O cenário internacional vem passando por profundas transformações, que terão impacto nos esforços brasileiros para alcançar objetivos relacionados ao seu desenvolvimento econômico e social e, também, à preservação de sua soberania e projeção externa.
A geopolítica voltou a ocupar o centro das atenções das grandes potências. Os principais atores com capacidade militar e vontade para usá-la, como a Otan, liderada pelos EUA, a Rússia e a China, encontram-se claramente em rota de colisão. Os EUA deixam cada vez mais clara a intenção de conter os avanços da China no cenário internacional, apesar de atitudes táticas de estabilizar as relações bilaterais e reduzir as tensões. A perspectiva de um conflito entre esses atores não deve ser descartada. A confrontação entre os EUA e a Otan com a Rússia, por meio da guerra na Ucrânia, dividiu o mundo. O Brasil, nas duas crises, definiu sua posição como de autonomia estratégica, de equidistância ativa entre os dois lados. Deve ser lembrado que os países ocidentais estão adotando uma posição muito proativa em questões de clima, inclusive no contexto da Defesa, como evidenciado por declaração da Otan em sua última reunião, na Espanha em 2022. O Brasil tem sido alvo da atenção desses países e reiteradamente criticado pela política ambiental e pela devastação da Amazônia.
Por outro lado, cabe apontar que uma nova era de operações bélicas, com o uso de alta tecnologia, já começou, tornando obsoletos os sistemas de armas usados nos conflitos e os sistemas de defesa para a proteção das fronteiras. Se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar meios robóticos e de inteligência artificial, estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seu território, sua extensão marítima ou seu espaço aéreo.
Em qualquer desses cenários, o Brasil necessitará de uma capacidade militar crível e muito superior à que hoje possui, para dissuadir possíveis ameaças e para aumentar sua projeção externa. As três áreas ressaltadas na Estratégia Nacional de Defesa (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na Otan, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios da inteligência artificial. Nenhum país de grande porte, como o Brasil, pode prescindir de uma capacidade industrial, tecnológica e de inovação própria para manter Forças Armadas modernas e capazes de enfrentar qualquer tipo de ameaça. O Brasil tem uma base industrial de defesa muito pequena e incapaz de atender às necessidades de suas Forças Armadas. Quase todos os meios existentes e/ou os seus principais componentes e tecnologias críticas são fornecidos por países da Otan.
É necessário atentar para a qualidade dos investimentos em Defesa, já que mais de 3/4 dos gastos são com bens e serviços de origem estrangeira. É fundamental criar condições para aumentar o conteúdo nacional dos sistemas de Defesa, de forma a potencializar a reindustrialização e a geração de empregos. Esta dependência de meios e tecnologias dos países da Otan se constitui em enorme vulnerabilidade, especialmente no momento que estamos atravessando. Nesse contexto, parece claro que o Brasil precisa começar imediatamente um grande e continuado esforço para desenvolver, da forma mais autônoma possível, sua capacidade militar.
É necessário estabelecer uma agenda positiva para a Defesa de curto, médio e longo prazos, que inclua a Defesa como uma das vertentes da reindustrialização do País. A agenda de curto prazo deveria incluir, entre outros aspectos, o fortalecimento da Base Industrial da Defesa (BID), por meio de sua crescente nacionalização, da atuação do BNDES e do Banco do Brasil para o financiamento do comprador de produtos da BID e outorga de performance bonds e para a criação de empresas críticas de defesa.
Os acontecimentos político-militares recentes e as desconfianças criadas no mais alto nível do atual governo, é importante ressaltar, estão sendo contrabalançados pelo fato de que, apesar das tentativas da Presidência anterior e do envolvimento de militares da ativa em ações político-partidárias, as Forças Armadas, como instituição, nos últimos quatro anos, reafirmaram seu profissionalismo e evitaram qualquer interferência que pusesse em risco a democracia.
Neste cenário, torna-se urgente discutir dois temas: uma grande estratégia para o Brasil, uma estratégia de segurança nacional de médio e de longo prazos, a exemplo dos documentos recentes da Alemanha, dos EUA e do Reino Unido. Nesse contexto, deverão ser levadas em conta as atuais vulnerabilidades das Forças Armadas e estimulado, no âmbito das políticas de reindustrialização, o fortalecimento da indústria de defesa. E, com base na nova atitude profissional das Forças Armadas, examinar de forma transparente a normalização do relacionamento entre civis e militares, com a definição de regras e práticas de um efetivo controle do Executivo, do Legislativo e do Judiciário sobre os militares, como em muitos países.
Com a palavra a sociedade civil e o Congresso Nacional.
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É PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS DE DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL (CEDESEN)