Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O Brics e o movimento anti-Ocidente


O Brasil deveria aproveitar a presidência do bloco em 2025 e enunciar sua posição de equidistância dos antagonismos em formação, na defesa de seus interesses

Por Rubens Barbosa

A reunião do Brics, que se realiza as partir de hoje em Kazan, na Rússia, marca uma nova etapa na trajetória do grupo. Criado em 2006, por iniciativa da Rússia, o bloco foi constituído por Brasil, China, Índia e Rússia, e pouco depois incorporou a África do Sul. Em setembro de 2023, por influência da China, passaram a fazer parte também Emirados Árabes, Egito, Irã, Arábia Saudita, Etiópia.

A participação do Brics na economia global é uma consequência de seu peso econômico (32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7, metade da população mundial e 25% do comércio internacional). A China tornou-se a segunda potência global, a Índia e o Brasil estão entre as dez maiores economias do mundo, a Rússia é uma potência nuclear e a África do Sul, a maior economia da África.

A gradual ampliação dos países participantes no Brics era previsível a partir do momento em que a China convenceu o Brasil e a Índia a aceitar a inclusão de novos membros. Por iniciativa da China, em Kazan, será criada a categoria de parceiros do Brics para os novos membros, com a possível fixação de alguns critérios, como a representação geográfica, a oposição a sanções econômicas unilaterais, o apoio a reforma da ONU, especialmente a do Conselho de Segurança. Apesar das dificuldades criadas com a guerra da Rússia com a Ucrânia e da crescente tensão entre a China e os EUA, o interesse dos países em se juntar ao Brics, estimulado por Pequim, cresceu fortemente nos últimos meses, e 35 países (inclusive o Afeganistão, do Taleban) estão pleiteando a participação no grupo.

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Na reunião presidencial da Rússia, mais dez países deverão ser aceitos pelo Brics, entre eles são mencionados Cuba, Venezuela, Bolívia, Bielorrússia. A decisão de dobrar o número de participantes de todos os continentes, sob a liderança da China, com a inclusão de países autoritários e de viés anti-EUA, está tornando o Brics o embrião de um movimento antiocidental. Com o predomínio da China, o movimento tende a se ampliar com a grande maioria dos países com uma postura antiamericana e com viés pró-Rússia. A China e a Rússia veem o grupo como um ponto de confrontação com o Ocidente, como a inclusão do Irã evidencia.

A contraposição ao Ocidente (conjunto de países sem delimitação geográfica, integrado pelos EUA, Europa, Japão, Austrália e outros países em todos os continentes) não é ideológica ou militar, mas de princípios, valores, na economia, nas finanças e nos avanços tecnológicos. A tendência de divisão do mundo entre Ocidente e o movimento antiocidental está aí para ficar. As implicações geopolíticas são evidentes e poderosas. A guerra da Rússia na Ucrânia representou um problema para o Brics, como originalmente concebido, pois um país-membro passou a ser visto como um inimigo ocidental, o que inevitavelmente contaminou a percepção política sobre o grupo.

Embora sem uma agenda comum, os países-membros do Brics passaram a ampliar suas relações, tornaram-se mais conhecidos e passaram a coordenar suas ações nos organismos multilaterais, como a ONU, em temas de interesse comum. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento foi o primeiro sinal de uma nova governança global, e a plataforma de desafio à hegemonia do dólar nas trocas comerciais, com a utilização do renminbi ou moedas locais, é outro indício da contestação em marcha, com previsível reação norte-americana, evidenciada pela ameaça de Donald Trump de taxar em 100% os produtos de países que aderirem. Apesar de existir o potencial para influir ao longo dos anos na governança global, as limitações internas e externas do grupo dificultam a ideia de se tornar uma efetiva alternativa à ordem ocidental.

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Quais os interesses do Brasil? Como o Brasil se situa no contexto do novo Brics? O Brics é para o Brasil um espaço privilegiado de articulação político-diplomática, bem como plataforma de cooperação em áreas que incluem virtualmente todos os principais temas da agenda internacional. O Brasil procura usar o Brics como alavanca para uma nova governança global, em que a multipolaridade prevaleceria sobre a unipolaridade, sem necessariamente confrontar o Ocidente. A reforma das instituições multilaterais permanece sendo objetivo central para o Brasil, ao lado do desenvolvimento de uma plataforma para a promoção do uso de moedas locais como meio de pagamentos e a expansão e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento. Apesar de não concordar com a ideia de o Brics ser um vetor de disputa estratégica ou confrontação geopolítica e um agrupamento que pretende competir com o G-7 ou substituir as atuais organizações multilaterais, o Brasil, a exemplo da Índia, deveria permanecer no bloco, mesmo com o risco de ficar isolado no âmbito dos novos países-membros, com previsível perda de influência, até mesmo na definição da agenda do grupo.

