Economista e ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|É assustador 4


Chegamos a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as eleições de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4

Por Pedro S. Malan

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

O mesmo artigo comentava que Lula da Silva parecia crer que falava por si só o (autoproclamado) extraordinário sucesso dos governos Lula 1 e Lula 2. A impressão é que pretendia apenas reativar uma memória seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhecia os grandes desafios do presente como também a forma de lidar com eles no futuro. O desejo de um futuro a ser conquistado seria garantido pela memória de um passado perdido.

Chegamos agora a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as cruciais eleições presidenciais de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4. Um sucesso que, em ocorrendo, não deveria ser uma vitória de Pirro, como foi a vitória de Dilma Rousseff em 2014, insistindo em uma política econômica que tinha prazo de validade estampado no rótulo. Em setembro de 2015 seu ministro Aloizio Mercadante afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: “Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando, e, quando chegou o fim da campanha, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas. Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”.

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Lula e o PT não terão mais como falar na “herança maldita” que receberam, como fizeram em 2003. Afinal, o lulopetismo terá ficado no poder nada menos que 72% (17 anos, 3 meses e 10 dias) dos 24 anos que vão de 2003 a 2026. Em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado (30/4/2024), o chefe da Casa Civil afirmou que a execução de mais de 9 mil obras selecionadas pelo governo para o “novo PAC” dependeria de emendas parlamentares, e com isso anotou o crescente protagonismo do Legislativo no controle do Orçamento da União. Segundo Rui Costa, as obras condicionadas às emendas parlamentares compõem o chamado “PAC Seleções”, no qual Estados e municípios indicam suas obras prioritárias. Ao mesmo tempo, ao se referir às 9.285 mil ora “obras”, ora “projetos” selecionados pelo novo PAC, o ministro reconheceu implicitamente a dificuldade que tem o governo de definir com clareza prioridades. E governar, como é ou deveria ser sabido, é fazer escolhas, por vezes difíceis dados os reais conflitos de razão e de interesse.

Mas, além do velho novo PAC, o governo lançou também um programa de neoindustrialização do País, dotado de seis grandes missões e metas aspiracionais. A saber: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia e tecnologias estratégicas. Como essas “missões com metas aspiracionais” se relacionam com o velho novo PAC é incompreensível para a opinião pública, mesmo aquela relativamente bem informada. Uma coisa é certa, no entanto: haverá aumento não desprezível do gasto público. Sua eficácia, sua contribuição para o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da economia no longo prazo não podem ser aferidas no momento, como seria desejável. Dito isso, nossas experiências recentes deixam muito a desejar, nesse particular.

É instigante, e apropriada, a observação de José Murilo de Carvalho, que infelizmente nos deixou há um ano: “O drama do País reside neste contraste entre sonho e realidade, aspirações não acompanhadas de ações adequadas para fazê-las realidade. As pessoas não confiam em seus políticos e em suas instituições, mas fazem pouco para tornar os primeiros mais responsáveis e para mudar para melhor as instituições. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes é dirigida ao domínio privado, seja para se dedicar a seus interesses, seja simplesmente para sobreviver. O social é desconectado do político. Daí o sentimento de frustração, de desapontamento, e a persistência de uma vaga esperança de que um messias possa eventualmente trazer a solução para todos os problemas”.

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É forte o eco que produz essa última frase. Dos nove presidentes eleitos pelo voto popular nos últimos 80 anos, mais da metade apresentavam traços messiânicos e/ou de exacerbado voluntarismo: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Lula e Jair Bolsonaro. (Há quem inclua Juscelino Kubitschek e Dilma na categoria do exacerbado voluntarismo). De civis, restaria Fernando Henrique Cardoso, ao qual o Brasil tanto deve.

*

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

O mesmo artigo comentava que Lula da Silva parecia crer que falava por si só o (autoproclamado) extraordinário sucesso dos governos Lula 1 e Lula 2. A impressão é que pretendia apenas reativar uma memória seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhecia os grandes desafios do presente como também a forma de lidar com eles no futuro. O desejo de um futuro a ser conquistado seria garantido pela memória de um passado perdido.

Chegamos agora a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as cruciais eleições presidenciais de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4. Um sucesso que, em ocorrendo, não deveria ser uma vitória de Pirro, como foi a vitória de Dilma Rousseff em 2014, insistindo em uma política econômica que tinha prazo de validade estampado no rótulo. Em setembro de 2015 seu ministro Aloizio Mercadante afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: “Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando, e, quando chegou o fim da campanha, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas. Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”.

Lula e o PT não terão mais como falar na “herança maldita” que receberam, como fizeram em 2003. Afinal, o lulopetismo terá ficado no poder nada menos que 72% (17 anos, 3 meses e 10 dias) dos 24 anos que vão de 2003 a 2026. Em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado (30/4/2024), o chefe da Casa Civil afirmou que a execução de mais de 9 mil obras selecionadas pelo governo para o “novo PAC” dependeria de emendas parlamentares, e com isso anotou o crescente protagonismo do Legislativo no controle do Orçamento da União. Segundo Rui Costa, as obras condicionadas às emendas parlamentares compõem o chamado “PAC Seleções”, no qual Estados e municípios indicam suas obras prioritárias. Ao mesmo tempo, ao se referir às 9.285 mil ora “obras”, ora “projetos” selecionados pelo novo PAC, o ministro reconheceu implicitamente a dificuldade que tem o governo de definir com clareza prioridades. E governar, como é ou deveria ser sabido, é fazer escolhas, por vezes difíceis dados os reais conflitos de razão e de interesse.

Mas, além do velho novo PAC, o governo lançou também um programa de neoindustrialização do País, dotado de seis grandes missões e metas aspiracionais. A saber: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia e tecnologias estratégicas. Como essas “missões com metas aspiracionais” se relacionam com o velho novo PAC é incompreensível para a opinião pública, mesmo aquela relativamente bem informada. Uma coisa é certa, no entanto: haverá aumento não desprezível do gasto público. Sua eficácia, sua contribuição para o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da economia no longo prazo não podem ser aferidas no momento, como seria desejável. Dito isso, nossas experiências recentes deixam muito a desejar, nesse particular.

É instigante, e apropriada, a observação de José Murilo de Carvalho, que infelizmente nos deixou há um ano: “O drama do País reside neste contraste entre sonho e realidade, aspirações não acompanhadas de ações adequadas para fazê-las realidade. As pessoas não confiam em seus políticos e em suas instituições, mas fazem pouco para tornar os primeiros mais responsáveis e para mudar para melhor as instituições. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes é dirigida ao domínio privado, seja para se dedicar a seus interesses, seja simplesmente para sobreviver. O social é desconectado do político. Daí o sentimento de frustração, de desapontamento, e a persistência de uma vaga esperança de que um messias possa eventualmente trazer a solução para todos os problemas”.

É forte o eco que produz essa última frase. Dos nove presidentes eleitos pelo voto popular nos últimos 80 anos, mais da metade apresentavam traços messiânicos e/ou de exacerbado voluntarismo: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Lula e Jair Bolsonaro. (Há quem inclua Juscelino Kubitschek e Dilma na categoria do exacerbado voluntarismo). De civis, restaria Fernando Henrique Cardoso, ao qual o Brasil tanto deve.

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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

O mesmo artigo comentava que Lula da Silva parecia crer que falava por si só o (autoproclamado) extraordinário sucesso dos governos Lula 1 e Lula 2. A impressão é que pretendia apenas reativar uma memória seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhecia os grandes desafios do presente como também a forma de lidar com eles no futuro. O desejo de um futuro a ser conquistado seria garantido pela memória de um passado perdido.

Chegamos agora a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as cruciais eleições presidenciais de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4. Um sucesso que, em ocorrendo, não deveria ser uma vitória de Pirro, como foi a vitória de Dilma Rousseff em 2014, insistindo em uma política econômica que tinha prazo de validade estampado no rótulo. Em setembro de 2015 seu ministro Aloizio Mercadante afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: “Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando, e, quando chegou o fim da campanha, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas. Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”.

Lula e o PT não terão mais como falar na “herança maldita” que receberam, como fizeram em 2003. Afinal, o lulopetismo terá ficado no poder nada menos que 72% (17 anos, 3 meses e 10 dias) dos 24 anos que vão de 2003 a 2026. Em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado (30/4/2024), o chefe da Casa Civil afirmou que a execução de mais de 9 mil obras selecionadas pelo governo para o “novo PAC” dependeria de emendas parlamentares, e com isso anotou o crescente protagonismo do Legislativo no controle do Orçamento da União. Segundo Rui Costa, as obras condicionadas às emendas parlamentares compõem o chamado “PAC Seleções”, no qual Estados e municípios indicam suas obras prioritárias. Ao mesmo tempo, ao se referir às 9.285 mil ora “obras”, ora “projetos” selecionados pelo novo PAC, o ministro reconheceu implicitamente a dificuldade que tem o governo de definir com clareza prioridades. E governar, como é ou deveria ser sabido, é fazer escolhas, por vezes difíceis dados os reais conflitos de razão e de interesse.

