Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Parceria estratégica com a China


A ideia de colaboração na construção do corredor ferroviário para o Pacífico poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos de relações entre Brasil e China

Por Rubens Barbosa
Atualização:

No ano em que os 50 anos do restabelecimento das relações entre o Brasil e a China são comemorados, a reunião da Comissão Mista de Alto Nível Brasil-China (Cosban), na próxima semana – quando Novo PAC, neoindustrialização, transição energética e cooperação financeira estarão na agenda –, e a visita, em novembro, do presidente Xi Jinping ao Brasil serão encontros marcantes, que deveriam ser aproveitados pelo governo para definir nossas prioridades com Pequim.

No momento em que as relações entre os EUA e a China se tornam mais conflitivas, especialmente na área tecnológica e econômico-comercial, torna-se urgente a definição de uma estratégia do Brasil para enfrentar as novas realidades geopolíticas que poderão impactar os interesses do País. Nesse contexto, a questão da integração regional, as conexões com a Ásia e os investimentos para facilitar projetos nessas áreas poderiam ser prioridades estratégicas do Brasil nos entendimentos durante o corrente ano.

O transporte de produtos de exportação do Brasil deixou de refletir essa grande mudança de eixo comercial. Para alcançar a Ásia, as exportações brasileiras têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente nem econômico. Torna-se cada vez mais urgente abrir corredores de exportação diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete para tornar os produtos brasileiros mais competitivos.

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Não está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um projeto estratégico que ligaria, por via ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros de extensão (1.900 quilômetros no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela Bolívia e chegando aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com recursos chineses. O corredor ferroviário que chegaria aos portos peruanos teria um sentido estratégico fundamental para o Brasil, se pudesse ser executado. Caso viável economicamente, esse corredor não só favoreceria o intercâmbio comercial com a Ásia, mas também ampliaria as comunicações via transporte ferroviário, mais barato, com os países vizinhos e permitiria o aumento do comércio bilateral. Com recursos escassos para desenvolver os projetos já incluídos no PAC, caberia um exame objetivo de eventual cooperação entre o Brasil e a China para a construção desse corredor ferroviário.

Na parte sul do território nacional, no próximo ano, deverá ficar pronto o corredor rodoviário que ligará Santos a portos chilenos, o que beneficiará a exportação de produtos da região para a China. Pequenos trechos no Paraguai e na Argentina deverão estar finalizados até o próximo ano, permitindo a utilização dessa via, construída com recursos de cada um dos países envolvidos (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), sem qualquer interveniência chinesa.

No curso de visita oficial ao Brasil em janeiro passado, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, propôs ao Brasil unir o PAC com investimentos na nova Rota da Seda aqui na América do Sul, da qual muitos outros países sul-americanos já participam. O convite apresenta questões delicadas do ponto de vista geopolítico e do relacionamento com os EUA. O tema não está suficientemente amadurecido no âmbito do governo brasileiro, mas deveria merecer a atenção do setor privado e uma análise pragmática do governo, de acordo com o interesse nacional. Há um esforço do governo para atrair investimento de empresas chinesas para projetos do PAC sem vinculação com a iniciativa chinesa. Caso haja recursos chineses para investimento na ferrovia, sem compromissos, inclusive quanto ao recebimento de trabalhadores chineses, a negociação do referido corredor ferroviário teria uma significação toda especial. Dado o interesse de Pequim e sua altíssima capacitação tecnológica no setor ferroviário, os entendimentos poderiam ser acelerados e a obra, respeitadas as regras ambientais, poderia ser iniciada sem mais delongas, com a participação financeira do Banco do Brics, de acordo com o interesse brasileiro.

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Na década de 1990, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty, a China propôs e o Brasil aceitou uma parceria estratégica que deveria beneficiar ambos os países. Os últimos 25 anos mostraram resultados bastante favoráveis a ambos os lados. Falta uma visão estratégica mais pragmática do lado brasileiro. A ideia de colaboração na construção do corredor ferroviário para o Pacífico, para o Porto de Chancay, no Peru, poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos. No primeiro ano de governo, algumas iniciativas importantes foram tomadas para uma maior aproximação e cooperação com os países da região. Está faltando uma política de integração física na América do Sul, liderada pelo Brasil, que possa beneficiar todos os países da região.

