Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Política externa – os primeiros seis meses


Foi correta a definição de prioridades, mas faltou visão estratégica de médio e de longo prazos do governo no planejamento e na implementação das políticas

Por Rubens Barbosa

As prioridades na política externa definidas pelo governo Lula a partir de janeiro foram acertadas. A volta do Brasil ao cenário internacional, o destaque ao meio ambiente e a mudança de clima e a importância da América do Sul são políticas que estão de acordo com o interesse nacional, num momento de grandes transformações globais. Na condução da política externa, nos primeiros seis meses a questão que ficou aparente é a falta de uma visão estratégica de médio e de longo prazos do governo no planejamento e na implementação dessas políticas.

Na retomada de um papel atuante do Brasil, a ênfase no multilateralismo, na multipolaridade, na restauração da credibilidade e na melhora da percepção externa estiveram no centro das preocupações de Lula. A reforma dos organismos multilaterais, em especial do Conselho de Segurança da ONU e o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como a atualização da agenda brasileira nessas instituições, desgastada nos últimos anos, fez parte da ação do Itamaraty. A posição de independência em relação às tensões entre os EUA e a China foi mantida, mas poderá ser testada caso a crise em relação a Taiwan se agrave. A prioridade para a formação do grupo da paz para a guerra na Ucrânia, quando ninguém está interessado nela no momento, foi um equívoco e mostra um protagonismo que é percebido como desequilibrado e ingênuo. O governo ficou devendo iniciativas para definir uma política para o Brics, a OCDE, no G-20 e para reduzir as vulnerabilidades externas, expostas depois da pandemia e da guerra na Ucrânia. As declarações de Lula sobre o conflito expuseram a dependência externa brasileira dos equipamentos bélicos da Otan e as contradições entre o Ministério da Defesa e o Itamaraty.

Nas negociações comerciais, o governo ameaça reabrir o acordo Mercosul-União Europeia no tocante às compras governamentais, o que poderá inviabilizar sua assinatura. Nada foi feito para revitalizar o Mercosul.

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Na questão do clima, em que o Brasil é uma potência global, não se conhece uma política estratégica que inclua propostas para cumprir os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa ou para regulamentar o mercado voluntário e compulsório de carbono, sem falar nos retrocessos internos na política ambiental. A realização da COP-30 em 2025 no Pará e a convocação do Tratado de Cooperação Amazônica foram resultados positivos.

No tocante à América do Sul, além do controvertido apoio à Argentina e à Venezuela, Lula decidiu retomar a iniciativa de 2000 e 2002 do presidente FHC e promoveu reunião presidencial para coordenar políticas visando a maior integração regional.

O ativismo diplomático, evidenciado na proposta de paz na Ucrânia e na reunião presidencial regional, trouxe mais desgastes para o governo e para a imagem presidencial do que resultados concretos. No tocante à guerra na Ucrânia, no encontro do G-7 as ambiguidades do discurso de Lula e a controvérsia quanto ao encontro frustrado com Zelensky tornaram-se mais evidentes. As declarações públicas do governo puseram em dúvida a equidistância do Brasil e a percepção de que Lula teria assumido um dos lados. Quanto ao resultado do encontro presidencial regional, ele pode ser considerado como limitado e longe do que o presidente Lula pretendia. Moeda Unida, Unasul, a criação de mais uma instituição, defendidas pelo Brasil, não foram acolhidas. Nem o prazo de 120 dias para os chanceleres apresentarem sugestões de ação aos presidentes foi aceito.

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A América do Sul está desintegrada e sem perspectiva de avançar no processo de integração no curto prazo. Sem uma visão estratégica e sem a apresentação de propostas que respondam aos desafios atuais das transformações globais, prevaleceu a discussão ideológica divisiva. O discurso público de Lula, desatualizado e ideológico, valorizou a Venezuela, gerou divisão política e pôs em risco a liderança que o Brasil deveria exercer na região. O fato de Lula ter oferecido a Maduro uma recepção especial (“visita histórica”), antes do encontro com os demais presidentes, ofuscou a reunião e colocou em segundo plano a importância da união e integração regional. A afirmação de que Maduro teria de mudar a narrativa construída contra a Venezuela por alguns países, em especial pelos EUA, sem fazer qualquer reparo ao notório autoritarismo reinante, suscitou duras críticas dos presidentes do Chile e do Uruguai, além da oposição venezuelana, o que, na prática, significa críticas da direita e da esquerda. A exemplo do que aconteceu na visita à Argentina e na reunião do G-7, o marketing do encontro foi negativo. Também na área externa, Lula pode perder prestígio e credibilidade.

A dualidade de funções entre a assessoria presidencial e o ministro do Exterior indicou o continuado esvaziamento do Ministério das Relações Exteriores. Até aqui, no entanto, não se pode dizer que a política externa foi contaminada pela ideologia e pela partidarização. Os sinais, porém, são preocupantes, sobretudo em razão do tratamento dado à Venezuela.

Com tantos problemas políticos, econômicos e sociais internos, a pesada agenda externa de Lula no segundo semestre, se cumprida, pode ampliar os ruídos no Congresso e na opinião pública contra o protagonismo internacional do presidente.

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EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES, É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

As prioridades na política externa definidas pelo governo Lula a partir de janeiro foram acertadas. A volta do Brasil ao cenário internacional, o destaque ao meio ambiente e a mudança de clima e a importância da América do Sul são políticas que estão de acordo com o interesse nacional, num momento de grandes transformações globais. Na condução da política externa, nos primeiros seis meses a questão que ficou aparente é a falta de uma visão estratégica de médio e de longo prazos do governo no planejamento e na implementação dessas políticas.

Na retomada de um papel atuante do Brasil, a ênfase no multilateralismo, na multipolaridade, na restauração da credibilidade e na melhora da percepção externa estiveram no centro das preocupações de Lula. A reforma dos organismos multilaterais, em especial do Conselho de Segurança da ONU e o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como a atualização da agenda brasileira nessas instituições, desgastada nos últimos anos, fez parte da ação do Itamaraty. A posição de independência em relação às tensões entre os EUA e a China foi mantida, mas poderá ser testada caso a crise em relação a Taiwan se agrave. A prioridade para a formação do grupo da paz para a guerra na Ucrânia, quando ninguém está interessado nela no momento, foi um equívoco e mostra um protagonismo que é percebido como desequilibrado e ingênuo. O governo ficou devendo iniciativas para definir uma política para o Brics, a OCDE, no G-20 e para reduzir as vulnerabilidades externas, expostas depois da pandemia e da guerra na Ucrânia. As declarações de Lula sobre o conflito expuseram a dependência externa brasileira dos equipamentos bélicos da Otan e as contradições entre o Ministério da Defesa e o Itamaraty.

Nas negociações comerciais, o governo ameaça reabrir o acordo Mercosul-União Europeia no tocante às compras governamentais, o que poderá inviabilizar sua assinatura. Nada foi feito para revitalizar o Mercosul.

Na questão do clima, em que o Brasil é uma potência global, não se conhece uma política estratégica que inclua propostas para cumprir os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa ou para regulamentar o mercado voluntário e compulsório de carbono, sem falar nos retrocessos internos na política ambiental. A realização da COP-30 em 2025 no Pará e a convocação do Tratado de Cooperação Amazônica foram resultados positivos.

No tocante à América do Sul, além do controvertido apoio à Argentina e à Venezuela, Lula decidiu retomar a iniciativa de 2000 e 2002 do presidente FHC e promoveu reunião presidencial para coordenar políticas visando a maior integração regional.

O ativismo diplomático, evidenciado na proposta de paz na Ucrânia e na reunião presidencial regional, trouxe mais desgastes para o governo e para a imagem presidencial do que resultados concretos. No tocante à guerra na Ucrânia, no encontro do G-7 as ambiguidades do discurso de Lula e a controvérsia quanto ao encontro frustrado com Zelensky tornaram-se mais evidentes. As declarações públicas do governo puseram em dúvida a equidistância do Brasil e a percepção de que Lula teria assumido um dos lados. Quanto ao resultado do encontro presidencial regional, ele pode ser considerado como limitado e longe do que o presidente Lula pretendia. Moeda Unida, Unasul, a criação de mais uma instituição, defendidas pelo Brasil, não foram acolhidas. Nem o prazo de 120 dias para os chanceleres apresentarem sugestões de ação aos presidentes foi aceito.

A América do Sul está desintegrada e sem perspectiva de avançar no processo de integração no curto prazo. Sem uma visão estratégica e sem a apresentação de propostas que respondam aos desafios atuais das transformações globais, prevaleceu a discussão ideológica divisiva. O discurso público de Lula, desatualizado e ideológico, valorizou a Venezuela, gerou divisão política e pôs em risco a liderança que o Brasil deveria exercer na região. O fato de Lula ter oferecido a Maduro uma recepção especial (“visita histórica”), antes do encontro com os demais presidentes, ofuscou a reunião e colocou em segundo plano a importância da união e integração regional. A afirmação de que Maduro teria de mudar a narrativa construída contra a Venezuela por alguns países, em especial pelos EUA, sem fazer qualquer reparo ao notório autoritarismo reinante, suscitou duras críticas dos presidentes do Chile e do Uruguai, além da oposição venezuelana, o que, na prática, significa críticas da direita e da esquerda. A exemplo do que aconteceu na visita à Argentina e na reunião do G-7, o marketing do encontro foi negativo. Também na área externa, Lula pode perder prestígio e credibilidade.

A dualidade de funções entre a assessoria presidencial e o ministro do Exterior indicou o continuado esvaziamento do Ministério das Relações Exteriores. Até aqui, no entanto, não se pode dizer que a política externa foi contaminada pela ideologia e pela partidarização. Os sinais, porém, são preocupantes, sobretudo em razão do tratamento dado à Venezuela.

Com tantos problemas políticos, econômicos e sociais internos, a pesada agenda externa de Lula no segundo semestre, se cumprida, pode ampliar os ruídos no Congresso e na opinião pública contra o protagonismo internacional do presidente.

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EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES, É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

As prioridades na política externa definidas pelo governo Lula a partir de janeiro foram acertadas. A volta do Brasil ao cenário internacional, o destaque ao meio ambiente e a mudança de clima e a importância da América do Sul são políticas que estão de acordo com o interesse nacional, num momento de grandes transformações globais. Na condução da política externa, nos primeiros seis meses a questão que ficou aparente é a falta de uma visão estratégica de médio e de longo prazos do governo no planejamento e na implementação dessas políticas.

Na retomada de um papel atuante do Brasil, a ênfase no multilateralismo, na multipolaridade, na restauração da credibilidade e na melhora da percepção externa estiveram no centro das preocupações de Lula. A reforma dos organismos multilaterais, em especial do Conselho de Segurança da ONU e o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como a atualização da agenda brasileira nessas instituições, desgastada nos últimos anos, fez parte da ação do Itamaraty. A posição de independência em relação às tensões entre os EUA e a China foi mantida, mas poderá ser testada caso a crise em relação a Taiwan se agrave. A prioridade para a formação do grupo da paz para a guerra na Ucrânia, quando ninguém está interessado nela no momento, foi um equívoco e mostra um protagonismo que é percebido como desequilibrado e ingênuo. O governo ficou devendo iniciativas para definir uma política para o Brics, a OCDE, no G-20 e para reduzir as vulnerabilidades externas, expostas depois da pandemia e da guerra na Ucrânia. As declarações de Lula sobre o conflito expuseram a dependência externa brasileira dos equipamentos bélicos da Otan e as contradições entre o Ministério da Defesa e o Itamaraty.

Nas negociações comerciais, o governo ameaça reabrir o acordo Mercosul-União Europeia no tocante às compras governamentais, o que poderá inviabilizar sua assinatura. Nada foi feito para revitalizar o Mercosul.

Na questão do clima, em que o Brasil é uma potência global, não se conhece uma política estratégica que inclua propostas para cumprir os compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa ou para regulamentar o mercado voluntário e compulsório de carbono, sem falar nos retrocessos internos na política ambiental. A realização da COP-30 em 2025 no Pará e a convocação do Tratado de Cooperação Amazônica foram resultados positivos.

No tocante à América do Sul, além do controvertido apoio à Argentina e à Venezuela, Lula decidiu retomar a iniciativa de 2000 e 2002 do presidente FHC e promoveu reunião presidencial para coordenar políticas visando a maior integração regional.

O ativismo diplomático, evidenciado na proposta de paz na Ucrânia e na reunião presidencial regional, trouxe mais desgastes para o governo e para a imagem presidencial do que resultados concretos. No tocante à guerra na Ucrânia, no encontro do G-7 as ambiguidades do discurso de Lula e a controvérsia quanto ao encontro frustrado com Zelensky tornaram-se mais evidentes. As declarações públicas do governo puseram em dúvida a equidistância do Brasil e a percepção de que Lula teria assumido um dos lados. Quanto ao resultado do encontro presidencial regional, ele pode ser considerado como limitado e longe do que o presidente Lula pretendia. Moeda Unida, Unasul, a criação de mais uma instituição, defendidas pelo Brasil, não foram acolhidas. Nem o prazo de 120 dias para os chanceleres apresentarem sugestões de ação aos presidentes foi aceito.

A América do Sul está desintegrada e sem perspectiva de avançar no processo de integração no curto prazo. Sem uma visão estratégica e sem a apresentação de propostas que respondam aos desafios atuais das transformações globais, prevaleceu a discussão ideológica divisiva. O discurso público de Lula, desatualizado e ideológico, valorizou a Venezuela, gerou divisão política e pôs em risco a liderança que o Brasil deveria exercer na região. O fato de Lula ter oferecido a Maduro uma recepção especial (“visita histórica”), antes do encontro com os demais presidentes, ofuscou a reunião e colocou em segundo plano a importância da união e integração regional. A afirmação de que Maduro teria de mudar a narrativa construída contra a Venezuela por alguns países, em especial pelos EUA, sem fazer qualquer reparo ao notório autoritarismo reinante, suscitou duras críticas dos presidentes do Chile e do Uruguai, além da oposição venezuelana, o que, na prática, significa críticas da direita e da esquerda. A exemplo do que aconteceu na visita à Argentina e na reunião do G-7, o marketing do encontro foi negativo. Também na área externa, Lula pode perder prestígio e credibilidade.

A dualidade de funções entre a assessoria presidencial e o ministro do Exterior indicou o continuado esvaziamento do Ministério das Relações Exteriores. Até aqui, no entanto, não se pode dizer que a política externa foi contaminada pela ideologia e pela partidarização. Os sinais, porém, são preocupantes, sobretudo em razão do tratamento dado à Venezuela.

Com tantos problemas políticos, econômicos e sociais internos, a pesada agenda externa de Lula no segundo semestre, se cumprida, pode ampliar os ruídos no Congresso e na opinião pública contra o protagonismo internacional do presidente.

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