Em 2025, o Brasil assume a presidência do Brics ampliado, com a proposta de fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável. O Brasil deveria aproveitar essa oportunidade e enunciar claramente sua posição de equidistância dos antagonismos em formação entre dois blocos na defesa de seus interesses econômicos, financeiros e comerciais.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

A reunião do Brics, que se realiza as partir de hoje em Kazan, na Rússia, marca uma nova etapa na trajetória do grupo. Criado em 2006, por iniciativa da Rússia, o bloco foi constituído por Brasil, China, Índia e Rússia, e pouco depois incorporou a África do Sul. Em setembro de 2023, por influência da China, passaram a fazer parte também Emirados Árabes, Egito, Irã, Arábia Saudita, Etiópia.

A participação do Brics na economia global é uma consequência de seu peso econômico (32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7, metade da população mundial e 25% do comércio internacional). A China tornou-se a segunda potência global, a Índia e o Brasil estão entre as dez maiores economias do mundo, a Rússia é uma potência nuclear e a África do Sul, a maior economia da África.

A gradual ampliação dos países participantes no Brics era previsível a partir do momento em que a China convenceu o Brasil e a Índia a aceitar a inclusão de novos membros. Por iniciativa da China, em Kazan, será criada a categoria de parceiros do Brics para os novos membros, com a possível fixação de alguns critérios, como a representação geográfica, a oposição a sanções econômicas unilaterais, o apoio a reforma da ONU, especialmente a do Conselho de Segurança. Apesar das dificuldades criadas com a guerra da Rússia com a Ucrânia e da crescente tensão entre a China e os EUA, o interesse dos países em se juntar ao Brics, estimulado por Pequim, cresceu fortemente nos últimos meses, e 35 países (inclusive o Afeganistão, do Taleban) estão pleiteando a participação no grupo.

Na reunião presidencial da Rússia, mais dez países deverão ser aceitos pelo Brics, entre eles são mencionados Cuba, Venezuela, Bolívia, Bielorrússia. A decisão de dobrar o número de participantes de todos os continentes, sob a liderança da China, com a inclusão de países autoritários e de viés anti-EUA, está tornando o Brics o embrião de um movimento antiocidental. Com o predomínio da China, o movimento tende a se ampliar com a grande maioria dos países com uma postura antiamericana e com viés pró-Rússia. A China e a Rússia veem o grupo como um ponto de confrontação com o Ocidente, como a inclusão do Irã evidencia.

A contraposição ao Ocidente (conjunto de países sem delimitação geográfica, integrado pelos EUA, Europa, Japão, Austrália e outros países em todos os continentes) não é ideológica ou militar, mas de princípios, valores, na economia, nas finanças e nos avanços tecnológicos. A tendência de divisão do mundo entre Ocidente e o movimento antiocidental está aí para ficar. As implicações geopolíticas são evidentes e poderosas. A guerra da Rússia na Ucrânia representou um problema para o Brics, como originalmente concebido, pois um país-membro passou a ser visto como um inimigo ocidental, o que inevitavelmente contaminou a percepção política sobre o grupo.

Embora sem uma agenda comum, os países-membros do Brics passaram a ampliar suas relações, tornaram-se mais conhecidos e passaram a coordenar suas ações nos organismos multilaterais, como a ONU, em temas de interesse comum. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento foi o primeiro sinal de uma nova governança global, e a plataforma de desafio à hegemonia do dólar nas trocas comerciais, com a utilização do renminbi ou moedas locais, é outro indício da contestação em marcha, com previsível reação norte-americana, evidenciada pela ameaça de Donald Trump de taxar em 100% os produtos de países que aderirem. Apesar de existir o potencial para influir ao longo dos anos na governança global, as limitações internas e externas do grupo dificultam a ideia de se tornar uma efetiva alternativa à ordem ocidental.

Quais os interesses do Brasil? Como o Brasil se situa no contexto do novo Brics? O Brics é para o Brasil um espaço privilegiado de articulação político-diplomática, bem como plataforma de cooperação em áreas que incluem virtualmente todos os principais temas da agenda internacional. O Brasil procura usar o Brics como alavanca para uma nova governança global, em que a multipolaridade prevaleceria sobre a unipolaridade, sem necessariamente confrontar o Ocidente. A reforma das instituições multilaterais permanece sendo objetivo central para o Brasil, ao lado do desenvolvimento de uma plataforma para a promoção do uso de moedas locais como meio de pagamentos e a expansão e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento. Apesar de não concordar com a ideia de o Brics ser um vetor de disputa estratégica ou confrontação geopolítica e um agrupamento que pretende competir com o G-7 ou substituir as atuais organizações multilaterais, o Brasil, a exemplo da Índia, deveria permanecer no bloco, mesmo com o risco de ficar isolado no âmbito dos novos países-membros, com previsível perda de influência, até mesmo na definição da agenda do grupo.

