Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Uma visão demográfica, política e social da crise


Expansão mais rápida da população mais pobre contribuiu para o avanço do populismo no Brasil

Por Roberto Macedo

Que o Brasil está em crise não há dúvida. Desde a década de 1980 seu Produto Interno Bruto (PIB), no lado econômico da crise, passou a crescer a taxas bem menores do que as de meados do século passado, e também abaixo da média das taxas ocorridas nos países em desenvolvimento. Ou seja, está ficando para trás. E há, também, os lados político e social da crise.

Em 2022 sabe-se que o PIB deve ter crescido perto de 3%, taxa razoável diante das circunstâncias. Mas, a partir do terceiro trimestre, passou a taxas trimestrais decrescentes e deve ter fechado o quarto trimestre do ano com taxa bem ruim, talvez até negativa. Os números finais trimestrais e do ano devem vir do IBGE brevemente. A queda das taxas trimestrais ainda não foi superada e já prejudicou o crescimento de 2023, para o qual analistas do mercado, por meio do boletim Focus, do Banco Central, preveem taxa anual do PIB de apenas 0,8%, e há incertezas sobre sua recuperação.

No que se segue, abordarei, além de outras questões, uma que ainda não vi tratada pelos analistas da crise: a demográfica. Entendo que ela teve forte impacto nas áreas política e social e, a partir daí, também na econômica.

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Em meados do século passado, o País tinha uma população bem menor, de 51,9 milhões em 1950, e parcela importante ficava nas zonas rurais, com baixo peso político. A área política tinha uma conotação predominantemente urbana.

O crescimento populacional era alto, o PIB teve um bom desempenho econômico até os anos 1970, inclusive com forte industrialização, e a migração do campo para as cidades, em particular das famílias de baixa renda, deu forte peso político a essa população. Além dessa migração para as cidades, aumentou seu componente vindo do Nordeste para o Sudeste – e a chegada de Lula aqui foi nesse contexto.

Neste quadro, outra questão demográfica importante veio do fato de que as famílias mais pobres tinham, como ainda têm, mais filhos do que as famílias mais ricas. Ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente do que a mais rica. No dia 2 deste mês, em artigo na Folha de S.Paulo, o economista Michael França trouxe dados importantes sobre o assunto. Escreveu ele: “Em 1991, enquanto as (famílias) de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2 (acrescento: o número de filhos que em média as mulheres têm na sua idade fértil), esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. (...) Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres do primeiro quintil de renda (a mais baixa, acrescento) caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada”. Ou seja, essa diferença é antiga, alta e permanece, ainda que em proporções menores.

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Passando às implicações, isso agravou a desigualdade social em números absolutos, ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente, e, a partir de meados do século passado, com o tamanho da discrepância se manifestando mais nas áreas urbanas e nas cidades maiores, com seus desdobramentos como favelas, moradores de rua e insegurança pública, entre outros.

Na esfera política, as implicações são menos evidentes, mas também fortes. Em meados do século passado, a política tinha um quê de elitista. Políticos, predominantemente das áreas urbanas, mostravam maior educação formal, com valorização de grandes oradores, então chamados de tribunos. Cheguei a ouvir alguns, como Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Oscar Dias Correia e San Tiago Dantas, entre outros.

Mas, com os mais pobres tornando-se o grupo de eleitores mais importante, isso despertou o populismo, com os políticos voltando-se principalmente para o atendimento das reivindicações desse segmento. Getúlio Vargas foi um precursor desse movimento, mas Lula tornou-se seu expoente. Bolsonaro também tentou, mas seu perfil pessoal revelou-se inadequado. Lula, além de mais popular, tem também forte apoio no Nordeste, pois é oriundo da mesma região e fala a linguagem dos conterrâneos.

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No Congresso, o destaque populista é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que gerenciou emendas parlamentares destinadas a atender clientelas de deputados que chamaria de micropopulistas, lá na ponta de seu eleitorado. Lira foi reeleito presidente com votação recorde, que alcançou inclusive deputados de sua “oposição”.

Voltando à economia, ela e seu PIB foram prejudicados pelo populismo. Ao atender prioritariamente à clientela populista, além de outras, o governo reduziu drasticamente o investimento público, que havia chegado perto de 10% do PIB em 1977, e hoje está pouco acima de 1%. Com isso, o crescimento econômico foi prejudicado. A tributação e a dívida pública também aumentaram muito, gerando tensões fiscais.

Confesso que no horizonte que contemplo não vejo saída para a crise em andamento, pois tem raízes profundas como essas que apontei. Prego um ajuste via reformas e controle dos gastos públicos, mas neste segundo caso tenho a sensação de estar pregando no deserto.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Que o Brasil está em crise não há dúvida. Desde a década de 1980 seu Produto Interno Bruto (PIB), no lado econômico da crise, passou a crescer a taxas bem menores do que as de meados do século passado, e também abaixo da média das taxas ocorridas nos países em desenvolvimento. Ou seja, está ficando para trás. E há, também, os lados político e social da crise.

Em 2022 sabe-se que o PIB deve ter crescido perto de 3%, taxa razoável diante das circunstâncias. Mas, a partir do terceiro trimestre, passou a taxas trimestrais decrescentes e deve ter fechado o quarto trimestre do ano com taxa bem ruim, talvez até negativa. Os números finais trimestrais e do ano devem vir do IBGE brevemente. A queda das taxas trimestrais ainda não foi superada e já prejudicou o crescimento de 2023, para o qual analistas do mercado, por meio do boletim Focus, do Banco Central, preveem taxa anual do PIB de apenas 0,8%, e há incertezas sobre sua recuperação.

No que se segue, abordarei, além de outras questões, uma que ainda não vi tratada pelos analistas da crise: a demográfica. Entendo que ela teve forte impacto nas áreas política e social e, a partir daí, também na econômica.

Em meados do século passado, o País tinha uma população bem menor, de 51,9 milhões em 1950, e parcela importante ficava nas zonas rurais, com baixo peso político. A área política tinha uma conotação predominantemente urbana.

O crescimento populacional era alto, o PIB teve um bom desempenho econômico até os anos 1970, inclusive com forte industrialização, e a migração do campo para as cidades, em particular das famílias de baixa renda, deu forte peso político a essa população. Além dessa migração para as cidades, aumentou seu componente vindo do Nordeste para o Sudeste – e a chegada de Lula aqui foi nesse contexto.

Neste quadro, outra questão demográfica importante veio do fato de que as famílias mais pobres tinham, como ainda têm, mais filhos do que as famílias mais ricas. Ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente do que a mais rica. No dia 2 deste mês, em artigo na Folha de S.Paulo, o economista Michael França trouxe dados importantes sobre o assunto. Escreveu ele: “Em 1991, enquanto as (famílias) de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2 (acrescento: o número de filhos que em média as mulheres têm na sua idade fértil), esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. (...) Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres do primeiro quintil de renda (a mais baixa, acrescento) caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada”. Ou seja, essa diferença é antiga, alta e permanece, ainda que em proporções menores.

Passando às implicações, isso agravou a desigualdade social em números absolutos, ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente, e, a partir de meados do século passado, com o tamanho da discrepância se manifestando mais nas áreas urbanas e nas cidades maiores, com seus desdobramentos como favelas, moradores de rua e insegurança pública, entre outros.

Na esfera política, as implicações são menos evidentes, mas também fortes. Em meados do século passado, a política tinha um quê de elitista. Políticos, predominantemente das áreas urbanas, mostravam maior educação formal, com valorização de grandes oradores, então chamados de tribunos. Cheguei a ouvir alguns, como Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Oscar Dias Correia e San Tiago Dantas, entre outros.

Mas, com os mais pobres tornando-se o grupo de eleitores mais importante, isso despertou o populismo, com os políticos voltando-se principalmente para o atendimento das reivindicações desse segmento. Getúlio Vargas foi um precursor desse movimento, mas Lula tornou-se seu expoente. Bolsonaro também tentou, mas seu perfil pessoal revelou-se inadequado. Lula, além de mais popular, tem também forte apoio no Nordeste, pois é oriundo da mesma região e fala a linguagem dos conterrâneos.

No Congresso, o destaque populista é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que gerenciou emendas parlamentares destinadas a atender clientelas de deputados que chamaria de micropopulistas, lá na ponta de seu eleitorado. Lira foi reeleito presidente com votação recorde, que alcançou inclusive deputados de sua “oposição”.

Voltando à economia, ela e seu PIB foram prejudicados pelo populismo. Ao atender prioritariamente à clientela populista, além de outras, o governo reduziu drasticamente o investimento público, que havia chegado perto de 10% do PIB em 1977, e hoje está pouco acima de 1%. Com isso, o crescimento econômico foi prejudicado. A tributação e a dívida pública também aumentaram muito, gerando tensões fiscais.

