. “Não é ilegal; é preconceito; não tem cachê (...)”, pessoas com poder, quando confrontadas com sua incoerência, usam do metro para medir o líquido e se valem do costume de ocultar sua condição privilegiada com justificativas autocomplacentes as mais diversas para manipular a opinião pública. Seria perdoável e não soaria como deboche, se gostassem também de falar para pessoas em desvantagem que não os pressionam para os servir nem conseguem contratar advogados ou ir ao exterior com tudo pago. Todavia, é preciso ter cuidado: condene-se o excesso de autoridades, mas também rechace a revolta cega contra os Poderes da União.

Há uma distinção esquecida. A liberdade de consciência de quem tem responsabilidade pública concerne mais ao seu aspecto sociológico e de conduta protocolar do que ao aspecto filosófico que define o livre-arbítrio. Autoridades que não conseguem fazer as mágoas prescreverem não conseguem tomar decisões corretas que afetam a vida coletiva. Desigualdades injustas e privilégios é que excluem a maioria das classes sociais dos benefícios do progresso de que poucos usufruem. No Judiciário, uma corregedoria judicial externa e ativa, mais do que leis rancorosas, poderia pôr melhor ordem na entrada em cena de autoridades antimodernas desembaraçadas do controle democrático.

Tem sido muito rasa a história brasileira. Não é possível que alguém que seja de esquerda, direita ou centro, ou seja considerado nada por achar que a política e a economia não são necessidades da natureza – aliás, têm sido suas duas maiores inimigas –, veja graça no malabarismo doutrinário que brota de tal ativismo turístico judicial e ministerial.

Um dos maiores gênios da humanidade, frequentador de palácios, morador de castelo, teve 60 mendigos no seu enterro e poderia bem ajudar na reflexão sobre por que valores e princípios ajudam mais à vida do que privilégios. Ninguém tem defesa quando se trata de ofensa aos seus valores. Ofensa que faz pobres, jovens, doentes e os que vivem do trabalho deverem da sua condição muita coisa diante de autoridades que criaram para si uma posição política e intelectual independente para fazerem o que querem.

A corrida desenfreada de juízes a viagens e entrevistas não os faz reformadores, pois com mero jogo de palavras se faz um deformador. Não é preciso ir tão longe para saber que as conferências a que nossas autoridades deveriam ir são as que dão a palavra a quem não fala por dependência pessoal ou os aplaude por interesse. Se é mais que hedonismo, aluguem dos Lamas o Potala e melhor reflitam em Lhasa. Tomar encargo de servir ao País é conciliá-lo com sua melhor e mais alegre natureza, que dá de ombros para náufragos do bom senso a passar recado do estrangeiro como mensagem confiada ao mar numa garrafa.

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