Kahneman é um psicólogo muito conhecido por economistas, pois é considerado o pai da economia comportamental, que se desenvolveu a partir das três últimas décadas do século passado. Por suas contribuições, ganhou o Nobel de Economia de 2002.
Faleceu na quarta-feira passada, e eu soube que esteve no Brasil para ministrar uma palestra sobre o tema Finanças Comportamentais e a psicologia das decisões do dia a dia, no evento Febraban Tech 2023, desta associação de bancos. Assisti ao vídeo dessa palestra, mas até onde fui achei-a um tanto abstrata.
Vou apresentar aqui visões de Kahneman de forma mais acessível e com aplicações práticas. Recorri a essas visões num livro sobre educação financeira intitulado Economania, que devo publicar ainda este ano, e as considero muito úteis no processo de tomada de decisões sobre poupança e investimentos. Foi desse livro que retirei as considerações a seguir.
Antes de Kahneman, desde meados do século passado a chamada visão neoclássica passou a dominar a análise econômica do comportamento individual, das empresas e dos mercados em que se inserem. Quanto aos indivíduos, foco deste artigo, ela pressupõe que eles são racionais.
Kahneman contesta essa racionalidade sem afirmar que as pessoas são irracionais, mas ao ponderar que ela é limitada, não se restringindo, como a teoria neoclássica, a suposições simplistas quanto a isso, como a de uma racionalidade inquestionável. O enfoque comportamental não é algo abstrato, pois é centrado na observação do comportamento humano, mediante experimentos com as próprias pessoas dos quais se infere como raciocinam.
Na visão de Kahneman, as pessoas muitas vezes fazem escolhas intuitivamente a partir de crenças, experiências e outras influências. Kahneman ressalta que o processo decisório pode acionar dois sistemas: o Sistema 1, automático e rápido, essencialmente intuitivo, muito influenciado por instintos e emoções, nem sempre racional; e o Sistema 2, mais elaborado e controlado, que toma mais tempo e onde a racionalidade é mais presente.
Nas decisões financeiras, este processo decisório dual faz com que muitas decisões sejam tomadas apenas pelo Sistema 1, sem maiores reflexões. Isso ocorre quando, por exemplo, a pessoa prefere recompensas imediatas às futuras, levando à comumente frágil provisão de recursos para aposentadoria. E, também, quando cede ao consumismo e revela dificuldades de poupar para investir. E, ainda, quando opta por vícios como o fumo, alcoolismo e drogas, buscando prazeres sensoriais imediatos, sem levar em conta implicações futuras para a saúde e seu impacto financeiro.
Foi essa distinção da forma de pensar que deu o título de Rápido e devagar: duas formas de pensar ao principal livro de Kahneman (Editora Objetiva, 2012). O aprendizado e a informação, bem como a experiência decisória, ampliam a ocorrência de decisões mais bem fundamentadas e racionais ao fortalecerem a ação do Sistema 2. Chamo a atenção do leitor para essa afirmação, pois significa que informações, conhecimentos e experiências são importantes para levar a decisões com fundamentos mais sólidos e racionais. Ou seja, vale a pena aprender num processo em que meu livro citado procurará ajudar.
Passando às escolhas intertemporais, a literatura em geral comumente aponta uma dificuldade do ser humano, a de não refletir melhor sobre o futuro, preferindo usufruir mais o presente sem prover recursos adequados para mais à frente em sua vida, em particular para a fase da aposentadoria.
Na avaliação de Kahneman, creio que isso poderia ser visto como uma situação em que essa avaliação que prejudica o futuro passa apenas pelo Sistema 1, influenciada por um comportamento só focado no presente. O exemplo mais claro desta dificuldade de prover para o futuro foi que os governos perceberam isso há muito tempo e passaram a prover sistemas compulsórios de previdência social, como o nosso INSS.
Cabe, também, mencionar outra contribuição de Kahneman: a Teoria da Prospecção. Em situações de risco, ela vê as pessoas a prospectar, como que a garimpar em busca de ganhos, mas, principalmente, preocupadas com evitar perdas, pois estas lhes causariam maior desconforto, inconveniência ou “desutilidade”, mesmo se de valor idêntico ao dos ganhos.
Na prática financeira essa teoria procura explicar, por exemplo, por que investidores costumam ser mais propensos a vender ações cujos preços subiram – para realizar logo os ganhos correspondentes – do que as que trouxeram perdas de valor absoluto idêntico, contornando assim o descontentamento de realizá-las.
O certo é que a influência da economia comportamental vem crescendo e surgiu como disciplina ou mesmo tema de cursos. Uma evidência é um livro de dois volumes, Handbook of Behavioral Economics – Foundations and Applications (Manual de Economia Comportamental – Fundamentos e Aplicações), da Editora North-Holland (2018), totalizando 1.241 (!) páginas.
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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR