O jornalista Rolf Kuntz escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Além da inflação, é preciso olhar o longo prazo


A ação do governo produz efeitos mais duradouros e mais amplos quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados

Por Rolf Kuntz

O inferno são os outros, como escreveu Jean-Paul Sartre no final de uma peça, e isso explica, segundo Luiz Inácio Lula da Silva, a alta do dólar, o crédito caro e o risco de novos aumentos dos juros. A culpa é da gestão anterior do Banco Central (BC), quando a instituição foi chefiada pelo economista Roberto Campos Neto, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há como desmontar de uma hora para outra, argumentou o presidente Lula, a “arapuca” deixada por essa gestão “totalmente irresponsável”. Ele se dispensou de qualquer referência à inflação dos últimos dois anos, às projeções de aumento de preços em 2025, à perspectiva de mais déficits federais e à expectativa de aumento da dívida pública. Também isso será, quase certamente, atribuível a desmandos alheios, talvez à diplomacia de Donald Trump.

De toda forma, cuidar da inflação é tarefa prioritária do BC. Indicado por Lula, o atual presidente da instituição, Gabriel Galípolo, tem afirmado e reafirmado o compromisso de conduzir tecnicamente a política monetária. É uma forma de reiterar sua independência em relação ao governo, embora ressaltando o bom relacionamento com o Executivo e, de modo especial, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O recente aumento de juros, anunciado no fim de janeiro, foi decidido com Galípolo já na presidência do BC.

Novos aumentos dependerão, segundo o Comitê de Política Monetária (Copom), do quadro geral da economia, da tendência dos preços e, naturalmente, da situação das contas do governo. O recado foi claro: a política de juros continuará a ser decidida, em grande parte, com base na condição das finanças federais e, de modo especial, nas expectativas em relação à dívida pública. Quanto à inflação, deverá continuar fortemente pressionada até o final deste semestre – um desafio já identificado, no Planalto, com sinais de preocupação.

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Números do fim do ano e do início de 2025 registraram, com dados oficiais, um inquietante aumento do custo da alimentação. O presidente da República tem discutido a inflação da comida e mostrado muito interesse no assunto, de evidente importância eleitoral, mas continua a se mostrar pouco receptivo às sugestões de contenção dos gastos públicos.

Atendendo às preocupações de seu chefe, o ministro da Agricultura tem procurado estimular o plantio de alimentos para garantir uma grande safra dentro de alguns meses. Seria um exagero, no entanto, atribuir a recente alta de preços à escassez de alimentos. Mesmo com problemas climáticos no ano passado, as colheitas foram razoáveis. Mas houve pressões cambiais e os preços internos foram claramente afetados, durante algum tempo, pela alta do dólar.

Boas safras são sempre um fator de segurança, mas o custo de vida pode refletir também as oscilações do câmbio e das cotações internacionais dos produtos agropecuários. Isso remete a outro tipo de problema, a pobreza de milhões de famílias num país de amplas desigualdades. Famílias pobres gastam com alimentos uma grande parcela de sua renda. Com orçamentos muito rígidos, são perigosamente vulneráveis a quaisquer aumentos de preços.

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Políticas e programas de apoio aos grupos mais pobres podem ser sempre defensáveis. Mas a ação do governo produz efeitos mais duradouros e mais amplos quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados. Não basta gastar para estimular a atividade econômica e o crescimento. Sem metas, etapas e custos definidos com razoável clareza, a despesa bem-intencionada pode converter-se em gastança, com desperdício, ganhos muito limitados e risco de grandes desarranjos nas contas públicas.

O presidente Lula cumpriu metade do mandato sem apresentar algo parecido com um plano. Há poucos dias o ministro da Fazenda encaminhou ao presidente e ao Congresso um conjunto de 25 propostas, defensáveis e, em alguns casos, até indispensáveis, mas sem a articulação de um planejamento. A pretensão do ministro parece ter sido mais limitada. Apesar disso, o material poderia motivar um debate útil, talvez com desdobramentos de longo prazo. Mas debates de grande alcance têm sido raros, no ambiente político de Brasília, e as preocupações parecem dificilmente ultrapassar as próximas eleições.

Se adotadas, algumas das propostas de Haddad – como a do fortalecimento do arcabouço fiscal – poderão simplesmente facilitar a passagem segura para uma nova etapa de crescimento econômico.

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Nenhuma das iniciativas propostas é revolucionária ou amplamente inovadora, mas todas podem favorecer a modernização das normas tributárias e da administração, além de produzir efeitos distributivos. É o caso, por exemplo, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, compensada por maior tributação das pessoas com rendas mais altas. Padrões desse tipo são encontrados normalmente nas economias desenvolvidas, onde é leve o imposto sobre o consumo e bem pesada a tributação sobre a renda e a riqueza. Mas esses dados talvez sejam ignorados por alguns dos envolvidos na avaliação das propostas. Aí está uma tarefa a mais para o professor Haddad.

*

JORNALISTA

O inferno são os outros, como escreveu Jean-Paul Sartre no final de uma peça, e isso explica, segundo Luiz Inácio Lula da Silva, a alta do dólar, o crédito caro e o risco de novos aumentos dos juros. A culpa é da gestão anterior do Banco Central (BC), quando a instituição foi chefiada pelo economista Roberto Campos Neto, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há como desmontar de uma hora para outra, argumentou o presidente Lula, a “arapuca” deixada por essa gestão “totalmente irresponsável”. Ele se dispensou de qualquer referência à inflação dos últimos dois anos, às projeções de aumento de preços em 2025, à perspectiva de mais déficits federais e à expectativa de aumento da dívida pública. Também isso será, quase certamente, atribuível a desmandos alheios, talvez à diplomacia de Donald Trump.

De toda forma, cuidar da inflação é tarefa prioritária do BC. Indicado por Lula, o atual presidente da instituição, Gabriel Galípolo, tem afirmado e reafirmado o compromisso de conduzir tecnicamente a política monetária. É uma forma de reiterar sua independência em relação ao governo, embora ressaltando o bom relacionamento com o Executivo e, de modo especial, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O recente aumento de juros, anunciado no fim de janeiro, foi decidido com Galípolo já na presidência do BC.

Novos aumentos dependerão, segundo o Comitê de Política Monetária (Copom), do quadro geral da economia, da tendência dos preços e, naturalmente, da situação das contas do governo. O recado foi claro: a política de juros continuará a ser decidida, em grande parte, com base na condição das finanças federais e, de modo especial, nas expectativas em relação à dívida pública. Quanto à inflação, deverá continuar fortemente pressionada até o final deste semestre – um desafio já identificado, no Planalto, com sinais de preocupação.

Números do fim do ano e do início de 2025 registraram, com dados oficiais, um inquietante aumento do custo da alimentação. O presidente da República tem discutido a inflação da comida e mostrado muito interesse no assunto, de evidente importância eleitoral, mas continua a se mostrar pouco receptivo às sugestões de contenção dos gastos públicos.

Atendendo às preocupações de seu chefe, o ministro da Agricultura tem procurado estimular o plantio de alimentos para garantir uma grande safra dentro de alguns meses. Seria um exagero, no entanto, atribuir a recente alta de preços à escassez de alimentos. Mesmo com problemas climáticos no ano passado, as colheitas foram razoáveis. Mas houve pressões cambiais e os preços internos foram claramente afetados, durante algum tempo, pela alta do dólar.

Boas safras são sempre um fator de segurança, mas o custo de vida pode refletir também as oscilações do câmbio e das cotações internacionais dos produtos agropecuários. Isso remete a outro tipo de problema, a pobreza de milhões de famílias num país de amplas desigualdades. Famílias pobres gastam com alimentos uma grande parcela de sua renda. Com orçamentos muito rígidos, são perigosamente vulneráveis a quaisquer aumentos de preços.

Políticas e programas de apoio aos grupos mais pobres podem ser sempre defensáveis. Mas a ação do governo produz efeitos mais duradouros e mais amplos quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados. Não basta gastar para estimular a atividade econômica e o crescimento. Sem metas, etapas e custos definidos com razoável clareza, a despesa bem-intencionada pode converter-se em gastança, com desperdício, ganhos muito limitados e risco de grandes desarranjos nas contas públicas.

O presidente Lula cumpriu metade do mandato sem apresentar algo parecido com um plano. Há poucos dias o ministro da Fazenda encaminhou ao presidente e ao Congresso um conjunto de 25 propostas, defensáveis e, em alguns casos, até indispensáveis, mas sem a articulação de um planejamento. A pretensão do ministro parece ter sido mais limitada. Apesar disso, o material poderia motivar um debate útil, talvez com desdobramentos de longo prazo. Mas debates de grande alcance têm sido raros, no ambiente político de Brasília, e as preocupações parecem dificilmente ultrapassar as próximas eleições.

Se adotadas, algumas das propostas de Haddad – como a do fortalecimento do arcabouço fiscal – poderão simplesmente facilitar a passagem segura para uma nova etapa de crescimento econômico.

Nenhuma das iniciativas propostas é revolucionária ou amplamente inovadora, mas todas podem favorecer a modernização das normas tributárias e da administração, além de produzir efeitos distributivos. É o caso, por exemplo, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, compensada por maior tributação das pessoas com rendas mais altas. Padrões desse tipo são encontrados normalmente nas economias desenvolvidas, onde é leve o imposto sobre o consumo e bem pesada a tributação sobre a renda e a riqueza. Mas esses dados talvez sejam ignorados por alguns dos envolvidos na avaliação das propostas. Aí está uma tarefa a mais para o professor Haddad.

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JORNALISTA

O inferno são os outros, como escreveu Jean-Paul Sartre no final de uma peça, e isso explica, segundo Luiz Inácio Lula da Silva, a alta do dólar, o crédito caro e o risco de novos aumentos dos juros. A culpa é da gestão anterior do Banco Central (BC), quando a instituição foi chefiada pelo economista Roberto Campos Neto, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há como desmontar de uma hora para outra, argumentou o presidente Lula, a “arapuca” deixada por essa gestão “totalmente irresponsável”. Ele se dispensou de qualquer referência à inflação dos últimos dois anos, às projeções de aumento de preços em 2025, à perspectiva de mais déficits federais e à expectativa de aumento da dívida pública. Também isso será, quase certamente, atribuível a desmandos alheios, talvez à diplomacia de Donald Trump.

De toda forma, cuidar da inflação é tarefa prioritária do BC. Indicado por Lula, o atual presidente da instituição, Gabriel Galípolo, tem afirmado e reafirmado o compromisso de conduzir tecnicamente a política monetária. É uma forma de reiterar sua independência em relação ao governo, embora ressaltando o bom relacionamento com o Executivo e, de modo especial, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O recente aumento de juros, anunciado no fim de janeiro, foi decidido com Galípolo já na presidência do BC.

Novos aumentos dependerão, segundo o Comitê de Política Monetária (Copom), do quadro geral da economia, da tendência dos preços e, naturalmente, da situação das contas do governo. O recado foi claro: a política de juros continuará a ser decidida, em grande parte, com base na condição das finanças federais e, de modo especial, nas expectativas em relação à dívida pública. Quanto à inflação, deverá continuar fortemente pressionada até o final deste semestre – um desafio já identificado, no Planalto, com sinais de preocupação.

Números do fim do ano e do início de 2025 registraram, com dados oficiais, um inquietante aumento do custo da alimentação. O presidente da República tem discutido a inflação da comida e mostrado muito interesse no assunto, de evidente importância eleitoral, mas continua a se mostrar pouco receptivo às sugestões de contenção dos gastos públicos.

Atendendo às preocupações de seu chefe, o ministro da Agricultura tem procurado estimular o plantio de alimentos para garantir uma grande safra dentro de alguns meses. Seria um exagero, no entanto, atribuir a recente alta de preços à escassez de alimentos. Mesmo com problemas climáticos no ano passado, as colheitas foram razoáveis. Mas houve pressões cambiais e os preços internos foram claramente afetados, durante algum tempo, pela alta do dólar.

Boas safras são sempre um fator de segurança, mas o custo de vida pode refletir também as oscilações do câmbio e das cotações internacionais dos produtos agropecuários. Isso remete a outro tipo de problema, a pobreza de milhões de famílias num país de amplas desigualdades. Famílias pobres gastam com alimentos uma grande parcela de sua renda. Com orçamentos muito rígidos, são perigosamente vulneráveis a quaisquer aumentos de preços.

Políticas e programas de apoio aos grupos mais pobres podem ser sempre defensáveis. Mas a ação do governo produz efeitos mais duradouros e mais amplos quando contribui para a incorporação produtiva dos mais necessitados. Não basta gastar para estimular a atividade econômica e o crescimento. Sem metas, etapas e custos definidos com razoável clareza, a despesa bem-intencionada pode converter-se em gastança, com desperdício, ganhos muito limitados e risco de grandes desarranjos nas contas públicas.

O presidente Lula cumpriu metade do mandato sem apresentar algo parecido com um plano. Há poucos dias o ministro da Fazenda encaminhou ao presidente e ao Congresso um conjunto de 25 propostas, defensáveis e, em alguns casos, até indispensáveis, mas sem a articulação de um planejamento. A pretensão do ministro parece ter sido mais limitada. Apesar disso, o material poderia motivar um debate útil, talvez com desdobramentos de longo prazo. Mas debates de grande alcance têm sido raros, no ambiente político de Brasília, e as preocupações parecem dificilmente ultrapassar as próximas eleições.

Se adotadas, algumas das propostas de Haddad – como a do fortalecimento do arcabouço fiscal – poderão simplesmente facilitar a passagem segura para uma nova etapa de crescimento econômico.

Nenhuma das iniciativas propostas é revolucionária ou amplamente inovadora, mas todas podem favorecer a modernização das normas tributárias e da administração, além de produzir efeitos distributivos. É o caso, por exemplo, da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, compensada por maior tributação das pessoas com rendas mais altas. Padrões desse tipo são encontrados normalmente nas economias desenvolvidas, onde é leve o imposto sobre o consumo e bem pesada a tributação sobre a renda e a riqueza. Mas esses dados talvez sejam ignorados por alguns dos envolvidos na avaliação das propostas. Aí está uma tarefa a mais para o professor Haddad.

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