Rubens Ricupero recebeu muita atenção no noticiário recente pela sua atuação no Plano Real, que comemorou 30 anos no mês passado, e pelo lançamento de sua autobiografia intitulada Memórias (Editora Unesp), na forma de um livro com 47 capítulos em mais de 700 páginas. Essa atenção se justifica, pois teve muitos papéis desempenhados ao longo de sua já longa vida – está com 87 anos –, entre os quais os de professor, diplomata, embaixador, ministro, escritor e historiador. Um ótimo artigo-resenha deste livro foi escrito pelo economista Luiz Alberto Machado para a Fundação Espaço Democrático, do PSD, e pode ser encontrado em https://espacodemocratico.org.br/artigos/memorias-de-um-grande-protagonista/. Foi desse texto de Machado que retirei essas informações sobre a biografia de Ricupero.
Ainda não cheguei ao livro de Ricupero, e uma das razões é que estou muito ocupado com a conclusão de um livro meu, sobre educação financeira, e muito preocupado com a situação atual da economia, que procuro acompanhar diuturnamente. Vi que, quanto a isso, Ricupero foi entrevistado pelo jornalista Guilherme Evelin, deste jornal, cujo site publicou em julho duas matérias assinadas pelo jornalista sobre o embaixador, uma delas mais focada nesta situação atual. Para lê-las, basta acessar o site do jornal (www.estadao.com.br) e, no local de buscas, digitar Rubens Ricupero entrevistas.
Ele é um dos homens mais cultos que conheci em minha vida e convivi com ele num curto período, quando atuamos juntos na Faap. Ele se revelava um profundo conhecedor da história do Brasil e esclarecia dúvidas de seus interlocutores. Notei com muita satisfação que, pelo que disse ao jornal, Ricupero tem pontos de vista semelhantes aos que venho defendendo neste espaço quanto à situação atual do País.
A seguir, vou citar vários trechos do que disse e que demonstram essa convergência de opiniões. “O que falta no Brasil? Crescimento, porque não tem investimento. Investimento só vem de duas fontes, ou de fora ou de dentro (...) Se o governo quer crescimento, ele tem de se comportar de acordo com o que esperam os investidores.” Em particular, venho enfatizando que o investimento público caiu muito desde os anos 1970, quando chegou a cerca de 10% como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), e hoje está em apenas algo próximo de 2%. Ainda ontem vi notícia de que o governo federal vai realizar cortes no Orçamento. A notícia menciona o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um dos afetados pelos cortes – e o PAC envolve investimentos públicos. Uma das razões desta forte queda nos investimentos públicos tem sido a forte expansão de gastos sociais. Não sou contra uma expansão deles, mas de forma equilibrada em relação aos investimentos.
“De vez em quando, há espasmos de crescimento, mas logo o Brasil recai em problemas de inflação e de déficit público muito grande. Nós temos um sistema em que todos os governos aumentam a transferência de renda e o Orçamento vai ficando com uma margem cada vez menor, em que tudo é despesa carimbada. (...) De vez em quando, alguém diz timidamente isso, como a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), que apontou a necessidade de desvincular os benefícios da Previdência do salário mínimo, mas o próprio presidente e o PT fulminam.”
Depois de criticar o aumento das emendas parlamentares e de dizer que “a classe dirigente é suicida”, apontando privilégios, com destaque para o Poder Judiciário, Ricupero concluiu que “(...) você tem uma situação em que as próprias classes dirigentes, em vez de trabalharem para tornar o sistema mais funcional, contribuem para torná-lo mais disfuncional”.
“Eu acho que se deve, de fato, socorrer aqueles que não podem fazer nada, mas que é necessário ter responsabilidade fiscal. E isso nem o Congresso, nem o Executivo, nem o Judiciário têm. Todos alegremente gostam de criar despesas, como se isso fosse uma cornucópia. E acham que o problema de redução de gastos tem de ser dos outros.”
Esse forte apelo às transferências de renda, às emendas parlamentares e aos privilegiados, sem a coragem de enfrentar interesses diversos, é típico de governos populistas que querem ficar bem com todos os governados e aceitam mais vantagens pessoais, grupais, setoriais e locais. Acho que a nossa situação institucional é péssima, pois nela não se destacam lideranças autenticamente preocupadas com o crescimento econômico, sem cuja aceleração não haverá saída. A sociedade brasileira precisa urgentemente encontrar uma forma de reverter esse quadro, senão não iremos escapar desta armadilha de crescimento medíocre em que caímos desde 1980.
Na década de 1970 o PIB do Brasil chegou a crescer a uma média de 7% ao ano, mas hoje os analistas costumam dizer que o crescimento potencial está em torno de apenas 2%, o que é uma vergonha nacional e internacional. Uma solução para esse impasse deve começar na classe política, que vejo como principal responsável pela situação a que chegamos.
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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR