Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|A decisão do Copom por 5 a 4 e o quadro fiscal


Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal

Por Roberto Macedo
Atualização:

Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.

A questão fiscal é a mais importante, pois envolve enorme desequilíbrio e dificuldades políticas na correção dela, em particular uma visão distorcida dos interesses e objetivos do Executivo e do Legislativo. Quanto a essa questão o colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou convergência, pois reafirmou a relevância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. E a relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”.

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Entendo esse recado como dirigido ao presidente Lula da Silva, que continua adepto da gastança, e ao Congresso, que combina interesses próprios dos parlamentares e de grupos que os apoiam e/ou pressionam em defesa de privilégios patrimonialistas, e do que rola no varejo da política municipal, em que as custosas emendas parlamentares funcionam como mecanismo de cooptação para a futura reeleição de parlamentares. Com isso, o objetivo de um bem mais forte crescimento do PIB fica em segundo ou nenhum plano, o mesmo ocorrendo com a eficaz gestão fiscal que isso exigiria.

Passando à enorme questão fiscal, ela foi recentemente ressaltada por um gráfico postado no X (ex-Twitter) pelo economista Marcos Cintra. Mostra o resultado nominal do setor público consolidado em 12 meses, de janeiro de 2018 a março de 2024. O resultado nominal dá o desfecho final das contas públicas enquanto o resultado primário exclui juros da dívida desse cálculo. Em todo esse período o resultado é de déficit, o que aumenta o endividamento, o que é usual em quase todos os países. Mas o que chama a atenção no Brasil é o tamanho do déficit, que nesse período cresceu fortemente em 2020 com os gastos envolvidos no combate aos efeitos da covid. No final de 2019 esse déficit estava perto de R$ 400 bilhões, e em janeiro de 2021 situou-se bem perto de R$ 1 trilhão (!), cerca de 10% (!) do PIB. Em março de 2022 havia se recuperado e estava em cerca de R$ 300 bilhões, mas a partir daí voltou a cair e em março deste ano chegou de novo a bem perto de R$ 1 trilhão (!), desta vez impulsionado por juros da dívida mais elevados, e por mais gastos inclusive fora do arcabouço fiscal, como o pagamento de precatórios e a tal PEC da transição.

Aqui no Brasil, ao contrário da maioria dos países, o resultado nominal recebe dos analistas e da mídia muito menor atenção do que o resultado primário, este de menor tamanho, e deveria ocupar um espaço pelo menos equivalente, pois é o que tem o impacto final no endividamento. Creio que o governo também prefere essa ênfase no resultado primário pois aí seu déficit é bem menor. Um superávit primário reduziria esse endividamento, mas também é deficitário (-1,6% do PIB em 2023).

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O governo federal insiste em aumentar receitas para superar suas dificuldades fiscais. Mas esse aumento traz também suas inconveniências. Uma, pouco percebida, é que ele absorve mais recursos do setor privado, e o governo investe em formação de capital menos do que esse setor, prejudicando o crescimento econômico. Outra é que há despesas vinculadas ao aumento de receita, como no caso das de saúde e educação, o que eleva também os gastos. Analistas vêm insistindo na necessidade de reduzir essa vinculação.

Também defendo isso, mas as dificuldades políticas em contrário são enormes, pois há a oposição do próprio partido do governo, o PT. Também seria necessário fazer cortes de despesas, o que também sofreria essa oposição. Exemplo disso é a ideia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de desvincular os aumentos reais do salário mínimo dos benefícios previdenciários, muito criticada pela base política do governo. E certamente será muito difícil contar com o apoio do presidente Lula para sua aprovação.

E assim a coisa vai. Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.

A questão fiscal é a mais importante, pois envolve enorme desequilíbrio e dificuldades políticas na correção dela, em particular uma visão distorcida dos interesses e objetivos do Executivo e do Legislativo. Quanto a essa questão o colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou convergência, pois reafirmou a relevância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. E a relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”.

Entendo esse recado como dirigido ao presidente Lula da Silva, que continua adepto da gastança, e ao Congresso, que combina interesses próprios dos parlamentares e de grupos que os apoiam e/ou pressionam em defesa de privilégios patrimonialistas, e do que rola no varejo da política municipal, em que as custosas emendas parlamentares funcionam como mecanismo de cooptação para a futura reeleição de parlamentares. Com isso, o objetivo de um bem mais forte crescimento do PIB fica em segundo ou nenhum plano, o mesmo ocorrendo com a eficaz gestão fiscal que isso exigiria.

