Combater a fome, a pobreza e a desigualdade é a grande agenda proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Grupo dos 20 (G-20), atualmente coordenado pelo Brasil. Muito além da ajuda aos povos mais pobres, essa pauta deve incluir alterações importantes na governança internacional, com nova repartição de poder entre países avançados, emergentes e em desenvolvimento. É uma bandeira muito mais fácil de carregar do que de implantar no cenário global da política e da economia.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem cinco membros permanentes e com poder de veto — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China. As duas maiores economias, a americana e a chinesa, representam cerca de 62% do produto bruto mundial. Politicamente rivais, as duas potências mantêm um comércio volumoso e uma clara interdependência tecnológica. Nenhum esforço retórico do presidente Lula afetará os interesses da China em relação aos grandes mercados capitalistas, nem desviará os líderes chineses dos objetivos nacionais.
Parte da esquerda brasileira parece incapaz de perceber essa obviedade. Líderes da China podem aceitar convites para integrar este ou aquele grupo, ou para desfilar em escolas de samba com bandeiras desta ou daquela cor, mas sem abandonar sua meta central: ultrapassar os Estados Unidos e converter seu país na maior potência mundial, com peso econômico e político em todos os mercados.
Chineses talvez atendam, sorridentes, a muitos chamados do governante brasileiro, mas por que retornariam à posição de país menos desenvolvido e menos poderoso? Se julgarem lucrativo, poderão carregar bandeiras do Sul Global, essa entidade geoeconômica — e, talvez, geopolítica — imaginada pelo presidente Lula em sua nova fase de sindicalista. Mas dificilmente irão mais longe. Os homens fortes de Pequim seguem programas de longo prazo, como ficou claro nos últimos 30 ou 40 anos de expansão chinesa.
Além disco, é difícil avaliar, neste momento, a influência do presidente brasileiro sobre políticos de nações emergentes, em desenvolvimento e subdesenvolvidas. Não há como desconhecer seu recente giro pela África, nem se pode menosprezar, diplomaticamente, seu novo contato com o Caribe. Em todas essas áreas, no entanto, o governo brasileiro terá de competir, se estiver em busca de projeção internacional, com a presença dominante das potências coloniais europeias, dos Estados Unidos e também da China.
O presidente Lula terá mais sucesso em suas ambições internacionais, quase certamente, se assumir uma atitude mais prosaica, menos sindicalista e mais inspirada pela experiência brasileira das últimas seis décadas. A presença do Brasil tem-se consolidado na maior parte do mundo por meio de um comércio crescente e de uma diplomacia comercial geralmente bem conduzida.
Diplomacia comercial combina com padrões de equilíbrio e de neutralidade muitas vezes defendidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O abandono recente desses padrões ocorreu, sem grande surpresa e com efeitos muito ruins, no mandato do presidente Jair Bolsonaro. Em nenhum momento o presidente Lula e seus assessores deveriam esquecer essa experiência.
Combina com a biografia do presidente Lula a defesa, no plano internacional, do combate à desigualdade econômica e política, da mitigação da fome e da eliminação da pobreza. A presidência brasileira do G-20 pode facilitar a agitação dessas bandeiras, mas todos esses objetivos dependem de políticas de longo prazo e de ações diplomáticas complexas e realistas. Será preciso conduzir essas políticas num mundo ainda sujeito, por muito tempo, aos interesses de algumas poucas potências, incluídas, é claro, a Rússia e a China.