Mas, além do velho novo PAC, o governo lançou também um programa de neoindustrialização do País, dotado de seis grandes missões e metas aspiracionais. A saber: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia e tecnologias estratégicas. Como essas “missões com metas aspiracionais” se relacionam com o velho novo PAC é incompreensível para a opinião pública, mesmo aquela relativamente bem informada. Uma coisa é certa, no entanto: haverá aumento não desprezível do gasto público. Sua eficácia, sua contribuição para o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da economia no longo prazo não podem ser aferidas no momento, como seria desejável. Dito isso, nossas experiências recentes deixam muito a desejar, nesse particular.

É instigante, e apropriada, a observação de José Murilo de Carvalho, que infelizmente nos deixou há um ano: “O drama do País reside neste contraste entre sonho e realidade, aspirações não acompanhadas de ações adequadas para fazê-las realidade. As pessoas não confiam em seus políticos e em suas instituições, mas fazem pouco para tornar os primeiros mais responsáveis e para mudar para melhor as instituições. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes é dirigida ao domínio privado, seja para se dedicar a seus interesses, seja simplesmente para sobreviver. O social é desconectado do político. Daí o sentimento de frustração, de desapontamento, e a persistência de uma vaga esperança de que um messias possa eventualmente trazer a solução para todos os problemas”.

É forte o eco que produz essa última frase. Dos nove presidentes eleitos pelo voto popular nos últimos 80 anos, mais da metade apresentavam traços messiânicos e/ou de exacerbado voluntarismo: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Lula e Jair Bolsonaro. (Há quem inclua Juscelino Kubitschek e Dilma na categoria do exacerbado voluntarismo). De civis, restaria Fernando Henrique Cardoso, ao qual o Brasil tanto deve.

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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

O mesmo artigo comentava que Lula da Silva parecia crer que falava por si só o (autoproclamado) extraordinário sucesso dos governos Lula 1 e Lula 2. A impressão é que pretendia apenas reativar uma memória seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhecia os grandes desafios do presente como também a forma de lidar com eles no futuro. O desejo de um futuro a ser conquistado seria garantido pela memória de um passado perdido.

Chegamos agora a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as cruciais eleições presidenciais de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4. Um sucesso que, em ocorrendo, não deveria ser uma vitória de Pirro, como foi a vitória de Dilma Rousseff em 2014, insistindo em uma política econômica que tinha prazo de validade estampado no rótulo. Em setembro de 2015 seu ministro Aloizio Mercadante afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: “Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando, e, quando chegou o fim da campanha, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas. Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”.

Lula e o PT não terão mais como falar na “herança maldita” que receberam, como fizeram em 2003. Afinal, o lulopetismo terá ficado no poder nada menos que 72% (17 anos, 3 meses e 10 dias) dos 24 anos que vão de 2003 a 2026. Em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado (30/4/2024), o chefe da Casa Civil afirmou que a execução de mais de 9 mil obras selecionadas pelo governo para o “novo PAC” dependeria de emendas parlamentares, e com isso anotou o crescente protagonismo do Legislativo no controle do Orçamento da União. Segundo Rui Costa, as obras condicionadas às emendas parlamentares compõem o chamado “PAC Seleções”, no qual Estados e municípios indicam suas obras prioritárias. Ao mesmo tempo, ao se referir às 9.285 mil ora “obras”, ora “projetos” selecionados pelo novo PAC, o ministro reconheceu implicitamente a dificuldade que tem o governo de definir com clareza prioridades. E governar, como é ou deveria ser sabido, é fazer escolhas, por vezes difíceis dados os reais conflitos de razão e de interesse.

Mas, além do velho novo PAC, o governo lançou também um programa de neoindustrialização do País, dotado de seis grandes missões e metas aspiracionais. A saber: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia e tecnologias estratégicas. Como essas “missões com metas aspiracionais” se relacionam com o velho novo PAC é incompreensível para a opinião pública, mesmo aquela relativamente bem informada. Uma coisa é certa, no entanto: haverá aumento não desprezível do gasto público. Sua eficácia, sua contribuição para o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da economia no longo prazo não podem ser aferidas no momento, como seria desejável. Dito isso, nossas experiências recentes deixam muito a desejar, nesse particular.

É instigante, e apropriada, a observação de José Murilo de Carvalho, que infelizmente nos deixou há um ano: “O drama do País reside neste contraste entre sonho e realidade, aspirações não acompanhadas de ações adequadas para fazê-las realidade. As pessoas não confiam em seus políticos e em suas instituições, mas fazem pouco para tornar os primeiros mais responsáveis e para mudar para melhor as instituições. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes é dirigida ao domínio privado, seja para se dedicar a seus interesses, seja simplesmente para sobreviver. O social é desconectado do político. Daí o sentimento de frustração, de desapontamento, e a persistência de uma vaga esperança de que um messias possa eventualmente trazer a solução para todos os problemas”.

É forte o eco que produz essa última frase. Dos nove presidentes eleitos pelo voto popular nos últimos 80 anos, mais da metade apresentavam traços messiânicos e/ou de exacerbado voluntarismo: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Lula e Jair Bolsonaro. (Há quem inclua Juscelino Kubitschek e Dilma na categoria do exacerbado voluntarismo). De civis, restaria Fernando Henrique Cardoso, ao qual o Brasil tanto deve.

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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM

Retomo neste conturbado agosto de 2024 a série designada por esse infausto título. Porque é assustador o grau de incertezas ora prevalecendo no Brasil, em nossa região – como na tragédia venezuelana, na qual o Brasil se deixou enredar por anos; e no mundo, que se tornou muito mais perigoso nesta terceira década do século 21. O artigo que inaugurou a série, publicado em 13/3/2022, assim se iniciava: “‘É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo.’ A frase de Amos Tversky poderia ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar”.

O mesmo artigo comentava que Lula da Silva parecia crer que falava por si só o (autoproclamado) extraordinário sucesso dos governos Lula 1 e Lula 2. A impressão é que pretendia apenas reativar uma memória seletiva no eleitorado e repetir, com eloquente convicção, que conhecia os grandes desafios do presente como também a forma de lidar com eles no futuro. O desejo de um futuro a ser conquistado seria garantido pela memória de um passado perdido.

Chegamos agora a 600 dias de Lula 3, cerca de 75% do tempo que lhe falta para as cruciais eleições presidenciais de 2026, quando espera que o estado da economia lhe permita assegurar um tão almejado Lula 4. Um sucesso que, em ocorrendo, não deveria ser uma vitória de Pirro, como foi a vitória de Dilma Rousseff em 2014, insistindo em uma política econômica que tinha prazo de validade estampado no rótulo. Em setembro de 2015 seu ministro Aloizio Mercadante afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo: “Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando, e, quando chegou o fim da campanha, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas. Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”.

Lula e o PT não terão mais como falar na “herança maldita” que receberam, como fizeram em 2003. Afinal, o lulopetismo terá ficado no poder nada menos que 72% (17 anos, 3 meses e 10 dias) dos 24 anos que vão de 2003 a 2026. Em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado (30/4/2024), o chefe da Casa Civil afirmou que a execução de mais de 9 mil obras selecionadas pelo governo para o “novo PAC” dependeria de emendas parlamentares, e com isso anotou o crescente protagonismo do Legislativo no controle do Orçamento da União. Segundo Rui Costa, as obras condicionadas às emendas parlamentares compõem o chamado “PAC Seleções”, no qual Estados e municípios indicam suas obras prioritárias. Ao mesmo tempo, ao se referir às 9.285 mil ora “obras”, ora “projetos” selecionados pelo novo PAC, o ministro reconheceu implicitamente a dificuldade que tem o governo de definir com clareza prioridades. E governar, como é ou deveria ser sabido, é fazer escolhas, por vezes difíceis dados os reais conflitos de razão e de interesse.

Mas, além do velho novo PAC, o governo lançou também um programa de neoindustrialização do País, dotado de seis grandes missões e metas aspiracionais. A saber: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia e tecnologias estratégicas. Como essas “missões com metas aspiracionais” se relacionam com o velho novo PAC é incompreensível para a opinião pública, mesmo aquela relativamente bem informada. Uma coisa é certa, no entanto: haverá aumento não desprezível do gasto público. Sua eficácia, sua contribuição para o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da economia no longo prazo não podem ser aferidas no momento, como seria desejável. Dito isso, nossas experiências recentes deixam muito a desejar, nesse particular.

É instigante, e apropriada, a observação de José Murilo de Carvalho, que infelizmente nos deixou há um ano: “O drama do País reside neste contraste entre sonho e realidade, aspirações não acompanhadas de ações adequadas para fazê-las realidade. As pessoas não confiam em seus políticos e em suas instituições, mas fazem pouco para tornar os primeiros mais responsáveis e para mudar para melhor as instituições. Toda a energia e imensa criatividade de que são capazes é dirigida ao domínio privado, seja para se dedicar a seus interesses, seja simplesmente para sobreviver. O social é desconectado do político. Daí o sentimento de frustração, de desapontamento, e a persistência de uma vaga esperança de que um messias possa eventualmente trazer a solução para todos os problemas”.

É forte o eco que produz essa última frase. Dos nove presidentes eleitos pelo voto popular nos últimos 80 anos, mais da metade apresentavam traços messiânicos e/ou de exacerbado voluntarismo: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor, Lula e Jair Bolsonaro. (Há quem inclua Juscelino Kubitschek e Dilma na categoria do exacerbado voluntarismo). De civis, restaria Fernando Henrique Cardoso, ao qual o Brasil tanto deve.

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Opinião por Pedro S. Malan

Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC.

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