Confesso que no horizonte que contemplo não vejo saída para a crise em andamento, pois tem raízes profundas como essas que apontei. Prego um ajuste via reformas e controle dos gastos públicos, mas neste segundo caso tenho a sensação de estar pregando no deserto.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Que o Brasil está em crise não há dúvida. Desde a década de 1980 seu Produto Interno Bruto (PIB), no lado econômico da crise, passou a crescer a taxas bem menores do que as de meados do século passado, e também abaixo da média das taxas ocorridas nos países em desenvolvimento. Ou seja, está ficando para trás. E há, também, os lados político e social da crise.

Em 2022 sabe-se que o PIB deve ter crescido perto de 3%, taxa razoável diante das circunstâncias. Mas, a partir do terceiro trimestre, passou a taxas trimestrais decrescentes e deve ter fechado o quarto trimestre do ano com taxa bem ruim, talvez até negativa. Os números finais trimestrais e do ano devem vir do IBGE brevemente. A queda das taxas trimestrais ainda não foi superada e já prejudicou o crescimento de 2023, para o qual analistas do mercado, por meio do boletim Focus, do Banco Central, preveem taxa anual do PIB de apenas 0,8%, e há incertezas sobre sua recuperação.

No que se segue, abordarei, além de outras questões, uma que ainda não vi tratada pelos analistas da crise: a demográfica. Entendo que ela teve forte impacto nas áreas política e social e, a partir daí, também na econômica.

Em meados do século passado, o País tinha uma população bem menor, de 51,9 milhões em 1950, e parcela importante ficava nas zonas rurais, com baixo peso político. A área política tinha uma conotação predominantemente urbana.

O crescimento populacional era alto, o PIB teve um bom desempenho econômico até os anos 1970, inclusive com forte industrialização, e a migração do campo para as cidades, em particular das famílias de baixa renda, deu forte peso político a essa população. Além dessa migração para as cidades, aumentou seu componente vindo do Nordeste para o Sudeste – e a chegada de Lula aqui foi nesse contexto.

Neste quadro, outra questão demográfica importante veio do fato de que as famílias mais pobres tinham, como ainda têm, mais filhos do que as famílias mais ricas. Ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente do que a mais rica. No dia 2 deste mês, em artigo na Folha de S.Paulo, o economista Michael França trouxe dados importantes sobre o assunto. Escreveu ele: “Em 1991, enquanto as (famílias) de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2 (acrescento: o número de filhos que em média as mulheres têm na sua idade fértil), esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. (...) Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres do primeiro quintil de renda (a mais baixa, acrescento) caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada”. Ou seja, essa diferença é antiga, alta e permanece, ainda que em proporções menores.

Passando às implicações, isso agravou a desigualdade social em números absolutos, ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente, e, a partir de meados do século passado, com o tamanho da discrepância se manifestando mais nas áreas urbanas e nas cidades maiores, com seus desdobramentos como favelas, moradores de rua e insegurança pública, entre outros.

Na esfera política, as implicações são menos evidentes, mas também fortes. Em meados do século passado, a política tinha um quê de elitista. Políticos, predominantemente das áreas urbanas, mostravam maior educação formal, com valorização de grandes oradores, então chamados de tribunos. Cheguei a ouvir alguns, como Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Oscar Dias Correia e San Tiago Dantas, entre outros.

Mas, com os mais pobres tornando-se o grupo de eleitores mais importante, isso despertou o populismo, com os políticos voltando-se principalmente para o atendimento das reivindicações desse segmento. Getúlio Vargas foi um precursor desse movimento, mas Lula tornou-se seu expoente. Bolsonaro também tentou, mas seu perfil pessoal revelou-se inadequado. Lula, além de mais popular, tem também forte apoio no Nordeste, pois é oriundo da mesma região e fala a linguagem dos conterrâneos.

No Congresso, o destaque populista é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que gerenciou emendas parlamentares destinadas a atender clientelas de deputados que chamaria de micropopulistas, lá na ponta de seu eleitorado. Lira foi reeleito presidente com votação recorde, que alcançou inclusive deputados de sua “oposição”.

Voltando à economia, ela e seu PIB foram prejudicados pelo populismo. Ao atender prioritariamente à clientela populista, além de outras, o governo reduziu drasticamente o investimento público, que havia chegado perto de 10% do PIB em 1977, e hoje está pouco acima de 1%. Com isso, o crescimento econômico foi prejudicado. A tributação e a dívida pública também aumentaram muito, gerando tensões fiscais.

Confesso que no horizonte que contemplo não vejo saída para a crise em andamento, pois tem raízes profundas como essas que apontei. Prego um ajuste via reformas e controle dos gastos públicos, mas neste segundo caso tenho a sensação de estar pregando no deserto.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Que o Brasil está em crise não há dúvida. Desde a década de 1980 seu Produto Interno Bruto (PIB), no lado econômico da crise, passou a crescer a taxas bem menores do que as de meados do século passado, e também abaixo da média das taxas ocorridas nos países em desenvolvimento. Ou seja, está ficando para trás. E há, também, os lados político e social da crise.

Em 2022 sabe-se que o PIB deve ter crescido perto de 3%, taxa razoável diante das circunstâncias. Mas, a partir do terceiro trimestre, passou a taxas trimestrais decrescentes e deve ter fechado o quarto trimestre do ano com taxa bem ruim, talvez até negativa. Os números finais trimestrais e do ano devem vir do IBGE brevemente. A queda das taxas trimestrais ainda não foi superada e já prejudicou o crescimento de 2023, para o qual analistas do mercado, por meio do boletim Focus, do Banco Central, preveem taxa anual do PIB de apenas 0,8%, e há incertezas sobre sua recuperação.

No que se segue, abordarei, além de outras questões, uma que ainda não vi tratada pelos analistas da crise: a demográfica. Entendo que ela teve forte impacto nas áreas política e social e, a partir daí, também na econômica.

Em meados do século passado, o País tinha uma população bem menor, de 51,9 milhões em 1950, e parcela importante ficava nas zonas rurais, com baixo peso político. A área política tinha uma conotação predominantemente urbana.

O crescimento populacional era alto, o PIB teve um bom desempenho econômico até os anos 1970, inclusive com forte industrialização, e a migração do campo para as cidades, em particular das famílias de baixa renda, deu forte peso político a essa população. Além dessa migração para as cidades, aumentou seu componente vindo do Nordeste para o Sudeste – e a chegada de Lula aqui foi nesse contexto.

Neste quadro, outra questão demográfica importante veio do fato de que as famílias mais pobres tinham, como ainda têm, mais filhos do que as famílias mais ricas. Ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente do que a mais rica. No dia 2 deste mês, em artigo na Folha de S.Paulo, o economista Michael França trouxe dados importantes sobre o assunto. Escreveu ele: “Em 1991, enquanto as (famílias) de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2 (acrescento: o número de filhos que em média as mulheres têm na sua idade fértil), esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. (...) Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres do primeiro quintil de renda (a mais baixa, acrescento) caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada”. Ou seja, essa diferença é antiga, alta e permanece, ainda que em proporções menores.

Passando às implicações, isso agravou a desigualdade social em números absolutos, ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente, e, a partir de meados do século passado, com o tamanho da discrepância se manifestando mais nas áreas urbanas e nas cidades maiores, com seus desdobramentos como favelas, moradores de rua e insegurança pública, entre outros.

Na esfera política, as implicações são menos evidentes, mas também fortes. Em meados do século passado, a política tinha um quê de elitista. Políticos, predominantemente das áreas urbanas, mostravam maior educação formal, com valorização de grandes oradores, então chamados de tribunos. Cheguei a ouvir alguns, como Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Oscar Dias Correia e San Tiago Dantas, entre outros.

Mas, com os mais pobres tornando-se o grupo de eleitores mais importante, isso despertou o populismo, com os políticos voltando-se principalmente para o atendimento das reivindicações desse segmento. Getúlio Vargas foi um precursor desse movimento, mas Lula tornou-se seu expoente. Bolsonaro também tentou, mas seu perfil pessoal revelou-se inadequado. Lula, além de mais popular, tem também forte apoio no Nordeste, pois é oriundo da mesma região e fala a linguagem dos conterrâneos.

No Congresso, o destaque populista é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que gerenciou emendas parlamentares destinadas a atender clientelas de deputados que chamaria de micropopulistas, lá na ponta de seu eleitorado. Lira foi reeleito presidente com votação recorde, que alcançou inclusive deputados de sua “oposição”.

Voltando à economia, ela e seu PIB foram prejudicados pelo populismo. Ao atender prioritariamente à clientela populista, além de outras, o governo reduziu drasticamente o investimento público, que havia chegado perto de 10% do PIB em 1977, e hoje está pouco acima de 1%. Com isso, o crescimento econômico foi prejudicado. A tributação e a dívida pública também aumentaram muito, gerando tensões fiscais.

Confesso que no horizonte que contemplo não vejo saída para a crise em andamento, pois tem raízes profundas como essas que apontei. Prego um ajuste via reformas e controle dos gastos públicos, mas neste segundo caso tenho a sensação de estar pregando no deserto.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Que o Brasil está em crise não há dúvida. Desde a década de 1980 seu Produto Interno Bruto (PIB), no lado econômico da crise, passou a crescer a taxas bem menores do que as de meados do século passado, e também abaixo da média das taxas ocorridas nos países em desenvolvimento. Ou seja, está ficando para trás. E há, também, os lados político e social da crise.

Em 2022 sabe-se que o PIB deve ter crescido perto de 3%, taxa razoável diante das circunstâncias. Mas, a partir do terceiro trimestre, passou a taxas trimestrais decrescentes e deve ter fechado o quarto trimestre do ano com taxa bem ruim, talvez até negativa. Os números finais trimestrais e do ano devem vir do IBGE brevemente. A queda das taxas trimestrais ainda não foi superada e já prejudicou o crescimento de 2023, para o qual analistas do mercado, por meio do boletim Focus, do Banco Central, preveem taxa anual do PIB de apenas 0,8%, e há incertezas sobre sua recuperação.

No que se segue, abordarei, além de outras questões, uma que ainda não vi tratada pelos analistas da crise: a demográfica. Entendo que ela teve forte impacto nas áreas política e social e, a partir daí, também na econômica.

Em meados do século passado, o País tinha uma população bem menor, de 51,9 milhões em 1950, e parcela importante ficava nas zonas rurais, com baixo peso político. A área política tinha uma conotação predominantemente urbana.

O crescimento populacional era alto, o PIB teve um bom desempenho econômico até os anos 1970, inclusive com forte industrialização, e a migração do campo para as cidades, em particular das famílias de baixa renda, deu forte peso político a essa população. Além dessa migração para as cidades, aumentou seu componente vindo do Nordeste para o Sudeste – e a chegada de Lula aqui foi nesse contexto.

Neste quadro, outra questão demográfica importante veio do fato de que as famílias mais pobres tinham, como ainda têm, mais filhos do que as famílias mais ricas. Ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente do que a mais rica. No dia 2 deste mês, em artigo na Folha de S.Paulo, o economista Michael França trouxe dados importantes sobre o assunto. Escreveu ele: “Em 1991, enquanto as (famílias) de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2 (acrescento: o número de filhos que em média as mulheres têm na sua idade fértil), esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. (...) Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres do primeiro quintil de renda (a mais baixa, acrescento) caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada”. Ou seja, essa diferença é antiga, alta e permanece, ainda que em proporções menores.

Passando às implicações, isso agravou a desigualdade social em números absolutos, ou seja, a população mais pobre cresceu mais rapidamente, e, a partir de meados do século passado, com o tamanho da discrepância se manifestando mais nas áreas urbanas e nas cidades maiores, com seus desdobramentos como favelas, moradores de rua e insegurança pública, entre outros.

Na esfera política, as implicações são menos evidentes, mas também fortes. Em meados do século passado, a política tinha um quê de elitista. Políticos, predominantemente das áreas urbanas, mostravam maior educação formal, com valorização de grandes oradores, então chamados de tribunos. Cheguei a ouvir alguns, como Carlos Lacerda, Pedro Aleixo, Oscar Dias Correia e San Tiago Dantas, entre outros.

Mas, com os mais pobres tornando-se o grupo de eleitores mais importante, isso despertou o populismo, com os políticos voltando-se principalmente para o atendimento das reivindicações desse segmento. Getúlio Vargas foi um precursor desse movimento, mas Lula tornou-se seu expoente. Bolsonaro também tentou, mas seu perfil pessoal revelou-se inadequado. Lula, além de mais popular, tem também forte apoio no Nordeste, pois é oriundo da mesma região e fala a linguagem dos conterrâneos.

No Congresso, o destaque populista é o presidente da Câmara, Arthur Lira, que gerenciou emendas parlamentares destinadas a atender clientelas de deputados que chamaria de micropopulistas, lá na ponta de seu eleitorado. Lira foi reeleito presidente com votação recorde, que alcançou inclusive deputados de sua “oposição”.

Voltando à economia, ela e seu PIB foram prejudicados pelo populismo. Ao atender prioritariamente à clientela populista, além de outras, o governo reduziu drasticamente o investimento público, que havia chegado perto de 10% do PIB em 1977, e hoje está pouco acima de 1%. Com isso, o crescimento econômico foi prejudicado. A tributação e a dívida pública também aumentaram muito, gerando tensões fiscais.

Confesso que no horizonte que contemplo não vejo saída para a crise em andamento, pois tem raízes profundas como essas que apontei. Prego um ajuste via reformas e controle dos gastos públicos, mas neste segundo caso tenho a sensação de estar pregando no deserto.

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