O comércio exterior brasileiro ultrapassou meio trilhão de dólares em 2023. A notícia foi saudada como um grande sucesso do comércio brasileiro no mundo. A corrente de comércio subiu a mais de US$ 580 bilhões, com US$ 339,7 bilhões de exportação (aumento de 1,7% em relação a 2022) e US$ 240,8 bilhões de importação (queda de 11,7% em relação a 2022). O superávit recorde chegou a US$ 98,8 bilhões, crescimento de 60% em relação a 2022 (mais da metade com um único país, a China). O Brasil se consolidou como um dos maiores exportadores mundiais de alimentos e minério, com mais de 18% e 26% das exportações totais do País, respectivamente. Cresceu o número de empresas exportadoras, que hoje chegam a 28.500. E acentuou-se a importância do mercado asiático (mais de 50% das exportações totais), em especial o da China, Hong Kong e Macau, que representaram US$ 105,75 bilhões, mais de 30% das exportações totais brasileiras.
O comércio exterior se beneficiou de medidas tomadas pelo governo em 2022 para desburocratizar procedimentos e reduzir custos das transações. O BNDES voltou a apoiar as exportações, aumentando a competitividade dos produtos nacionais. A promoção comercial e a cultura exportadora foram fortalecidas por ações da Apex e do Sebrae. Acordos de comércio, como o assinado com Cingapura, e o de liberalização e simplificação com os EUA, inclusive com o fim da sobretaxa às exportações brasileiras de aço, foram positivos. A reforma tributária contribuirá para melhorar a competitividade.
Como disse o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, “os resultados nos desafiam a fazer mais para abrir novos mercados e melhorar a competitividade e incluir produtos de maior valor agregado”. Os desafios para o comércio exterior brasileiro vão além do que corretamente mencionou Alckmin. Os números realmente impressionantes geraram um sentimento ufanista (Brasil, celeiro do mundo), mas escondem vulnerabilidades que um país do porte do Brasil (9.ª economia global) não poderia aceitar, em razão das incertezas geradas pelas transformações da economia e da geopolítica global.
A dependência do agronegócio para o sucesso econômico do País preocupa pelo fato de o setor agrícola ter-se tornado o motor da economia. Os EUA e a Europa também são grandes produtores agrícolas, mas lá o setor industrial tem sua força própria, ao contrário do que ocorre no Brasil.
A concentração, no comércio exterior brasileiro, de poucos produtos (soja, petróleo e minério de ferro representam 37% das exportações; cinco produtos, incluindo açúcar e milho, 46%; e oito produtos, 2/3 do total exportado) e poucos mercados (Ásia, Oriente Médio e norte da África representam 65% do total exportado) expõe o crescimento da economia, caso haja desaceleração do mercado externo (em especial na China) e redução da produção agrícola nacional por fatores climáticos, como está acontecendo este ano. A China concentra 75% das exportações da soja nacional.
As transformações da nova economia global criam outros tipos de vulnerabilidade, em consequência da ênfase em políticas industriais nos países desenvolvidos e de crescentes restrições externas para garantir autonomia soberana em virtude das mudanças geopolíticas e para atender às novas prioridades de políticas ambientais, como as medidas tomadas na Europa para eliminar as importações de produtos agrícolas provenientes de áreas desmatadas e as taxas de carbono (CBAM).
A crescente perda de importância da indústria em termos de PIB (que chegou a ser de 28% do PIB e, agora, na indústria de transformação, pouco passa de 10%) fez cair o nível de investimento interno e as importações se reduziram significativamente (11%). A participação de produtos manufaturados brasileiros no mercado internacional está pouco acima de 0,5%).
Vulnerabilidade adicional da área externa é a ausência de um instrumento de financiamento das exportações. Como todos os principais países, urge a criação de um Eximbank para apoiar uma política de ampliação dos mercados na América Latina e na África, inclusive com a criação de cadeias regionais de produção de valor e com o necessário respaldo para os produtos da indústria de defesa.
O governo divulgou as linhas gerais de um programa de política industrial para fortalecer o setor e torná-lo mais competitivo no mercado externo. Com metas até 2033, o plano dá grande ênfase ao papel do governo, como têm feito os EUA e países europeus. Subsídios e conteúdo local aparecem ao lado de incentivos, linhas de crédito e compras governamentais em seis setores, entre os quais saúde, defesa, infraestrutura, saneamento e mobilidade. Transformação digital da indústria, bioeconomia, descarbonização e transição energética são prioridades para a modernização do setor.
Com maior valor agregado, o aumento das exportações de produtos industriais reduziria a dependência da economia do setor de commodities, agrícolas, minerais e energéticas. Pelo potencial de crescimento do comércio exterior em razão do dinamismo do agro e da recuperação gradual da competitividade industrial, se as vulnerabilidades forem reduzidas, será possível colocar como meta o US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos, com a coordenação entre governo e setor privado.
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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS