Mais da metade da população (52,9%) da Argentina encontrava-se em situação de pobreza no primeiro semestre de 2024, de acordo com um levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), o primeiro sob a gestão do anarcocapitalista Javier Milei. Presidente há menos de um ano, Milei vem promovendo um duro ajuste econômico, amargo e necessário, segundo ele, para que o país saia da decadência econômica de décadas. No entanto, sem sinais de melhora visíveis para a população, além dos efeitos colaterais nada desprezíveis como o aumento da pobreza, as medidas de Milei podem perder o fundamental apoio do Congresso, sem o qual o plano para “salvar” o país acabará, como tantos outros, deixando apenas um rastro de miséria reciclada.
Vítimas da incompetência de diversos governos, os argentinos, talvez mais por desespero que por convicção, confiaram a Milei o posto de presidente, que ele ocupa desde dezembro de 2023. O excêntrico mandatário vem cumprindo o que prometeu: cortes drásticos de gastos e de subsídios, além da desvalorização da moeda, o peso. Mas, se antes Milei afirmava que o ajuste seria complicado e cobraria um alto preço da população, agora já adota a surrada fórmula de torturar números negativos para deles extrair uma realidade mais rósea, culpando administrações anteriores pelo sacrifício que ele impôs aos argentinos.
Sacrifício que, demonstra o Indec, vem sendo feito e sentido, e é esse sentimento da população que complica a posição de Milei. Embora, com alguma razão, ele atribua as mazelas do país aos governos peronistas, o brutal ajuste econômico que os argentinos encaram agora é obra dele. Ninguém disse que seria fácil, e Milei era dos primeiros a afirmar isso. Diante da crueza dos fatos, porém, ele age como legítima liderança populista latino-americana, culpando os governos anteriores por absolutamente tudo.
Apesar de uma melhora nas previsões de inflação na Argentina, elas ainda seguem estratosféricas em relação ao resto do mundo (130% em 2024, segundo o BBVA). Ademais, o fim de subsídios e benefícios sociais joga na pobreza cada vez mais argentinos, que em outros tempos desfrutavam de elevado padrão de vida.
Enquanto Milei vociferava contra o comunismo e a agenda de desenvolvimento da ONU em sua estreia na Assembleia Geral do organismo multilateral, o apoio ao partido dele, Libertad Avanza, perdia força. Se as eleições legislativas de 2025 fossem agora, o partido obteria 29,5% dos votos, segundo pesquisa da Pulso Research – em maio, o porcentual era de 34,8%. Já os kirchneristas avançaram de 17% para 20,4%.
A pobreza em alta e a falta de perspectiva de dias melhores podem reconduzir os argentinos, acostumados a protestar como poucos povos no mundo, às ruas, embora Milei, para contrariedade do papa Francisco, tenha se cercado de medidas que coíbem manifestações.
Enquanto a pobreza aumenta, a popularidade de Milei cai. Até agora, só a retórica incendiária do presidente segue inabalada. Não parece o suficiente para garantir apoio nem do Congresso nem da população.