Em 2025, o Brasil assume a presidência do Brics ampliado, com a proposta de fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável. O Brasil deveria aproveitar essa oportunidade e enunciar claramente sua posição de equidistância dos antagonismos em formação entre dois blocos na defesa de seus interesses econômicos, financeiros e comerciais.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

A reunião do Brics, que se realiza as partir de hoje em Kazan, na Rússia, marca uma nova etapa na trajetória do grupo. Criado em 2006, por iniciativa da Rússia, o bloco foi constituído por Brasil, China, Índia e Rússia, e pouco depois incorporou a África do Sul. Em setembro de 2023, por influência da China, passaram a fazer parte também Emirados Árabes, Egito, Irã, Arábia Saudita, Etiópia.

A participação do Brics na economia global é uma consequência de seu peso econômico (32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7, metade da população mundial e 25% do comércio internacional). A China tornou-se a segunda potência global, a Índia e o Brasil estão entre as dez maiores economias do mundo, a Rússia é uma potência nuclear e a África do Sul, a maior economia da África.

A gradual ampliação dos países participantes no Brics era previsível a partir do momento em que a China convenceu o Brasil e a Índia a aceitar a inclusão de novos membros. Por iniciativa da China, em Kazan, será criada a categoria de parceiros do Brics para os novos membros, com a possível fixação de alguns critérios, como a representação geográfica, a oposição a sanções econômicas unilaterais, o apoio a reforma da ONU, especialmente a do Conselho de Segurança. Apesar das dificuldades criadas com a guerra da Rússia com a Ucrânia e da crescente tensão entre a China e os EUA, o interesse dos países em se juntar ao Brics, estimulado por Pequim, cresceu fortemente nos últimos meses, e 35 países (inclusive o Afeganistão, do Taleban) estão pleiteando a participação no grupo.

Na reunião presidencial da Rússia, mais dez países deverão ser aceitos pelo Brics, entre eles são mencionados Cuba, Venezuela, Bolívia, Bielorrússia. A decisão de dobrar o número de participantes de todos os continentes, sob a liderança da China, com a inclusão de países autoritários e de viés anti-EUA, está tornando o Brics o embrião de um movimento antiocidental. Com o predomínio da China, o movimento tende a se ampliar com a grande maioria dos países com uma postura antiamericana e com viés pró-Rússia. A China e a Rússia veem o grupo como um ponto de confrontação com o Ocidente, como a inclusão do Irã evidencia.

A contraposição ao Ocidente (conjunto de países sem delimitação geográfica, integrado pelos EUA, Europa, Japão, Austrália e outros países em todos os continentes) não é ideológica ou militar, mas de princípios, valores, na economia, nas finanças e nos avanços tecnológicos. A tendência de divisão do mundo entre Ocidente e o movimento antiocidental está aí para ficar. As implicações geopolíticas são evidentes e poderosas. A guerra da Rússia na Ucrânia representou um problema para o Brics, como originalmente concebido, pois um país-membro passou a ser visto como um inimigo ocidental, o que inevitavelmente contaminou a percepção política sobre o grupo.

Embora sem uma agenda comum, os países-membros do Brics passaram a ampliar suas relações, tornaram-se mais conhecidos e passaram a coordenar suas ações nos organismos multilaterais, como a ONU, em temas de interesse comum. A criação do Novo Banco de Desenvolvimento foi o primeiro sinal de uma nova governança global, e a plataforma de desafio à hegemonia do dólar nas trocas comerciais, com a utilização do renminbi ou moedas locais, é outro indício da contestação em marcha, com previsível reação norte-americana, evidenciada pela ameaça de Donald Trump de taxar em 100% os produtos de países que aderirem. Apesar de existir o potencial para influir ao longo dos anos na governança global, as limitações internas e externas do grupo dificultam a ideia de se tornar uma efetiva alternativa à ordem ocidental.

Quais os interesses do Brasil? Como o Brasil se situa no contexto do novo Brics? O Brics é para o Brasil um espaço privilegiado de articulação político-diplomática, bem como plataforma de cooperação em áreas que incluem virtualmente todos os principais temas da agenda internacional. O Brasil procura usar o Brics como alavanca para uma nova governança global, em que a multipolaridade prevaleceria sobre a unipolaridade, sem necessariamente confrontar o Ocidente. A reforma das instituições multilaterais permanece sendo objetivo central para o Brasil, ao lado do desenvolvimento de uma plataforma para a promoção do uso de moedas locais como meio de pagamentos e a expansão e o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento. Apesar de não concordar com a ideia de o Brics ser um vetor de disputa estratégica ou confrontação geopolítica e um agrupamento que pretende competir com o G-7 ou substituir as atuais organizações multilaterais, o Brasil, a exemplo da Índia, deveria permanecer no bloco, mesmo com o risco de ficar isolado no âmbito dos novos países-membros, com previsível perda de influência, até mesmo na definição da agenda do grupo.

Em 2025, o Brasil assume a presidência do Brics ampliado, com a proposta de fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável. O Brasil deveria aproveitar essa oportunidade e enunciar claramente sua posição de equidistância dos antagonismos em formação entre dois blocos na defesa de seus interesses econômicos, financeiros e comerciais.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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