A defesa obstinada de privilégios classistas, prática afrontosa à própria ideia de República, é um dos traços distintivos de muitas associações representativas de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Em março deste ano, voltou a tramitar no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2013, que restabelece o pagamento do quinquênio, também chamado de adicional por tempo de serviço, a juízes e promotores. O quinquênio é um aumento automático de 5% dos vencimentos pagos a esses servidores a cada cinco anos de trabalho. A regalia fora extinta para servidores do Poder Executivo em 1999 e para membros do Poder Judiciário e do Ministério Público em 2005.
Como a PEC 63/2013 não foi apreciada pelos senadores, e ainda não foi definida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma data para a votação, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), com pressa, achou que era o caso de procurar o Conselho da Justiça Federal (CJF) para garantir o pagamento do mimo antirrepublicano aos seus associados.
Composto por membros da própria Justiça Federal – portanto, potenciais beneficiários da decisão –, o CJF, ora vejam, acolheu o pedido da Ajufe e autorizou a volta do quinquênio. Prevaleceu a tese da desembargadora Mônica Sifuentes, presidente do Tribunal Regional Federal da 6.ª Região (TRF-6), de que a regalia não poderia ter sido cancelada para juízes que tivessem um alegado “direto adquirido” ao quinquênio antes da decisão do Conselho Nacional de Justiça que acabou com este e outros privilégios da magistratura.
O próprio CJF admite não ter uma estimativa do impacto financeiro de sua decisão, o que é revelador de sua irresponsabilidade no trato dos recursos dos contribuintes quando o que está sobre a mesa é o interesse particular de uma casta de servidores públicos. Mas um consultor legislativo do Senado, Luiz Alberto dos Santos, calculou, a pedido do Estadão, que um juiz federal empossado em 1995, por exemplo, poderá receber nada menos que R$ 2 milhões em quinquênios atrasados, corrigidos pela inflação. É um descalabro.
Está tudo errado na decisão tomada pelo CJF, desde a imoralidade do julgado, um inequívoco sinal de que parte dos membros do Poder Judiciário vive alheia à realidade do País, até aspectos formais relacionados à própria competência do colegiado administrativo para esse tipo de decisão. O CJF, vale lembrar, é um órgão de supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal, com poderes correcionais sobre atos dos servidores. Qualquer decisão fora disso, sobretudo a autoconcessão de vantagens financeiras, é uma exorbitância.
Em um país com milhões de brasileiros desempregados e passando fome, gente que depende da caridade alheia para fazer uma refeição, já seria aberrante escrever na Constituição que uma elite de servidores tem direito a um benefício pecuniário apenas por ter permanecido na função a cada cinco anos. Muito pior quando essa decisão é tomada não por representantes da sociedade e da Federação, mas por representantes dos próprios beneficiários. Isso não pode prosperar.