O descompasso entre a urgência climática e o ritmo de ações efetivas ao seu enfrentamento está cada vez mais evidente. Como bem pontuou Candido Bracher em artigo recente, “o ano de 2024 ficará conhecido entre nós como aquele em que se deu a aceleração dos efeitos do aquecimento global em nosso território; o momento em que as advertências se tornaram realidade”. Das secas extremas às enchentes, sentimos na pele as respostas da natureza diante de anos de descaso. Mesmo assim, as lideranças globais estão derrapando na missão de criar uma concertação capaz de induzir atitudes eficazes na mitigação das mudanças climáticas.
Desde a Rio-92, as discussões das COPs têm ganhado escala. Paris foi um marco, quando estabeleceu o limite de aumento da temperatura global abaixo de 2°C até 2100. Foi então que surgiram as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), um indicativo de compromissos por país para que a meta seja cumprida. Transcorrido tanto tempo, as ações se comprovam insuficientes.
A cúpula que estará presente em Baku (Azerbaijão) para a COP-29 tem a obrigação de fazer a lição de casa. Acabou o prazo para convivermos com avanços tímidos, como testemunhamos em Sharm el-Sheikh (Egito) e Dubai (Emirados Árabes).
A Conferência do Clima deste ano tem importantes responsabilidades. O estímulo à transição energética global é prioridade absoluta. Segundo relatório de emissões da ONU de 2023, a geração de energia representa cerca de 86% das emissões de CO₂ no mundo. Também será tratada a meta coletiva global de financiamento climático, mecanismo que prevê unificar fundo de perdas e danos, mitigação, adaptação, entre outros. Essa discussão não pode ser empurrada com a barriga – simples assim.
Ademais, é fundamental operacionalizar o mercado regulado global de carbono, o que poderá dar tração na rota de uma economia descarbonizada. É preciso, afinal, regulamentar o artigo 6 do Acordo de Paris, com especial atenção para o avanço na inclusão das atividades de remoções, previsto no 6.4. A atual crise climática impõe a necessidade de ir além da redução das emissões. Retirar CO₂ da atmosfera é mais que necessário.
Para o Brasil, a COP-29 apresenta dois aspectos fundamentais. É momento de fazer valer seu papel de potência ambiental e influir nas discussões diplomáticas, de modo a evitar que países do norte continuem ditando as regras do jogo. Além disso, Baku é a última estação rumo a Belém 2025.
Para fazermos história na COP-30, urge recuperar o tempo perdido. Precisamos de uma sólida e rápida estruturação do que queremos e do que vamos apresentar ao mundo.
A iniciativa privada tem sido vocal e se colocado à disposição para debater a construção do Plano Clima, assim como para revisar a NDC brasileira. Essas serão as ferramentas que darão as diretrizes para que o País efetive passos firmes em direção à descarbonização.
Incluir os diversos atores sociais nesta discussão é um dos pilares que sustentarão uma trilha bem-sucedida. O governo tem que exercer seu papel de liderança contemporânea, com escuta ativa e coordenação, a fim de elaborar estratégias que fiquem de pé. As metas precisam ser ambiciosas, mas factíveis.
A boa notícia é que, enfim, o projeto de lei do mercado regulado de carbono deve ir à votação no Senado hoje. A expectativa, no entanto, é que as contribuições sugeridas ao longo do processo, em especial nos últimos dias, tenham sido levadas em conta para aperfeiçoamento do texto. Essa construção conjunta é fundamental para que o mecanismo seja íntegro, com regras claras, dialogue com os demais sistemas no planeta e fortaleça o já existente mercado voluntário, importante instrumento para financiar a nascente indústria de restauro florestal de espécies nativas no Brasil.
Esses cenários demonstram que nossa riqueza ambiental tem o potencial de nos colocar na vanguarda das nações que modernizaram seu perfil econômico. Por exemplo, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), além de valorizar nossos ativos naturais, abre uma enorme janela para se levar desenvolvimento e prosperidade a comunidades distantes dos grandes centros. Viabilizar essa oportunidade, no entanto, ainda depende da regulamentação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, em modo de espera desde 2021.
Deve-se reconhecer a relevância de movimentos que iluminam temas especialmente caros ao País, como a introdução da bioeconomia em fóruns como o G-20. Nossa rota para Belém 2025, porém, exige tração e mais rapidez. A começar por uma participação convincente na COP-29, com consequente preparação sólida para a inédita conferência a ser realizada no bioma Amazônia.
Em quadras decisivas como esta, a História pode ser aliada. O Brasil, que teima em repetir erros do passado, pode, desta vez, inspirar-se no sucesso da Rio-92. À época, quando muitos nos viam como pária internacional, revertemos a situação e assumimos um evidente e duradouro protagonismo. A receita: planejamento, ação e resultados concretos; com alguma pitada de ousadia. Não há motivo para agirmos diferente agora. Está em nossas mãos, novamente, fazer acontecer – até porque o tempo não para e as reações do planeta aos descasos são cada vez mais catastróficas e recorrentes.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA, PRESIDENTE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), EX-GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO; EMBAIXADOR, PRESIDENTE DA EMPAPEL E DO ADVISORY COMMITTEE ON SUSTAINABLE FOREST-BASED INDUSTRIES (ACSFI) DA FAO; E ENGENHEIRO, GERENTE DE MUDANÇA DO CLIMA DA IBÁ, DIRETOR DA SOCIEDADE MINEIRA DE ENGENHEIROS