Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Emendas para lamentares


A legislação das emendas foi feita em causa própria pelos parlamentares e de várias formas fere o princípio constitucional da igualdade

Por Roberto Macedo

Escrevo contra essas emendas desde 2015, mas só as vejo aumentando. No site https://portaldatransparencia.gov.br/emendas dados de 2014 até 2024. As emendas empenhadas passaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 37,6 bilhões, enquanto os valores pagos partiram de zero para R$ 23,4 bilhões, e este ano ainda não terminou. Mas o crescimento é muito expressivo para um período de dez anos. E trata-se de muito dinheiro.

Segundo a mesma fonte, há quatro tipos de emendas: individuais (36,46%), de comissão (27,5%), individuais na forma de transferências especiais (20,51%) e de bancada (15,95%). A fonte não especifica o ano a que esses dados se referem, nem se indicam o número de emendas ou a soma do valor delas em cada caso.

Minha antiga indisposição contra essas emendas é a de que são inconstitucionais. É a reflexão de quem leu um pedaço da Constituição e tirou suas próprias conclusões. Não sou advogado, mas nela está escrito, logo no início (artigo 5.º), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

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Há quem diga que o Congresso legislou sobre o assunto, mas desafiando a igualdade os congressistas o fizeram em causa própria, e as emendas que distribuem aos municípios os beneficiam no processo eleitoral, assegurando sua influência local em eleições futuras de seu interesse. Mais à frente tratarei de alguns casos particulares relativos às últimas eleições.

Nesse processo a igualdade é prejudicada em dois aspectos: no primeiro a desigualdade existe entre os próprios parlamentares, pois uns recebem valores maiores do que outros nas emendas que outorgam; no segundo aspecto, porque os parlamentares incumbentes, ou seja, que já estão no exercício do mandado, se beneficiam relativamente aos candidatos que entram na eleição sem essa condição, ou seja, sem emendas para distribuir. Onde está o “todos são iguais perante a lei”?

Nos EUA emendas parlamentares para projetos locais são conhecidas por nome depreciativo, pork barrel, ou barril de porco, que presumo que seja um receptáculo das chamadas lavagens, ou seja, de restos de comida no passado destinados aos porcos nas fazendas e pequenas criações. A emenda entra como um jabuti pendurado num projeto maior. Mas há restrição de que não podem resultar em benefício para o doador, ao contrário daqui.

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Passando às notícias sobre as emendas e o processo eleitoral recente, começarei com uma mais geral, da Folha de S.Paulo em 9/10/2024, com este título: 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas conseguem se reeleger. E o subtítulo: “Líderes no ranking de valores conquistaram média de 72% dos votos válidos em seus municípios no pleito de domingo; apenas dois nomes não conseguiram a recondução”. E mais: nesse grupo de prefeitos “os valores recebidos em emendas passaram de R$ 2.543,70 por votante, mais que três vezes a mediana nacional (o valor do meio de todas as cidades), que é de R$ 847,90″ (destaque meu), o que revela outra desigualdade. E mais: “A Folha analisou também outros grupos de prefeitos que estão em faixas elevadas de recebimento de emendas (...). Entre os 274 prefeitos que receberam de R$ 1.695,80 a R$ 2.543,70, o índice de recondução foi de 91%”.

Passando a casos individuais, sobre o deputado federal Hugo Motta, candidato à Presidência da Câmara, no dia 27/9/2024 o jornal Valor veio com a reportagem de página inteira intitulada Motta atrai emendas e aliados para ‘capital do sertão’ na Paraíba. E o subtítulo: “Patos, reduto do deputado, tem contrastes como aeroporto e esgoto a céu aberto. Entre 2021 e 2024, Patos recebeu mais de R$ 46 milhões em recursos sem autoria e destinação específicas”. No último pleito municipal foi reeleito prefeito Nabor Wanderley Filho, pai do deputado Hugo Motta.

Outro caso individual veio no jornal Valor de 27/9/2024, com a reportagem Senador domina o interior com orçamento e cargos. Começa assim: “À frente da distribuição das verbas do orçamento secreto e no controle de dois ministérios (...), o ex-presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (União-AP) acumulou um poder tão grande no Amapá que já começa a ser comparado com o ex-presidente da República e do Senado José Sarney (MDB). Responsável por transformar o então território em Estado, o emedebista foi três vezes senador pelo Amapá (...) e tinha fortíssima influência na capital federal. (...) É comum ouvir a comparação de que o ex-presidente só teve duas emendas executadas em toda a sua carreira no Amapá, enquanto Alcolumbre espalhou obras por todos os 16 municípios com o orçamento secreto e emendas impositivas”. Essa comparação não é justa com Sarney, pois no tempo dele o volume de emendas era bem menor.

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Quanto à desigualdade de que trata este artigo, esta foi a minha argumentação e nada tenho a acrescentar.

*

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Escrevo contra essas emendas desde 2015, mas só as vejo aumentando. No site https://portaldatransparencia.gov.br/emendas dados de 2014 até 2024. As emendas empenhadas passaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 37,6 bilhões, enquanto os valores pagos partiram de zero para R$ 23,4 bilhões, e este ano ainda não terminou. Mas o crescimento é muito expressivo para um período de dez anos. E trata-se de muito dinheiro.

Segundo a mesma fonte, há quatro tipos de emendas: individuais (36,46%), de comissão (27,5%), individuais na forma de transferências especiais (20,51%) e de bancada (15,95%). A fonte não especifica o ano a que esses dados se referem, nem se indicam o número de emendas ou a soma do valor delas em cada caso.

Minha antiga indisposição contra essas emendas é a de que são inconstitucionais. É a reflexão de quem leu um pedaço da Constituição e tirou suas próprias conclusões. Não sou advogado, mas nela está escrito, logo no início (artigo 5.º), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

Há quem diga que o Congresso legislou sobre o assunto, mas desafiando a igualdade os congressistas o fizeram em causa própria, e as emendas que distribuem aos municípios os beneficiam no processo eleitoral, assegurando sua influência local em eleições futuras de seu interesse. Mais à frente tratarei de alguns casos particulares relativos às últimas eleições.

Nesse processo a igualdade é prejudicada em dois aspectos: no primeiro a desigualdade existe entre os próprios parlamentares, pois uns recebem valores maiores do que outros nas emendas que outorgam; no segundo aspecto, porque os parlamentares incumbentes, ou seja, que já estão no exercício do mandado, se beneficiam relativamente aos candidatos que entram na eleição sem essa condição, ou seja, sem emendas para distribuir. Onde está o “todos são iguais perante a lei”?

Nos EUA emendas parlamentares para projetos locais são conhecidas por nome depreciativo, pork barrel, ou barril de porco, que presumo que seja um receptáculo das chamadas lavagens, ou seja, de restos de comida no passado destinados aos porcos nas fazendas e pequenas criações. A emenda entra como um jabuti pendurado num projeto maior. Mas há restrição de que não podem resultar em benefício para o doador, ao contrário daqui.

Passando às notícias sobre as emendas e o processo eleitoral recente, começarei com uma mais geral, da Folha de S.Paulo em 9/10/2024, com este título: 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas conseguem se reeleger. E o subtítulo: “Líderes no ranking de valores conquistaram média de 72% dos votos válidos em seus municípios no pleito de domingo; apenas dois nomes não conseguiram a recondução”. E mais: nesse grupo de prefeitos “os valores recebidos em emendas passaram de R$ 2.543,70 por votante, mais que três vezes a mediana nacional (o valor do meio de todas as cidades), que é de R$ 847,90″ (destaque meu), o que revela outra desigualdade. E mais: “A Folha analisou também outros grupos de prefeitos que estão em faixas elevadas de recebimento de emendas (...). Entre os 274 prefeitos que receberam de R$ 1.695,80 a R$ 2.543,70, o índice de recondução foi de 91%”.

Passando a casos individuais, sobre o deputado federal Hugo Motta, candidato à Presidência da Câmara, no dia 27/9/2024 o jornal Valor veio com a reportagem de página inteira intitulada Motta atrai emendas e aliados para ‘capital do sertão’ na Paraíba. E o subtítulo: “Patos, reduto do deputado, tem contrastes como aeroporto e esgoto a céu aberto. Entre 2021 e 2024, Patos recebeu mais de R$ 46 milhões em recursos sem autoria e destinação específicas”. No último pleito municipal foi reeleito prefeito Nabor Wanderley Filho, pai do deputado Hugo Motta.

Outro caso individual veio no jornal Valor de 27/9/2024, com a reportagem Senador domina o interior com orçamento e cargos. Começa assim: “À frente da distribuição das verbas do orçamento secreto e no controle de dois ministérios (...), o ex-presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (União-AP) acumulou um poder tão grande no Amapá que já começa a ser comparado com o ex-presidente da República e do Senado José Sarney (MDB). Responsável por transformar o então território em Estado, o emedebista foi três vezes senador pelo Amapá (...) e tinha fortíssima influência na capital federal. (...) É comum ouvir a comparação de que o ex-presidente só teve duas emendas executadas em toda a sua carreira no Amapá, enquanto Alcolumbre espalhou obras por todos os 16 municípios com o orçamento secreto e emendas impositivas”. Essa comparação não é justa com Sarney, pois no tempo dele o volume de emendas era bem menor.

