Mais uma vez o País testemunha decisões que adiam a inadiável organização das contas públicas. Apesar do empenho da equipe liderada pelo ministro Fernando Haddad, fica evidente que, no Brasil, a ilusão de que não existe restrição orçamentária está disseminada entre todos os matizes ideológicos, da direita à esquerda, o que explica os recorrentes ciclos de deterioração fiscal entre nós.
Nessa tortuosa jornada, destaco três questões: quem paga as maiores contas dos desarranjos são os mais pobres; cada vez mais encolhe o prazo entre a gastança e seus efeitos; o presente sofre com as consequências do descontrole, mas o futuro é comprometido de forma incontornável.
Expansão desordenada de gastos resulta sempre em inflação, juros altos, baixo crescimento, crise e pobreza, nossos velhos conhecidos. O tradicional expediente de relegar a conta para os sucessores está cada dia mais improvável em função do alto endividamento do País e da pesada carga tributária. O ditado “aqui se faz, aqui se paga” vai-se tornando aplicável às finanças públicas.
Governos endividados fazem não só as atuais como também as próximas gerações reféns das consequências do desinvestimento em segmentos potencialmente transformadores. Não me canso de afirmar que o futuro não é um lugar para onde estamos indo, mas o lugar que estamos construindo agora. Esse fato toma dimensão altamente preocupante frente ao descuido com áreas estratégicas nos avanços socioeconômicos, tais como educação, saúde, pesquisa, ciência e tecnologia, cultura, infraestrutura, sustentabilidade, transição energética, inclusão social, entre outras. Ou seja, precisamos encarar: desorganizar o presente é também comprometer o futuro.
Temos um exemplo histórico nesse sentido: a perda do grau de investimento, em 2015, encareceu o custo de capital tanto para o setor público quanto para o privado, drenando recursos que poderiam incrementar o desenvolvimento socioeconômico.
Exceções à regra da danosa cultura de deslimite fiscal são a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, e a fixação do teto de gastos, em 2016. Há também notáveis experiências mundo afora, assim como em Estados e municípios brasileiros. À frente de gestões no Executivo, tive de liderar três ajustes, a começar pela Prefeitura de Vitória (1993-1996), que havia perdido a capacidade de investimento.
No governo capixaba, foram dois ciclos. No primeiro momento (2003-2010), diante da desorganização e incapacidade do Estado de honrar até mesmo os salários do funcionalismo, o reequilíbrio envolveu os campos da despesa e da receita. De volta ao governo (2015-2018), encontrei os gastos subindo de elevador, enquanto a arrecadação ia de escada, em plena recessão econômica. Já não havia espaço para repetir o movimento anterior. Só restava ajustar a despesa.
Mais uma vez evidenciamos que o equilíbrio nas contas é condição indispensável para a entrega de avanços que melhorem a qualidade de vida da população. Para exemplificar, junto ao ajuste de 2015/2016, o Espírito Santo saiu do 11.º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), alcançando o primeiro lugar nas provas de Português e Matemática; teve a menor mortalidade infantil do Brasil, segundo o IBGE; e a segunda maior expectativa de vida. A estruturação de um ambiente de estabilidade fiscal, reconhecido com a Nota A do Tesouro Nacional, também nos permitiu dar início ao terceiro ciclo da economia espírito-santense, diversificando o rol de atividades, atraindo novos negócios e adensando cadeias produtivas já existentes.
Não há registro de líder que tenha pavimentado, por meio de atalhos, uma trajetória de efetiva realização dos ideais democráticos e republicanos. Negligência com as finanças compromete a capacidade do Estado de prover políticas públicas e suas possibilidades de fomentar e propiciar o desenvolvimento. Nesse script equivocado, todos são penalizados, sobretudo os mais empobrecidos e necessitados de inclusão produtiva. Ou seja, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, realidade que conhecemos durante longos anos de inflação descontrolada.
Cuidar das contas não é o mais fácil, nem o mais simples, muito pelo contrário, mas inexiste alternativa. Já conhecemos os resultados maléficos da desordem fiscal. E, dadas as contingências da nossa realidade, os efeitos colaterais de medidas equivocadas se fazem sentir cada vez mais rapidamente.
As experiências internacionais e no Brasil mostram que uma sequência de governos organizados pode ensejar a evolução consistente e sustentável de políticas públicas transformadoras. Cada adiamento do dever de casa fiscal é um passo atrás na caminhada a ser percorrida. Por isso, torço para que notícias boas como o espetacular saldo da balança comercial no ano passado e a recente avaliação da agência Moody’s, que mudou a perspectiva da avaliação brasileira para “positiva”, estimulem mudanças de atitudes.
Afinal, governo responsável é imprescindível à realização do propósito que deve nortear toda ação política, que é a felicidade dos cidadãos, conforme ensinou Aristóteles. Só cuida dos pobres quem cuida das contas.
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ECONOMISTA, PRESIDENTE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO