Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A parceria estratégica com a China


Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências

Por Rubens Barbosa

O saldo da visita de Lula à China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em razão dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional, pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, logo em seguida à visita a Pequim, e a notícia do veto russo à venda de munição à Alemanha para fornecimento à Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira.

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década de 1990, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Ocorre que o governo chinês havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos nas áreas agrícola e mineral. Passadas três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto publicado ao final da visita, em grande parte, incluiu declarações de intenção que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia da informação, inteligência artificial (IA), centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz síncrotron, cooperação espacial. Se o governo, o setor privado e a universidade realmente se empenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas.

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O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o País na linha de frente da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Este pode ser, no longo prazo, o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o acordo com a União Europeia e continuar os entendimentos para a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil.

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China evitou comprometer-se quanto à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto à proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e à compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir à Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e do banco chinês para empréstimo de US$ 1,3 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e Estados.

Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Pequim ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial – tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores e da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

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Apesar das críticas, até aqui não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Pequim, conduzida por Mercadante e Haddad, e não por Mauro Vieira, e nas viagens de Amorim à Colômbia, à Rússia e à Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam de uma maneira ou de outra acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

O saldo da visita de Lula à China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em razão dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional, pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, logo em seguida à visita a Pequim, e a notícia do veto russo à venda de munição à Alemanha para fornecimento à Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira.

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década de 1990, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Ocorre que o governo chinês havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos nas áreas agrícola e mineral. Passadas três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto publicado ao final da visita, em grande parte, incluiu declarações de intenção que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia da informação, inteligência artificial (IA), centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz síncrotron, cooperação espacial. Se o governo, o setor privado e a universidade realmente se empenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas.

O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o País na linha de frente da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Este pode ser, no longo prazo, o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o acordo com a União Europeia e continuar os entendimentos para a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil.

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China evitou comprometer-se quanto à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto à proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e à compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir à Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e do banco chinês para empréstimo de US$ 1,3 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e Estados.

Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Pequim ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial – tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores e da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

Apesar das críticas, até aqui não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Pequim, conduzida por Mercadante e Haddad, e não por Mauro Vieira, e nas viagens de Amorim à Colômbia, à Rússia e à Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam de uma maneira ou de outra acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

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O saldo da visita de Lula à China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em razão dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional, pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, logo em seguida à visita a Pequim, e a notícia do veto russo à venda de munição à Alemanha para fornecimento à Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira.

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década de 1990, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Ocorre que o governo chinês havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos nas áreas agrícola e mineral. Passadas três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto publicado ao final da visita, em grande parte, incluiu declarações de intenção que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia da informação, inteligência artificial (IA), centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz síncrotron, cooperação espacial. Se o governo, o setor privado e a universidade realmente se empenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas.

O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o País na linha de frente da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Este pode ser, no longo prazo, o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o acordo com a União Europeia e continuar os entendimentos para a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil.

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China evitou comprometer-se quanto à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto à proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e à compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir à Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e do banco chinês para empréstimo de US$ 1,3 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e Estados.

Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Pequim ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial – tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores e da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

Apesar das críticas, até aqui não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Pequim, conduzida por Mercadante e Haddad, e não por Mauro Vieira, e nas viagens de Amorim à Colômbia, à Rússia e à Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam de uma maneira ou de outra acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

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O saldo da visita de Lula à China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em razão dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional, pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, logo em seguida à visita a Pequim, e a notícia do veto russo à venda de munição à Alemanha para fornecimento à Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira.

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década de 1990, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Ocorre que o governo chinês havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos nas áreas agrícola e mineral. Passadas três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto publicado ao final da visita, em grande parte, incluiu declarações de intenção que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia da informação, inteligência artificial (IA), centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz síncrotron, cooperação espacial. Se o governo, o setor privado e a universidade realmente se empenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas.

O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o País na linha de frente da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Este pode ser, no longo prazo, o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o acordo com a União Europeia e continuar os entendimentos para a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil.

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China evitou comprometer-se quanto à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto à proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e à compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir à Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e do banco chinês para empréstimo de US$ 1,3 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e Estados.

Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Pequim ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial – tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores e da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

Apesar das críticas, até aqui não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Pequim, conduzida por Mercadante e Haddad, e não por Mauro Vieira, e nas viagens de Amorim à Colômbia, à Rússia e à Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam de uma maneira ou de outra acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

O saldo da visita de Lula à China foi positivo, mas, de novo, o marketing foi muito negativo em razão dos arroubos verbais presidenciais sobre a guerra na Ucrânia e a parceria estratégica com a China. Apesar de toda sua experiência, Lula está ignorando alguns princípios básicos na diplomacia: saber ficar calado, falar pouco e ter um discurso moderado. Era previsível a repercussão na mídia norte-americana e nacional, pelo que foi interpretado como mudança da posição do Brasil e pelas críticas aos EUA. A coincidência da visita do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, logo em seguida à visita a Pequim, e a notícia do veto russo à venda de munição à Alemanha para fornecimento à Ucrânia e possível cooperação nuclear também ajudaram a colocar em dúvida a equidistância brasileira.

Quando a China propôs uma parceria estratégica com o Brasil na década de 1990, o governo brasileiro apreciou o gesto e proclamou o novo nível do relacionamento bilateral. Ocorre que o governo chinês havia estudado por muito tempo o que queria dessa parceria e, nos últimos 15 anos, definiu seus interesses e objetivos nas áreas agrícola e mineral. Passadas três décadas dessa parceria estratégica, o Brasil ainda não definiu como quer se beneficiar dela.

O comunicado conjunto publicado ao final da visita, em grande parte, incluiu declarações de intenção que poderiam estabelecer as bases da parceria estratégica, segundo o interesse brasileiro: cooperação nas áreas de economia digital, comércio eletrônico, tecnologia da informação, inteligência artificial (IA), centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação, luz síncrotron, cooperação espacial. Se o governo, o setor privado e a universidade realmente se empenharem para concretizar essas intenções, tecnologia e inovação poderiam sintetizar o interesse brasileiro na parceria estratégica. Assim como fez a China nas áreas de seu interesse, cabe ao Brasil tomar as medidas internas necessárias para desenvolver a cooperação em todas essas áreas.

O Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos em muitas áreas. Surge a oportunidade de recuperar o tempo perdido e colocar o País na linha de frente da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na IA. Este pode ser, no longo prazo, o principal resultado da visita. Caso a parceria estratégica entre o Brasil e a China se desenvolva e se amplie, será importante dinamizar os mecanismos de cooperação existentes com os EUA, assinar o acordo com a União Europeia e continuar os entendimentos para a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou com quem estiver disposto a colaborar com o Brasil.

Apesar da retórica da reforma da governança global, o comunicado defende o fortalecimento da ONU e da Organização Mundial do Comércio (OMC). A China evitou comprometer-se quanto à candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, quanto à proposta de formação de um grupo da paz para o fim das hostilidades na Ucrânia e à compra de aviões da Embraer. E o Brasil, a aderir à Rota da Seda. Houve, em separado, uma longa declaração sobre meio ambiente e mudança de clima, acordo do BNDES e do banco chinês para empréstimo de US$ 1,3 bilhão para investimento em infraestrutura, além de acordos comerciais entre empresas e Estados.

Os contrastes e os resultados entre a visita a Washington e a Pequim ficaram evidentes, mas podem ser explicados pela diferente natureza dos encontros com Biden e com Xi Jinping. Nos EUA, a ênfase foi política, com o fortalecimento da democracia e das instituições, além da nova prioridade de meio ambiente e mudança de clima. Na China, foi econômica e comercial – tanto que os aspectos políticos da guerra na Ucrânia, da Rota da Seda, dos semicondutores e da moeda foram minimizados no comunicado conjunto.

Apesar das críticas, até aqui não há evidência concreta de que o Brasil esteja abandonando a política, na defesa do interesse nacional, de manter-se equidistante nas tensões entre os EUA e a China, mesmo com a contradição entre princípios e valores e interesses, como de resto ocorre com todos os países, inclusive os EUA e as nações europeias. As declarações presidenciais sobre a guerra na Ucrânia – retificadas no discurso escrito durante a visita do presidente da Romênia e atenuadas ainda mais na visita a Portugal – não devem gerar consequências negativas contra o Brasil, mas podem acelerar o gradual esvaziamento do Itamaraty, como evidenciado na entrevista ao final da visita a Pequim, conduzida por Mercadante e Haddad, e não por Mauro Vieira, e nas viagens de Amorim à Colômbia, à Rússia e à Ucrânia.

Com a crescente tendência geopolítica de formação de dois polos, repetindo em outras bases a guerra fria entre os EUA e a União Soviética, o Brasil tem de definir de forma mais clara seus interesses a fim de sobreviver à divisão das atuais superpotências. Para manter uma autonomia estratégica na confrontação, não ideológica e militar, mas econômica, comercial e tecnológica, entre as superpotências e apoiar a multipolaridade, o Brasil tem de manter seu relacionamento com os EUA, a China e a Rússia afastado de considerações partidárias, ideológicas e agora também geopolíticas, que possam de uma maneira ou de outra acarretar algum tipo de restrição econômica ou comercial contra interesses concretos brasileiros.

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