Na véspera da reunião da Cosban, Brasil e China aprovaram entendimento comum, possivelmente de iniciativa chinesa, em defesa de uma solução política para a crise na Ucrânia e a desescalada da guerra. Na ausência de uma ideia clara sobre a parceria estratégica com a China, cabe perguntar se é oportuno desviar a atenção da agenda bilateral para uma questão global em que os dois países terão dificuldade de influir.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES

No ano em que os 50 anos do restabelecimento das relações entre o Brasil e a China são comemorados, a reunião da Comissão Mista de Alto Nível Brasil-China (Cosban), na próxima semana – quando Novo PAC, neoindustrialização, transição energética e cooperação financeira estarão na agenda –, e a visita, em novembro, do presidente Xi Jinping ao Brasil serão encontros marcantes, que deveriam ser aproveitados pelo governo para definir nossas prioridades com Pequim.

No momento em que as relações entre os EUA e a China se tornam mais conflitivas, especialmente na área tecnológica e econômico-comercial, torna-se urgente a definição de uma estratégia do Brasil para enfrentar as novas realidades geopolíticas que poderão impactar os interesses do País. Nesse contexto, a questão da integração regional, as conexões com a Ásia e os investimentos para facilitar projetos nessas áreas poderiam ser prioridades estratégicas do Brasil nos entendimentos durante o corrente ano.

O transporte de produtos de exportação do Brasil deixou de refletir essa grande mudança de eixo comercial. Para alcançar a Ásia, as exportações brasileiras têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente nem econômico. Torna-se cada vez mais urgente abrir corredores de exportação diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete para tornar os produtos brasileiros mais competitivos.

Não está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um projeto estratégico que ligaria, por via ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros de extensão (1.900 quilômetros no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela Bolívia e chegando aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com recursos chineses. O corredor ferroviário que chegaria aos portos peruanos teria um sentido estratégico fundamental para o Brasil, se pudesse ser executado. Caso viável economicamente, esse corredor não só favoreceria o intercâmbio comercial com a Ásia, mas também ampliaria as comunicações via transporte ferroviário, mais barato, com os países vizinhos e permitiria o aumento do comércio bilateral. Com recursos escassos para desenvolver os projetos já incluídos no PAC, caberia um exame objetivo de eventual cooperação entre o Brasil e a China para a construção desse corredor ferroviário.

Na parte sul do território nacional, no próximo ano, deverá ficar pronto o corredor rodoviário que ligará Santos a portos chilenos, o que beneficiará a exportação de produtos da região para a China. Pequenos trechos no Paraguai e na Argentina deverão estar finalizados até o próximo ano, permitindo a utilização dessa via, construída com recursos de cada um dos países envolvidos (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), sem qualquer interveniência chinesa.

No curso de visita oficial ao Brasil em janeiro passado, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, propôs ao Brasil unir o PAC com investimentos na nova Rota da Seda aqui na América do Sul, da qual muitos outros países sul-americanos já participam. O convite apresenta questões delicadas do ponto de vista geopolítico e do relacionamento com os EUA. O tema não está suficientemente amadurecido no âmbito do governo brasileiro, mas deveria merecer a atenção do setor privado e uma análise pragmática do governo, de acordo com o interesse nacional. Há um esforço do governo para atrair investimento de empresas chinesas para projetos do PAC sem vinculação com a iniciativa chinesa. Caso haja recursos chineses para investimento na ferrovia, sem compromissos, inclusive quanto ao recebimento de trabalhadores chineses, a negociação do referido corredor ferroviário teria uma significação toda especial. Dado o interesse de Pequim e sua altíssima capacitação tecnológica no setor ferroviário, os entendimentos poderiam ser acelerados e a obra, respeitadas as regras ambientais, poderia ser iniciada sem mais delongas, com a participação financeira do Banco do Brics, de acordo com o interesse brasileiro.

Na década de 1990, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty, a China propôs e o Brasil aceitou uma parceria estratégica que deveria beneficiar ambos os países. Os últimos 25 anos mostraram resultados bastante favoráveis a ambos os lados. Falta uma visão estratégica mais pragmática do lado brasileiro. A ideia de colaboração na construção do corredor ferroviário para o Pacífico, para o Porto de Chancay, no Peru, poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos. No primeiro ano de governo, algumas iniciativas importantes foram tomadas para uma maior aproximação e cooperação com os países da região. Está faltando uma política de integração física na América do Sul, liderada pelo Brasil, que possa beneficiar todos os países da região.