Passando à enorme questão fiscal, ela foi recentemente ressaltada por um gráfico postado no X (ex-Twitter) pelo economista Marcos Cintra. Mostra o resultado nominal do setor público consolidado em 12 meses, de janeiro de 2018 a março de 2024. O resultado nominal dá o desfecho final das contas públicas enquanto o resultado primário exclui juros da dívida desse cálculo. Em todo esse período o resultado é de déficit, o que aumenta o endividamento, o que é usual em quase todos os países. Mas o que chama a atenção no Brasil é o tamanho do déficit, que nesse período cresceu fortemente em 2020 com os gastos envolvidos no combate aos efeitos da covid. No final de 2019 esse déficit estava perto de R$ 400 bilhões, e em janeiro de 2021 situou-se bem perto de R$ 1 trilhão (!), cerca de 10% (!) do PIB. Em março de 2022 havia se recuperado e estava em cerca de R$ 300 bilhões, mas a partir daí voltou a cair e em março deste ano chegou de novo a bem perto de R$ 1 trilhão (!), desta vez impulsionado por juros da dívida mais elevados, e por mais gastos inclusive fora do arcabouço fiscal, como o pagamento de precatórios e a tal PEC da transição.

Aqui no Brasil, ao contrário da maioria dos países, o resultado nominal recebe dos analistas e da mídia muito menor atenção do que o resultado primário, este de menor tamanho, e deveria ocupar um espaço pelo menos equivalente, pois é o que tem o impacto final no endividamento. Creio que o governo também prefere essa ênfase no resultado primário pois aí seu déficit é bem menor. Um superávit primário reduziria esse endividamento, mas também é deficitário (-1,6% do PIB em 2023).

O governo federal insiste em aumentar receitas para superar suas dificuldades fiscais. Mas esse aumento traz também suas inconveniências. Uma, pouco percebida, é que ele absorve mais recursos do setor privado, e o governo investe em formação de capital menos do que esse setor, prejudicando o crescimento econômico. Outra é que há despesas vinculadas ao aumento de receita, como no caso das de saúde e educação, o que eleva também os gastos. Analistas vêm insistindo na necessidade de reduzir essa vinculação.

Também defendo isso, mas as dificuldades políticas em contrário são enormes, pois há a oposição do próprio partido do governo, o PT. Também seria necessário fazer cortes de despesas, o que também sofreria essa oposição. Exemplo disso é a ideia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de desvincular os aumentos reais do salário mínimo dos benefícios previdenciários, muito criticada pela base política do governo. E certamente será muito difícil contar com o apoio do presidente Lula para sua aprovação.

E assim a coisa vai. Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.

A questão fiscal é a mais importante, pois envolve enorme desequilíbrio e dificuldades políticas na correção dela, em particular uma visão distorcida dos interesses e objetivos do Executivo e do Legislativo. Quanto a essa questão o colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou convergência, pois reafirmou a relevância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. E a relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”.

Entendo esse recado como dirigido ao presidente Lula da Silva, que continua adepto da gastança, e ao Congresso, que combina interesses próprios dos parlamentares e de grupos que os apoiam e/ou pressionam em defesa de privilégios patrimonialistas, e do que rola no varejo da política municipal, em que as custosas emendas parlamentares funcionam como mecanismo de cooptação para a futura reeleição de parlamentares. Com isso, o objetivo de um bem mais forte crescimento do PIB fica em segundo ou nenhum plano, o mesmo ocorrendo com a eficaz gestão fiscal que isso exigiria.

Passando à enorme questão fiscal, ela foi recentemente ressaltada por um gráfico postado no X (ex-Twitter) pelo economista Marcos Cintra. Mostra o resultado nominal do setor público consolidado em 12 meses, de janeiro de 2018 a março de 2024. O resultado nominal dá o desfecho final das contas públicas enquanto o resultado primário exclui juros da dívida desse cálculo. Em todo esse período o resultado é de déficit, o que aumenta o endividamento, o que é usual em quase todos os países. Mas o que chama a atenção no Brasil é o tamanho do déficit, que nesse período cresceu fortemente em 2020 com os gastos envolvidos no combate aos efeitos da covid. No final de 2019 esse déficit estava perto de R$ 400 bilhões, e em janeiro de 2021 situou-se bem perto de R$ 1 trilhão (!), cerca de 10% (!) do PIB. Em março de 2022 havia se recuperado e estava em cerca de R$ 300 bilhões, mas a partir daí voltou a cair e em março deste ano chegou de novo a bem perto de R$ 1 trilhão (!), desta vez impulsionado por juros da dívida mais elevados, e por mais gastos inclusive fora do arcabouço fiscal, como o pagamento de precatórios e a tal PEC da transição.

Aqui no Brasil, ao contrário da maioria dos países, o resultado nominal recebe dos analistas e da mídia muito menor atenção do que o resultado primário, este de menor tamanho, e deveria ocupar um espaço pelo menos equivalente, pois é o que tem o impacto final no endividamento. Creio que o governo também prefere essa ênfase no resultado primário pois aí seu déficit é bem menor. Um superávit primário reduziria esse endividamento, mas também é deficitário (-1,6% do PIB em 2023).

O governo federal insiste em aumentar receitas para superar suas dificuldades fiscais. Mas esse aumento traz também suas inconveniências. Uma, pouco percebida, é que ele absorve mais recursos do setor privado, e o governo investe em formação de capital menos do que esse setor, prejudicando o crescimento econômico. Outra é que há despesas vinculadas ao aumento de receita, como no caso das de saúde e educação, o que eleva também os gastos. Analistas vêm insistindo na necessidade de reduzir essa vinculação.

Também defendo isso, mas as dificuldades políticas em contrário são enormes, pois há a oposição do próprio partido do governo, o PT. Também seria necessário fazer cortes de despesas, o que também sofreria essa oposição. Exemplo disso é a ideia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de desvincular os aumentos reais do salário mínimo dos benefícios previdenciários, muito criticada pela base política do governo. E certamente será muito difícil contar com o apoio do presidente Lula para sua aprovação.

E assim a coisa vai. Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal.

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Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.

A questão fiscal é a mais importante, pois envolve enorme desequilíbrio e dificuldades políticas na correção dela, em particular uma visão distorcida dos interesses e objetivos do Executivo e do Legislativo. Quanto a essa questão o colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou convergência, pois reafirmou a relevância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. E a relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”.

Entendo esse recado como dirigido ao presidente Lula da Silva, que continua adepto da gastança, e ao Congresso, que combina interesses próprios dos parlamentares e de grupos que os apoiam e/ou pressionam em defesa de privilégios patrimonialistas, e do que rola no varejo da política municipal, em que as custosas emendas parlamentares funcionam como mecanismo de cooptação para a futura reeleição de parlamentares. Com isso, o objetivo de um bem mais forte crescimento do PIB fica em segundo ou nenhum plano, o mesmo ocorrendo com a eficaz gestão fiscal que isso exigiria.

Passando à enorme questão fiscal, ela foi recentemente ressaltada por um gráfico postado no X (ex-Twitter) pelo economista Marcos Cintra. Mostra o resultado nominal do setor público consolidado em 12 meses, de janeiro de 2018 a março de 2024. O resultado nominal dá o desfecho final das contas públicas enquanto o resultado primário exclui juros da dívida desse cálculo. Em todo esse período o resultado é de déficit, o que aumenta o endividamento, o que é usual em quase todos os países. Mas o que chama a atenção no Brasil é o tamanho do déficit, que nesse período cresceu fortemente em 2020 com os gastos envolvidos no combate aos efeitos da covid. No final de 2019 esse déficit estava perto de R$ 400 bilhões, e em janeiro de 2021 situou-se bem perto de R$ 1 trilhão (!), cerca de 10% (!) do PIB. Em março de 2022 havia se recuperado e estava em cerca de R$ 300 bilhões, mas a partir daí voltou a cair e em março deste ano chegou de novo a bem perto de R$ 1 trilhão (!), desta vez impulsionado por juros da dívida mais elevados, e por mais gastos inclusive fora do arcabouço fiscal, como o pagamento de precatórios e a tal PEC da transição.

Aqui no Brasil, ao contrário da maioria dos países, o resultado nominal recebe dos analistas e da mídia muito menor atenção do que o resultado primário, este de menor tamanho, e deveria ocupar um espaço pelo menos equivalente, pois é o que tem o impacto final no endividamento. Creio que o governo também prefere essa ênfase no resultado primário pois aí seu déficit é bem menor. Um superávit primário reduziria esse endividamento, mas também é deficitário (-1,6% do PIB em 2023).

O governo federal insiste em aumentar receitas para superar suas dificuldades fiscais. Mas esse aumento traz também suas inconveniências. Uma, pouco percebida, é que ele absorve mais recursos do setor privado, e o governo investe em formação de capital menos do que esse setor, prejudicando o crescimento econômico. Outra é que há despesas vinculadas ao aumento de receita, como no caso das de saúde e educação, o que eleva também os gastos. Analistas vêm insistindo na necessidade de reduzir essa vinculação.

Também defendo isso, mas as dificuldades políticas em contrário são enormes, pois há a oposição do próprio partido do governo, o PT. Também seria necessário fazer cortes de despesas, o que também sofreria essa oposição. Exemplo disso é a ideia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de desvincular os aumentos reais do salário mínimo dos benefícios previdenciários, muito criticada pela base política do governo. E certamente será muito difícil contar com o apoio do presidente Lula para sua aprovação.

E assim a coisa vai. Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.

A questão fiscal é a mais importante, pois envolve enorme desequilíbrio e dificuldades políticas na correção dela, em particular uma visão distorcida dos interesses e objetivos do Executivo e do Legislativo. Quanto a essa questão o colegiado do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou convergência, pois reafirmou a relevância de “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”. E a relevância dessa política para a “ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”.

Entendo esse recado como dirigido ao presidente Lula da Silva, que continua adepto da gastança, e ao Congresso, que combina interesses próprios dos parlamentares e de grupos que os apoiam e/ou pressionam em defesa de privilégios patrimonialistas, e do que rola no varejo da política municipal, em que as custosas emendas parlamentares funcionam como mecanismo de cooptação para a futura reeleição de parlamentares. Com isso, o objetivo de um bem mais forte crescimento do PIB fica em segundo ou nenhum plano, o mesmo ocorrendo com a eficaz gestão fiscal que isso exigiria.

Passando à enorme questão fiscal, ela foi recentemente ressaltada por um gráfico postado no X (ex-Twitter) pelo economista Marcos Cintra. Mostra o resultado nominal do setor público consolidado em 12 meses, de janeiro de 2018 a março de 2024. O resultado nominal dá o desfecho final das contas públicas enquanto o resultado primário exclui juros da dívida desse cálculo. Em todo esse período o resultado é de déficit, o que aumenta o endividamento, o que é usual em quase todos os países. Mas o que chama a atenção no Brasil é o tamanho do déficit, que nesse período cresceu fortemente em 2020 com os gastos envolvidos no combate aos efeitos da covid. No final de 2019 esse déficit estava perto de R$ 400 bilhões, e em janeiro de 2021 situou-se bem perto de R$ 1 trilhão (!), cerca de 10% (!) do PIB. Em março de 2022 havia se recuperado e estava em cerca de R$ 300 bilhões, mas a partir daí voltou a cair e em março deste ano chegou de novo a bem perto de R$ 1 trilhão (!), desta vez impulsionado por juros da dívida mais elevados, e por mais gastos inclusive fora do arcabouço fiscal, como o pagamento de precatórios e a tal PEC da transição.

Aqui no Brasil, ao contrário da maioria dos países, o resultado nominal recebe dos analistas e da mídia muito menor atenção do que o resultado primário, este de menor tamanho, e deveria ocupar um espaço pelo menos equivalente, pois é o que tem o impacto final no endividamento. Creio que o governo também prefere essa ênfase no resultado primário pois aí seu déficit é bem menor. Um superávit primário reduziria esse endividamento, mas também é deficitário (-1,6% do PIB em 2023).

O governo federal insiste em aumentar receitas para superar suas dificuldades fiscais. Mas esse aumento traz também suas inconveniências. Uma, pouco percebida, é que ele absorve mais recursos do setor privado, e o governo investe em formação de capital menos do que esse setor, prejudicando o crescimento econômico. Outra é que há despesas vinculadas ao aumento de receita, como no caso das de saúde e educação, o que eleva também os gastos. Analistas vêm insistindo na necessidade de reduzir essa vinculação.

Também defendo isso, mas as dificuldades políticas em contrário são enormes, pois há a oposição do próprio partido do governo, o PT. Também seria necessário fazer cortes de despesas, o que também sofreria essa oposição. Exemplo disso é a ideia da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de desvincular os aumentos reais do salário mínimo dos benefícios previdenciários, muito criticada pela base política do governo. E certamente será muito difícil contar com o apoio do presidente Lula para sua aprovação.

E assim a coisa vai. Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal.

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