A execução pública de Antonio Vinicius Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos, na tarde do dia 8 passado, ganhou contornos de vendeta, ao estilo mafioso. A depender do curso das investigações daquele brutal assassinato, o caso pode servir como uma oportunidade de ouro para o governo de São Paulo depurar as Polícias Civil e Militar (PM), expurgando de seus quadros alguns maus policiais que se aproveitam do poder e da credibilidade das forças de segurança do Estado para cometer crimes.
Pelo fato de Gritzbach ter operado um milionário esquema de lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das linhas de investigação de sua morte é, obviamente, a “queima de arquivo”. Afinal, por se tratar de um criminoso ligado ao PCC em um ponto nevrálgico das atividades da facção – o controle financeiro –, Gritzbach sabia de muita coisa e decerto conhecia muita gente que seus comparsas não gostariam de ver reveladas. Essa hipótese, é evidente, tem de seguir como um dos horizontes da investigação a cargo da força-tarefa criada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo para apurar a autoria e a motivação do crime.
Todavia, a íntegra dos anexos do acordo de colaboração premiada firmado pelo dublê de empresário e criminoso com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), à qual o Estadão teve acesso, revela que, se Gritzbach era um “arquivo vivo”, este arquivo já havia sido escancarado às autoridades paulistas bem antes de sua morte por meio de uma série de depoimentos gravados pelo MP-SP e provas documentais entregues pelo réu colaborador aos promotores, o que reforça a hipótese de vingança.
Um grupo de policiais de duas delegacias e dois departamentos da Polícia Civil de São Paulo estão entre as figuras centrais da delação de Gritzbach ao parquet. Em um dos anexos, consta a acusação contra agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e dos distritos policiais (DPs) de Ermelino Matarazzo (24.º DP) e Tatuapé (30.º DP). Segundo os registros deixados por Gritzbach, alguns policiais lotados nessas unidades teriam interferido na condução de inquéritos, cujos números foram fornecidos pelo colaborador, para impedir a identificação de membros do PCC como autores de uma pletora de crimes.
Essa guarida, é claro, teria sido regiamente remunerada pelo PCC. Consta que apenas um dos criminosos protegidos por esses policiais suspeitos de estarem a serviço do crime organizado teria pagado, segundo Gritzbach, nada menos que R$ 70 milhões a título de propina. A SSP, como não poderia deixar de ser, afastou todos os policiais citados na delação até que as investigações sejam concluídas.
Outra questão a ser esclarecida pela SSP é a razão de ao menos oito policiais militares da ativa terem sido contratados por Gritzbach para servirem de seguranças particulares, o que é proibido pelo regimento da PM. Ainda que o indigitado fosse o mais imaculado dos cidadãos, e não um criminoso, policiais militares não podem prestar serviços de segurança privada. A bem da verdade, esses policiais já eram investigados por isso pela Corregedoria da PM. Agora, passaram a ser investigados também pela suspeita de envolvimento na morte do “patrão”.
Como se vê, são gravíssimos os indícios de conluio entre policiais civis e militares de São Paulo e o PCC, o que não chega a ser novidade, haja vista que a facção só acumulou tanto poder porque contou com a leniência ou a cumplicidade de agentes do Estado para chegar aonde chegou. Este jornal espera, porém, que a investigação da desabrida execução de Gritzbach, um teste para a colaboração entre as polícias estaduais e a Polícia Federal, como deseja o governo federal, sirva como um ponto de inflexão nessa promiscuidade entre policiais supostamente a serviço da lei e aqueles que a violam de forma atrevida.
A sociedade não exige muito no que concerne à segurança pública: só espera que policiais ajam como policiais, não como bandidos. Sem o básico, não há política nessa área que dê resultado.l