Antes de o governo Lula da Silva enviar ao Congresso o projeto com o novo desenho do Auxílio Gás, com a meta de quadruplicar o benefício dos atuais R$ 3,4 bilhões para R$ 13,6 bilhões no ano eleitoral de 2026, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) havia advertido que a fórmula usada para suprimir essas despesas do cálculo fiscal poderia torná-las “irregulares e lesivas ao patrimônio público”. A área técnica do Ministério da Fazenda também fez ressalvas ao modelo diante do potencial de incentivo a fraudes. Por fim, a Consultoria de Orçamentos da Câmara alertou para a violação constitucional que representa o pagamento de despesas à margem do processo orçamentário.
Com tantos e tão explícitos avisos – revelados pelo Estadão com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação –, é lícito questionar por que, afinal, o governo ignorou tudo isso e enviou o projeto ao Congresso para votação em regime de urgência.
Ante a repercussão negativa, o regime de urgência foi retirado, mas o problema continua. Na ausência de qualquer lógica – ainda mais por estar tão fresca na memória nacional a contabilidade criativa do governo Dilma Rousseff, que levou ao impeachment da petista –, resta concluir que, como na fábula do escorpião e do sapo, em que o primeiro mata o segundo porque esta é, afinal, sua natureza, o lulopetismo simplesmente não consegue ser responsável.
As irregularidades são flagrantes. Criar um caminho alternativo para que o dinheiro para concessão do auxílio seja repassado por empresas de petróleo diretamente à Caixa, para bancar o fornecimento e distribuidoras de botijão de gás, dribla o Orçamento tanto no sentido das receitas quanto no das despesas.
Os recursos para o programa, rebatizado de Gás para Todos, provêm de contribuição para o Fundo Social do Pré-sal. Portanto, o governo estaria renunciando a essa receita no Orçamento. O uso da Caixa como agente repassador do benefício, por sua vez, faria a despesa desaparecer do Orçamento, como mágica. Daí se explica o fato de o governo ter enviado o Orçamento de 2025 com um corte de 84% na verba para o Auxílio Gás.
A irresponsabilidade fiscal travestida de política social, que é uma marca do PT, ignora que a solvência das contas públicas não é um capricho, e sim condição indispensável para a redução das desigualdades sociais. Em contraponto, a engenhosidade contábil que por vias tortuosas tenta criar mais espaço para a farta partilha de dinheiro público com fins eleitorais é um passaporte para a insolvência e a recessão.
Além disso, o novo modelo embute um grande risco de fraudes, como a revenda de botijões por beneficiários do programa ou operações fictícias entre revendedores e beneficiários, como consta da nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda. A advertência não impediu o envio do projeto ao Legislativo, com as assinaturas dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
O regime de urgência, que havia sido solicitado pelo Executivo, é adotado em matéria de inadiável interesse e, por isso, impõe deliberação imediata, dispensando alguns ritos processuais, como a tramitação em algumas comissões. Depois da retirada do pedido, o ministro Haddad declarou que a proposta pode ser redesenhada.
Mas ainda há integrantes do governo que consideram válida a manobra para turbinar o Auxílio Gás evitando os freios do arcabouço fiscal. É o caso do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, que defende o uso do Fundo Social do Pré-Sal na operação do programa pela Caixa. “Isso aqui é ou não social?”, indagou o ministro, petista histórico. É o caso de lembrar ao ministro que sob nenhum pretexto a Constituição brasileira pode ser desrespeitada. E ela determina que todas as receitas e despesas federais devem constar da Lei Orçamentária Anual para garantir transparência e controle no uso dos recursos públicos.