Na véspera da reunião da Cosban, Brasil e China aprovaram entendimento comum, possivelmente de iniciativa chinesa, em defesa de uma solução política para a crise na Ucrânia e a desescalada da guerra. Na ausência de uma ideia clara sobre a parceria estratégica com a China, cabe perguntar se é oportuno desviar a atenção da agenda bilateral para uma questão global em que os dois países terão dificuldade de influir.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES

No ano em que os 50 anos do restabelecimento das relações entre o Brasil e a China são comemorados, a reunião da Comissão Mista de Alto Nível Brasil-China (Cosban), na próxima semana – quando Novo PAC, neoindustrialização, transição energética e cooperação financeira estarão na agenda –, e a visita, em novembro, do presidente Xi Jinping ao Brasil serão encontros marcantes, que deveriam ser aproveitados pelo governo para definir nossas prioridades com Pequim.

No momento em que as relações entre os EUA e a China se tornam mais conflitivas, especialmente na área tecnológica e econômico-comercial, torna-se urgente a definição de uma estratégia do Brasil para enfrentar as novas realidades geopolíticas que poderão impactar os interesses do País. Nesse contexto, a questão da integração regional, as conexões com a Ásia e os investimentos para facilitar projetos nessas áreas poderiam ser prioridades estratégicas do Brasil nos entendimentos durante o corrente ano.

O transporte de produtos de exportação do Brasil deixou de refletir essa grande mudança de eixo comercial. Para alcançar a Ásia, as exportações brasileiras têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente nem econômico. Torna-se cada vez mais urgente abrir corredores de exportação diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete para tornar os produtos brasileiros mais competitivos.

Não está incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) um projeto estratégico que ligaria, por via ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros de extensão (1.900 quilômetros no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela Bolívia e chegando aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com recursos chineses. O corredor ferroviário que chegaria aos portos peruanos teria um sentido estratégico fundamental para o Brasil, se pudesse ser executado. Caso viável economicamente, esse corredor não só favoreceria o intercâmbio comercial com a Ásia, mas também ampliaria as comunicações via transporte ferroviário, mais barato, com os países vizinhos e permitiria o aumento do comércio bilateral. Com recursos escassos para desenvolver os projetos já incluídos no PAC, caberia um exame objetivo de eventual cooperação entre o Brasil e a China para a construção desse corredor ferroviário.

Na parte sul do território nacional, no próximo ano, deverá ficar pronto o corredor rodoviário que ligará Santos a portos chilenos, o que beneficiará a exportação de produtos da região para a China. Pequenos trechos no Paraguai e na Argentina deverão estar finalizados até o próximo ano, permitindo a utilização dessa via, construída com recursos de cada um dos países envolvidos (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), sem qualquer interveniência chinesa.

No curso de visita oficial ao Brasil em janeiro passado, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, propôs ao Brasil unir o PAC com investimentos na nova Rota da Seda aqui na América do Sul, da qual muitos outros países sul-americanos já participam. O convite apresenta questões delicadas do ponto de vista geopolítico e do relacionamento com os EUA. O tema não está suficientemente amadurecido no âmbito do governo brasileiro, mas deveria merecer a atenção do setor privado e uma análise pragmática do governo, de acordo com o interesse nacional. Há um esforço do governo para atrair investimento de empresas chinesas para projetos do PAC sem vinculação com a iniciativa chinesa. Caso haja recursos chineses para investimento na ferrovia, sem compromissos, inclusive quanto ao recebimento de trabalhadores chineses, a negociação do referido corredor ferroviário teria uma significação toda especial. Dado o interesse de Pequim e sua altíssima capacitação tecnológica no setor ferroviário, os entendimentos poderiam ser acelerados e a obra, respeitadas as regras ambientais, poderia ser iniciada sem mais delongas, com a participação financeira do Banco do Brics, de acordo com o interesse brasileiro.

Na década de 1990, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty, a China propôs e o Brasil aceitou uma parceria estratégica que deveria beneficiar ambos os países. Os últimos 25 anos mostraram resultados bastante favoráveis a ambos os lados. Falta uma visão estratégica mais pragmática do lado brasileiro. A ideia de colaboração na construção do corredor ferroviário para o Pacífico, para o Porto de Chancay, no Peru, poderia ser um dos pontos altos das comemorações dos 50 anos. No primeiro ano de governo, algumas iniciativas importantes foram tomadas para uma maior aproximação e cooperação com os países da região. Está faltando uma política de integração física na América do Sul, liderada pelo Brasil, que possa beneficiar todos os países da região.

Na véspera da reunião da Cosban, Brasil e China aprovaram entendimento comum, possivelmente de iniciativa chinesa, em defesa de uma solução política para a crise na Ucrânia e a desescalada da guerra. Na ausência de uma ideia clara sobre a parceria estratégica com a China, cabe perguntar se é oportuno desviar a atenção da agenda bilateral para uma questão global em que os dois países terão dificuldade de influir.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES

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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

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