A conclusão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro representa mais do que o simples fim de uma tarefa. Trata-se de firme posicionamento em favor do regime democrático. O Congresso não foi conivente com a tentativa de golpe impetrada no início do ano. E, por mais que não tenha revelado nenhuma grande novidade probatória, a comissão não negou os fatos, como alguns pretendiam. A CPMI confirmou um importante dado histórico: não haveria 8 de Janeiro sem Jair Bolsonaro.
Aprovado por 20 votos a 11, o relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) pediu a responsabilização criminal do ex-presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Pode-se dizer que, tendo em vista os julgamentos dos primeiros casos do 8 de Janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF), o relatório da CPMI foi bem comedido.
Não cabe ignorar a dimensão dos fatos. O envolvimento de Jair Bolsonaro não se resumiu a um arroubo golpista surgido após o fracasso eleitoral de 2022, o que já seria sumamente grave. Como lembrou Eliziane Gama, ele “descredibilizou o processo eleitoral ao longo de sua carreira política”, tendo responsabilidade direta como mentor moral dos ataques contra as instituições democráticas.
A relatora da CPMI pediu também o indiciamento de mais 60 pessoas pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro, incluindo 16 empresários que teriam financiado as ações golpistas e 22 militares, entre eles os generais Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa, e Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro. Trata-se de um fato lamentável, mas não há como negá-lo. São muitos os indícios de envolvimento de militares de alta patente na intentona golpista. A comissão fez bem em jogar luzes sobre essa participação de membros das Forças Armadas, o que pode ser importante fonte de aprendizado para todos.
Louvável por sua plena aderência à Constituição, o encaminhamento da CPMI do 8 de Janeiro mostrou também suas deficiências e limitações. Frustrou-se quem tinha a pretensão de que a comissão entregasse um conjunto probatório completo sobre a responsabilidade de Jair Bolsonaro e das lideranças bolsonaristas. Ou que revelasse a exata dinâmica da intentona golpista, com a identificação precisa das diferentes responsabilidades.
O importante agora é dar o devido destino ao material levantado. Na próxima semana, o relatório da CPMI do 8 de Janeiro deve ser entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), à Polícia Federal (PF) e ao STF. Cabe a esses órgãos não serem omissos. Há exatos dois anos, a CPI da Covid também pediu o indiciamento de Jair Bolsonaro por crimes que somavam 38 anos de prisão. Na ocasião, a PGR, então chefiada por Augusto Aras, engavetou as investigações abertas em função do relatório. Espera-se agora outro desfecho.
O Brasil não pode ser o país da impunidade, especialmente quando se trata de crimes contra o Estado Democrático de Direito, que afetam diretamente o presente e o futuro de toda a população. Ainda que seja incompleto em termos de investigação, o relatório da CPMI do 8 de Janeiro não é uma peça de ficção.
Não deixa de ser irônico que a teoria do domínio do fato, anos depois de ter sido usada para condenar diversos petistas no mensalão, seja agora utilizada no relatório da CPMI para responsabilizar criminalmente Jair Bolsonaro. E, num repeteco da história, o ex-presidente recorre ao mesmo argumento que foi na época utilizado pelo PT. Bolsonaro disse ser responsável apenas pelo que assinou.
Ora, a responsabilidade criminal não se resume ao que uma pessoa assinou em documentos oficiais. Como diz o Código Penal, o resultado de um crime é imputável a quem lhe deu causa, e “considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Os órgãos de investigação têm ainda muito trabalho a fazer, mas definitivamente o futuro criminal de Jair Bolsonaro, a esta altura, é bastante previsível.