Em 15 de abril o Poder Executivo apresenta ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deverá orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual para o ano de 2025 e compreender – assim reza a Constituição federal – as metas e prioridades da Administração Pública Federal.
Há neste governo quem defenda que se poderia, talvez, introduzir na LDO uma forma de dar curso à revisão de ações públicas, medindo sua eficiência. Trata-se de discussão da maior relevância. Em artigo publicado neste espaço em fevereiro passado, o ex-ministro José Serra deu importante contribuição ao debate sobre finanças públicas no Brasil ao propor a adoção entre nós de um processo sistemático e transparente de revisão do gasto público, que conversaria bem com o “novo” arcabouço fiscal e com as regras, combalidas, mas que resistem ainda após 24 anos de vigência, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Trata-se das iniciativas de spending reviews: revisões sistemáticas da composição e da qualidade dos gastos públicos que permitam maior eficiência nos gastos, economias orçamentárias ou reduções em certos gastos; e, com isso, produzam espaço fiscal para novas prioridades. Iniciativas que assegurem conexão efetiva do processo de avaliação com o processo orçamentário, em busca de mais eficiência econômica na provisão de serviços públicos. Em 2018, 27 dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adotavam processo dessa natureza, com esses objetivos. (É de autoria de José Serra, então senador, projeto de lei complementar que institui o Plano de Revisão Periódica para o Gasto Público. A proposta, aprovada no Senado e ora sob análise da Câmara dos Deputados, talvez pudesse contar com o apoio firme do governo atual, dada a sua importância para o País e seu futuro.)
Em artigo publicado neste espaço em 11/9/2016, sob o título Herança não reconhecida, comentei declaração da então presidente Dilma Rousseff, feita poucos dias (7/11/2014), após sua reeleição: “Ao longo do governo, você descobre (...) várias contas que podem ser reduzidas (...); o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar (...)”. Surpreendentes palavras, tardias, sem dúvida, para quem passara cinco anos e meio como ministra-chefe da Casa Civil e mais quatro anos na própria Presidência da República. Os jornais registraram também o recado complementar da presidente: “Estou dizendo que vou manter emprego e renda. Ponham na cabeça isso”. Os brasileiros de boa informação e memória sabem o que aconteceu numa e noutra área em 2015 e 2016, no segundo mandato de Dilma.
Um estudo recente do Tesouro Nacional representa significativa contribuição para este importante debate. O Relatório de Projeções Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional ousou olhar para além do ano de 2026 (foco da área política do governo) e projetou ano a ano, para os próximos dez anos (2024-2033), a evolução do que chamou de “despesas discricionárias rígidas” e “demais discricionárias”. O relatório mostra que, pós-2026, o espaço para as demais discricionárias reduz-se contínua e significativamente, e praticamente desaparece depois de 2030. Alguém dirá – mas não deveria – que isso está muito longe ainda e que até lá serão tomadas medidas apropriadas para remediar o problema.
Em artigo recente publicado no jornal O Globo (Aprender com os erros e acertos, 26/2/2024), Ricardo Henriques comenta os sérios problemas gerados pela expansão do Fies, cujo alcance passou de 133 mil beneficiados, em 2009, para 1,3 milhão, no ano eleitoral de 2014. O autor corretamente aponta: “O presidente Lula sempre reitera que a educação precisa ser vista como investimento, e não gasto. Para isso, contudo, é necessário aliar precisão e pragmatismo no desenho, competência na implementação, e um contínuo monitoramento e avaliação – regular e criteriosa – dos resultados, condição incontornável para aferir qualidade do gasto público”. (Recomendo, a propósito, a leitura do imperdível livro organizado por Marcos Mendes Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil.) Há que aprender com os nossos próprios erros (e acertos).
Como escreveu Ken Rogoff, “nenhum fator de risco é mais perigoso para uma moeda do que a recusa a enfrentar as realidades fiscais”. É também Rogoff quem faz a observação e o fundamental alerta: “É lamentável que neste debate sobre os limites das ações do governo haja muito pouca discussão sobre como fazer do governo um provedor de serviços eficientes. Aqueles que desejam um papel mais amplo do setor público fortaleceriam sua posição se estivessem preocupados em encontrar formas de fazer o setor público mais eficaz”. Não creio que isso fosse impopular, especialmente quando o foco fosse em saúde, educação e segurança pública. Esperemos que ao longo dos próximos meses, até as eleições de 2024 e, especialmente, de 2026, seja possível aprofundar esta discussão entre nós. E, na busca das convergências possíveis, fazê-la parte da agenda dos candidatos ao Executivo (nos três níveis) e ao Legislativo, em particular a Câmara e o Senado.
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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM