“It is the business of the future to be dangerous” (é o negócio do futuro ser perigoso) escreveu o grande matemático e filósofo Alfred Whitehead em 1926. Tempos atrás, cometi a ousadia de parafrasear o autor na forma “o futuro tem por ofício ser incerto”, porque penso que incerteza engloba não só perigos, como também imprevisibilidades, sonhos, expectativas e oportunidades que o futuro sempre encerra. Este artigo explora certas imprevisibilidades – e possibilidades – do futuro neste sexto e problemático mês do governo Lula 3.
Começo com o conselho de um grande investidor americano, Howard Marks: “Você pode não conhecer o futuro, mas é bom que tenha uma boa ideia sobre onde você se encontra” (you may not know the future, but you would better have a good idea of where you are). Sempre achei que esse conselho se aplica não apenas a pessoas, mas também a empresas, a países e ao mundo.
Em imperdível e longa matéria publicada na The Economist e em português neste jornal (20/5/2023), Henry Kissinger apresenta três lições a “aspirantes a líder”. A primeira: “Identifique onde você está”. E acrescenta a palavra-chave: impiedosamente (pitilessly). O que deveria englobar a compreensão de como e por que se chegou até o momento atual – base para vislumbrar futuros possíveis.
Os conselhos de Marks e Kissinger aplicam-se a Lula e seu “núcleo duro”, que deveriam estar impiedosamente avaliando a situação em que se encontram – e olhando à frente, com foco na governabilidade, para os cruciais 18 meses à frente, até outubro de 2024. Já em 2021, Marcos Mendes concluiu artigo (FSP, 3/12) com sugestões ao presidente da República a ser eleito em outubro de 2022: “Ou Vossa Excia. constrói e controla uma coalizão majoritária no Congresso ou alguém vai construí-la e inviabilizará o seu governo. E Vossa Excia. já terá um ponto de partida ruim, tendo de desfazer os erros que ora se acumulam”. Mendes não precisou lembrar ao futuro presidente que a composição do Congresso Nacional para a legislatura que se iniciaria (2023-2026) já estaria definida desde o primeiro turno. E que os então incumbentes teriam sobre novos candidatos a enorme vantagem decorrente dos bilionários Fundos Eleitoral e Partidário, bem como das crescentes emendas parlamentares transferindo maior poder ao Legislativo em matéria orçamentária.
A propósito, em excelente artigo recente (Governos e coalizões, FSP, 5/6), Marcus André Melo nota uma característica de nosso fragmentado sistema de presidencialismo multipartidário com partidos não programáticos: “Partidos diferentes ocupando o Executivo e Legislativo decorrem de suas bases eleitorais serem diferentes, e a estrutura de incentivos com que se deparam, radicalmente distinta. Para os deputados, a sobrevivência política é função dos recursos que alimentam redes locais via ministérios, cargos no segundo escalão e emendas orçamentárias. Para o presidente, ela é nacional e de outra natureza: ele (a) é punido (a) ou premiado (a) por desempenho econômico e políticas redistributivas”. O alinhamento entre incentivos tão díspares, nota o autor, não é orgânico. “Há espaço para ganhos de troca, embora o resultado social líquido seja marcado por grande ineficiência alocativa.”
Agora, o segundo conselho de Kissinger: defina objetivos capazes de agregar (enlist, no original) as pessoas. “Encontre meios que sejam enunciáveis (describable means, no original) para alcançar esses objetivos.” Esse conselho é particularmente relevante para o Brasil no momento atual. É importante, na expressão, o describable, porque não bastará enunciar uma longa lista de objetivos desejáveis, sem a preocupação de descrever os meios para alcançá-los. É na identificação destes que surgem os difíceis trade-offs.
O terceiro e último conselho de Kissinger para aspirantes a líder com pretensões de protagonismo global é também particularmente significativo para o Brasil de hoje, que tem claras (e legítimas) pretensões na arena global e que exercerá a presidência do G-20 em 2024. O conselho é: “Ligue tudo isto aos seus objetivos domésticos, sejam eles quais forem”. Afinal, o prestígio, a voz, a influência e o protagonismo de um país no mundo dependem fundamentalmente de sua capacidade de mostrar a si próprio, à sua região, e ao mundo que está sendo capaz de equacionar os seus numerosos problemas domésticos nas áreas econômica, social, ambiental e político-institucional.
A frase de Whitehead que citei no início tem uma importante segunda parte: “(...) and it is among the merits of Science that it equips the future for its duties” (e está entre os méritos da Ciência equipar o futuro para seus deveres). Os países mais bem-sucedidos do mundo foram aqueles que entenderam, ainda que em momentos históricos distintos, que seu desenvolvimento de longo prazo dependeria da força propulsora dada por educação de qualidade e facilitação de avanços científicos, tecnológicos e inovações que permitissem aumentos de produtividade e capacidade de inserção internacional. São estes os elementos que, em última análise, asseguram o desenvolvimento econômico social sustentável no longo prazo de qualquer país. O Brasil não é – e não será – exceção.
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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM