O País conseguiu vencer os obstáculos que travavam a reforma tributária nesta semana. Foram mais de 35 anos até que o Legislativo desse aval a uma proposta que havia se tornado um folclore no noticiário nacional, um feito e tanto e uma vitória a ser muito celebrada por toda a sociedade.
O texto havia recebido apoio da maioria da Câmara em julho, na primeira etapa de tramitação. Em novembro, os senadores deram 53 votos a favor e 24 contra, mas modificaram trechos da reforma e devolveram a proposta para uma última apreciação dos deputados.
Foram necessários mais de 30 dias até que se chegasse a um acordo sobre o texto final. E numa sexta-feira, dia de votações tradicionalmente esvaziadas no Legislativo, os deputados aprovaram o texto por 371 votos a favor e 121 contra no primeiro turno de votação e por 365 a 118 no segundo.
A ampla margem de apoio a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode dar a falsa impressão de que o texto era consensual. Mas o que unia a todos era o reconhecimento da necessidade de abandonar um modelo que deu ao País o título de pior sistema tributário do mundo: arcaico, confuso, cumulativo, regressivo e absolutamente injusto.
A despeito dessa convicção, todas as tentativas anteriores de reformar o sistema tributário acabaram frustradas. Esbarrou-se, ao longo desse longo caminho, na resistência dos Estados produtores, de setores privilegiados e da própria União em dar sua contribuição para encerrar o manicômio tributário. Há que reconhecer, portanto, os acertos que levaram a esse verdadeiro feito histórico.
Em vez de buscar protagonismo próprio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acertadamente escolheu apoiar uma proposta que já tramitava no Congresso desde 2019. Nomeou como secretário extraordinário da reforma tributária na pasta o economista Bernard Appy, que dedicou muitos anos de sua vida ao estudo do tema.
Não teria sido possível avançar sem o apoio dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na Câmara, o texto voltou à relatoria de Aguinaldo Ribeiro (PP-AL), que já estava familiarizado com a PEC desde o início. No Senado, a escolha do senador Eduardo Braga (MDB-AM) para a relatoria foi essencial, dado que a reforma não avançaria sem garantia de apoio à Zona Franca de Manaus.
Acolher as sugestões dos senadores, que defendiam um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual em vez de um IVA único da proposta da Câmara, e manter o Simples Nacional também foram gestos políticos corretos rumo à reforma possível. A reforma ideal, como se sabe, jamais seria aprovada.
Os críticos da proposta certamente apontarão todos os tratamentos especiais que a reforma manteve ou criou. Mas até nisso o texto final saiu melhor que o esperado, ao excluir os setores de saneamento, rodovias, telecomunicações, transporte aéreo e micro e minigeração de energia do rol dos que terão direito a regimes específicos. Muitas das desconfianças em relação à alíquota final do novo IVA foram dirimidas com essas mudanças corajosas que os deputados assumiram na reta final da votação.
A despeito de todas as exceções que permaneceram, haverá um número muito menor de alíquotas, o que é um ganho e tanto em termos de transparência e conformidade. O sistema de devolução de crédito pleno será revolucionário para a produtividade e a eficiência de uma economia que se acostumou a pagar tributo sobre tributo.
O governo ainda enviará os projetos de leis complementares para regulamentar a reforma. Eles precisarão ser acompanhados com atenção para não deturpá-la, em especial a cesta básica nacional. No médio e longo prazos, a União terá de encontrar receitas para abastecer os quatro fundos para compensar os Estados pelas mudanças, mas o fim da guerra fiscal é um ganho que não pode ser menosprezado.
A mudança de paradigma trazida pela reforma, comparável ao Plano Real e ao controle da inflação, ainda levará tempo para ser compreendida, mas tem tudo para conduzir a uma nova etapa de desenvolvimento e crescimento econômico, como a sociedade anseia e merece há muito tempo.