A expansão das apostas esportivas e dos jogos online no Brasil levou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a pedir uma medida radical contra essas modalidades de jogatina que tanto mal fazem ao País. O chefe do Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para que essas atividades voltem ao status de ilícitos penais, conforme previa a Lei das Contravenções Penais, de 1941 – status que nunca deveriam ter perdido.
A iniciativa é mais uma entre tantas após virem à tona os riscos dos jogos online. Já está provado que a jogatina afeta a saúde mental, degrada relações familiares, dilapida o patrimônio e aumenta o endividamento, dada a promessa de retorno financeiro fácil, além de escamotear ações do crime organizado, como a lavagem de dinheiro. Mas o Congresso e o governo Lula da Silva parecem ter ignorado todos esses perigos ao focar na arrecadação de impostos desse mercado bilionário.
Gonet traz ao debate argumentos jurídicos sobre este mais novo problema brasileiro. Pela primeira vez, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifesta no STF contra essa barbeiragem legislativa patrocinada por deputados e senadores com o aval, ou a omissão, do presidente da República. O problema não surgiu hoje, e a bomba armada há anos explodiu agora.
O procurador-geral defende a inconstitucionalidade de trechos da Lei 13.756, de 2018, que chegou ao Congresso como medida provisória sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública e, por meio de um “jabuti”, liberou, na prática, as apostas online no País; e de quase totalidade da Lei 14.790, de 2023, que tentou trazer alguma racionalidade à regulação do setor, mas falhou. Pede ainda a derrubada de portarias do Ministério da Fazenda que regulamentam esse mercado. Em bom português, nada do que foi feito pelo Congresso e pelo Executivo serviu para conter os danos causados pelas bets.
Em 97 páginas, Gonet lista doutrinas, jurisprudência e estudos que reforçam as críticas contra os males da jogatina. Segundo ele, faltam a todas essas normas mecanismos para proteger minimamente “direitos fundamentais, bens e valores constitucionais”. E, da forma como o arcabouço legal foi arquitetado, não há a proteção da dignidade humana, dos direitos sociais à saúde e à alimentação, dos direitos dos consumidores, do direito de propriedade e dos direitos da criança e do adolescente. Há ainda choque com os princípios da ordem econômica, do mercado interno e do dever de proteção do Estado da unidade familiar. Em suma, sem mitigação, leis e portarias afrontam a Constituição de cima a baixo.
Essas normas, para Gonet, mostraram-se insuficientes por serem permissivas com a “publicidade ostensiva e predatória” das casas de aposta, que oferecem “produtos de alto risco para a saúde”. Tem razão: basta ligar a TV ou assistir a uma partida de futebol para constatar a insaciável busca de apostadores. Ademais, por ser serviço público, essas atividades, segundo Gonet, deveriam ser outorgadas por concessão ou permissão, precedida de licitação. Hoje, basta autorização do Ministério da Fazenda.
E uma crítica ao excesso de delegação de poder ao Executivo permeia boa parte da fundamentação do procurador-geral. Segundo ele, houve violação do princípio da reserva legal – quando determinados temas devem ser regulados apenas por lei – a partir do momento em que os legisladores transferiram muitas prerrogativas a outro Poder. Chamou, assim, deputados e senadores a assumirem seu trabalho de legislar com mais diligência sobre o tema, o que, como se viu, não ocorreu.
Embora peça que as bets e apostas como o “jogo do tigrinho” voltem para a ilegalidade, Gonet ressalta na ADI que “não se quer afirmar que o sistema de apostas virtuais é, em si mesmo, de impossível conciliação com o arcabouço da Constituição”, desde que, claro, regras eficientes amplamente debatidas no Congresso prevejam mecanismos de proteção ao cidadão. Eis uma boa oportunidade para a correção de um grave erro.