Quanto à desigualdade de que trata este artigo, esta foi a minha argumentação e nada tenho a acrescentar.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Escrevo contra essas emendas desde 2015, mas só as vejo aumentando. No site https://portaldatransparencia.gov.br/emendas dados de 2014 até 2024. As emendas empenhadas passaram de R$ 5,7 bilhões para R$ 37,6 bilhões, enquanto os valores pagos partiram de zero para R$ 23,4 bilhões, e este ano ainda não terminou. Mas o crescimento é muito expressivo para um período de dez anos. E trata-se de muito dinheiro.

Segundo a mesma fonte, há quatro tipos de emendas: individuais (36,46%), de comissão (27,5%), individuais na forma de transferências especiais (20,51%) e de bancada (15,95%). A fonte não especifica o ano a que esses dados se referem, nem se indicam o número de emendas ou a soma do valor delas em cada caso.

Minha antiga indisposição contra essas emendas é a de que são inconstitucionais. É a reflexão de quem leu um pedaço da Constituição e tirou suas próprias conclusões. Não sou advogado, mas nela está escrito, logo no início (artigo 5.º), que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”.

Há quem diga que o Congresso legislou sobre o assunto, mas desafiando a igualdade os congressistas o fizeram em causa própria, e as emendas que distribuem aos municípios os beneficiam no processo eleitoral, assegurando sua influência local em eleições futuras de seu interesse. Mais à frente tratarei de alguns casos particulares relativos às últimas eleições.

Nesse processo a igualdade é prejudicada em dois aspectos: no primeiro a desigualdade existe entre os próprios parlamentares, pois uns recebem valores maiores do que outros nas emendas que outorgam; no segundo aspecto, porque os parlamentares incumbentes, ou seja, que já estão no exercício do mandado, se beneficiam relativamente aos candidatos que entram na eleição sem essa condição, ou seja, sem emendas para distribuir. Onde está o “todos são iguais perante a lei”?

Nos EUA emendas parlamentares para projetos locais são conhecidas por nome depreciativo, pork barrel, ou barril de porco, que presumo que seja um receptáculo das chamadas lavagens, ou seja, de restos de comida no passado destinados aos porcos nas fazendas e pequenas criações. A emenda entra como um jabuti pendurado num projeto maior. Mas há restrição de que não podem resultar em benefício para o doador, ao contrário daqui.

Passando às notícias sobre as emendas e o processo eleitoral recente, começarei com uma mais geral, da Folha de S.Paulo em 9/10/2024, com este título: 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas conseguem se reeleger. E o subtítulo: “Líderes no ranking de valores conquistaram média de 72% dos votos válidos em seus municípios no pleito de domingo; apenas dois nomes não conseguiram a recondução”. E mais: nesse grupo de prefeitos “os valores recebidos em emendas passaram de R$ 2.543,70 por votante, mais que três vezes a mediana nacional (o valor do meio de todas as cidades), que é de R$ 847,90″ (destaque meu), o que revela outra desigualdade. E mais: “A Folha analisou também outros grupos de prefeitos que estão em faixas elevadas de recebimento de emendas (...). Entre os 274 prefeitos que receberam de R$ 1.695,80 a R$ 2.543,70, o índice de recondução foi de 91%”.

Passando a casos individuais, sobre o deputado federal Hugo Motta, candidato à Presidência da Câmara, no dia 27/9/2024 o jornal Valor veio com a reportagem de página inteira intitulada Motta atrai emendas e aliados para ‘capital do sertão’ na Paraíba. E o subtítulo: “Patos, reduto do deputado, tem contrastes como aeroporto e esgoto a céu aberto. Entre 2021 e 2024, Patos recebeu mais de R$ 46 milhões em recursos sem autoria e destinação específicas”. No último pleito municipal foi reeleito prefeito Nabor Wanderley Filho, pai do deputado Hugo Motta.

Outro caso individual veio no jornal Valor de 27/9/2024, com a reportagem Senador domina o interior com orçamento e cargos. Começa assim: “À frente da distribuição das verbas do orçamento secreto e no controle de dois ministérios (...), o ex-presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (União-AP) acumulou um poder tão grande no Amapá que já começa a ser comparado com o ex-presidente da República e do Senado José Sarney (MDB). Responsável por transformar o então território em Estado, o emedebista foi três vezes senador pelo Amapá (...) e tinha fortíssima influência na capital federal. (...) É comum ouvir a comparação de que o ex-presidente só teve duas emendas executadas em toda a sua carreira no Amapá, enquanto Alcolumbre espalhou obras por todos os 16 municípios com o orçamento secreto e emendas impositivas”. Essa comparação não é justa com Sarney, pois no tempo dele o volume de emendas era bem menor.

Quanto à desigualdade de que trata este artigo, esta foi a minha argumentação e nada tenho a acrescentar.

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